Há 71 mil famílias vivendo do
extrativismo em unidades de conservação de uso sustentável, conforme
estimativa do Conselho Nacional de Populações Extrativistas. A maioria está
organizada em associações e cooperativas, negócios comunitários que podem ser
acelerados com planejamento adequado e crédito facilitado. A
histórias que contamos aqui mostra como essas duas frentes podem turbinar os
negócios da floresta.
Em Porto de Moz, moradores da Reserva Extrativista (Resex) Verde
Para Sempre acessaram de maneira inédita no Brasil crédito de custeio para o
manejo florestal comunitário e familiar (MFCF). Na Floresta Nacional do
Tapajós, em Belterra, o primeiro planejamento estratégico da
cooperativa local aprimorou a gestão de seus negócios com produtos
madeireiros e não madeireiros, acelerando o caminho para obter futuros
financiamentos de custeio.
A Verde para Sempre é a maior reserva extrativista do Brasil, com 1,3 milhão
de hectares, equivalente a oito vezes a área da cidade de São Paulo. É lá que
estão as famílias que receberam, em outubro de 2019, crédito de
custeio do Banco da Amazônia no valor de R$ 850 mil do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para seu manejo
comunitário de madeira.
O dinheiro está sendo usado na compra de óleo combustível, aluguel de
maquinário e contratação de empresa para o arraste de toras. A previsão é de
que sejam extraídos em 2020 em torno de 10 mil metros cúbicos de madeira
tropical manejada de maneira sustentável e certificada pelo Conselho de
Manejo Florestal (FSC).
O Pronaf Custeio foi concedido no formato de crédito individual com
autorização para uso coletivo, arranjo financeiro único, especialmente
concebido para atender às peculiaridades do modo de vida das famílias que
habitam a Resex. Ou seja, as garantias e a administração dos recursos são
comunitárias, executadas pela Cooperativa Mista Agroextrativista Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro do Rio Arimum (Coonspra) e pela Associação
Comunitária Agroextrativista do Rio Curuminim (Acarc).
Com esse arranjo financeiro, os 30 contratos individuais assinados com o
Banco da Amazônia beneficiaram 92 famílias vinculadas à Coonspra e à Acarc.
As duas organizações comunitárias possuem unidades de manejo florestal de
cerca de 4,2 mil hectares cada. Seus planos de manejo, aprovados pelo ICMBio,
preveem a extração sustentável de madeira tropical durante 21 anos.
Autonomia
O crédito livrou os produtores da dependência de compradores e atravessadores,
que costumam antecipar parte do pagamento pela madeira para os produtores
cobrirem gastos com combustível e maquinário. Sem dinheiro próprio, os
cooperados muitas vezes eram pressionados pelos atravessadores a desovar a
produção para o mercado assim que a madeira era retirada da área de manejo,
mesmo que o preço oferecido mal cobrisse os custos de produção.
“Agora, temos mais influência sobre o preço da madeira. Como temos
financiamento, quem der mais, leva. Não precisamos correr para vender”, diz
Josenilde Bras Ferreira Ribeiro, 44 anos, tesoureira da Coonspra.
“Esse apoio do banco é uma conquista muito grande. A gente quer continuar com
o Banco da Amazônia”, diz Maria Creusa da Gama Ribeiro, presidente da
Cooperativa Mista Agroextrativista Floresta Sempre Viva Três Rios (Coomar).
Segundo ela, a intenção este ano é negociar com o Banco não apenas a
renovação do crédito de custeio, como também a ampliação do número de
famílias beneficiadas com o recurso. Algumas famílias integrantes da Coomar
também foram beneficiadas pelo Pronaf Custeio contratados por intermédio da
Coonspra e da Acarc.
Planilha de risco
A aprovação do inédito Pronaf Custeio para o MFCF dependia da elaboração de
uma planilha de risco, usada pelo banco para analisar a viabilidade técnica,
econômica e ambiental dos projetos de manejo dos extrativistas. Foi aí que a
Conexsus teve papel fundamental na aprovação do crédito pelo Banco da
Amazônia, ao participar da elaboração da planilha em um grupo de 26
especialistas de cinco instituições.
Com a planilha pronta, o Banco analisou e aprovou a proposta de custeio dos
extrativistas. Os recursos foram repassados em parcela única, com prazo de
pagamento de até dois anos e juros de 3% ao ano, a menor taxa de custeio
disponível no Pronaf. Já foram liquidados 22 contratos de financiamento,
restando oito para o fazerem até 2021.
“Os extrativistas e suas organizações econômicas, cooperativas e associações
têm no Pronaf a fonte mais estável, com menor custo e maior oferta. É a mais
fácil de ser obtida”, aponta João Luiz Guadagnin, especialista em crédito
rural da Conexsus.
Para o Banco da Amazônia, os ganhos sociais e ambientais da operação são
indiscutíveis. “Cumprimos nossa missão de apoiar o desenvolvimento
sustentável da Amazônia brasileira, reduzindo as desigualdades sociais e
econômicas, ao mesmo tempo mantendo a floresta em pé e valorizando a
biodiversidade”, afirma Luiz Lourenço de Souza Neto, gerente executivo de
pessoa física do banco.
Mudança no planejamento
Há casos de organizações, como a Coomflona, que necessitam aprimorar seu
processo de planejamento, elemento que as ajudam a se preparar para acessar o
crédito de custeio. Antes da Jornada de Aceleração do Desafio Conexsus,
realizada em 2019, o planejamento da Cooperativa Mista da Flona do Tapajós
(Coomflona) era anual, sem metas de médio e longo prazo nem prioridades
claras.
“A gente colocava tudo no planejamento, sem priorizar o que era mais
importante. Nem previa o que fazer caso algo desse errado”, conta Arimar
Feitosa Rodrigues, coordenador da movelaria da Coomflona, que se deu conta da
necessidade de mudar a maneira como o planejamento era feito durante a
Jornada, na qual participou junto com Raimundo Jean Feitosa Rocha, presidente
da cooperativa.
“Passamos a ter uma ferramenta para acompanhar as atividades de manejo,
medidas por parâmetros de crescimento e equilíbrio. Não pode ser de menos nem
de mais”, diz o dirigente da cooperativa. “Entendemos também que o processo
não começa hoje e termina amanhã, é construído gradativamente.”
Excelência no manejo florestal
Situada em Belterra, a Coomflona é uma das mais bem-sucedidas cooperativas na
implementação do manejo florestal comunitário do Brasil. Com pouco mais de
200 associados vivendo nas 26 comunidades da Flona do Tapajós, a cooperativa
comercializa madeira tropical oriunda de manejo florestal comunitário
sustentável, móveis certificados e produtos não madeireiros como óleos de
copaíba, andiroba e pequiá, mel, sementes e polpas de fruta. Todos os
produtos resultantes do manejo florestal comunitário são certificados pelo
Conselho de Manejo Florestal (FSC).
Para agregar maior valor à produção moveleira, a cooperativa participa do
projeto Design & Madeira Sustentável, da BVRio, que aproximou
extrativistas de designers brasileiros de renome internacional. A cada dois
ou três meses, a cooperativa recebe a visita de um designer, que passa de
dois a três dias na movelaria Anambé realizando oficinas em que ensinam novas
técnicas de desenho e construção de móveis e utensílios.
Peças de alto valor agregado são desenvolvidas a partir de madeiras obtidas
de maneira sustentável, 100% certificadas pelo FSC. A Anambé foi inaugurada
pela Coomflona em 2017, iniciativa financiada pela Fundação Banco do Brasil
(FBB) e o Fundo Amazônia.
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