Pesquisadores da Embrapa desenvolveram um protocolo a ser seguido por fazendas interessadas
em produzir carne mitigando os impactos causados pelas emissões de gases
causadores de efeito estufa, os GEE. Considerada uma das fontes emissoras
desses gases, especialmente por causa do gás metano gerado no processo de
digestão dos ruminantes, a pecuária é capaz de compensar suas emissões ao
integrar a produção com o plantio de árvores e manejo adequado das pastagens,
por exemplo.
De olho nessa solução, cientistas da Embrapa Gado de
Corte (MS) desenvolveram as diretrizes para compensar as emissões
geradas no campo, baseando-se em experimentos com medições e estimativas de
emissão e absorção de carbono-equivalente envolvidas na pecuária. O resultado
foi o protocolo Carne Carbono Neutro, que tem como base os sistemas de integração
lavoura-pecuária-floresta, ou silvipastoris. A propriedade pode pleitear o uso
do selo CCN após a avaliação e aprovação de uma certificadora independente. “A
Carne Carbono Neutro está baseada nesse protocolo, um conjunto de normas que
devem ser seguidas pelos produtores e atestadas por uma certificadora
credenciada pela Embrapa,” resume a pesquisadora Fabiana Villa Alves.
A presença de árvores integradas ao sistema produtivo é uma das
exigências do protocolo (veja quadro). O produtor pode optar por
integrar a pecuária com floresta (IPF) ou ainda inserir lavoura no sistema,
conhecido como ILPF ou integração lavoura-pecuária-floresta.
A pesquisadora frisa que a certificação não é da propriedade como um
todo, e sim da área de produção da CCN. Esta deve ter, necessariamente, um
sistema de ILPF ou ILP. Caso o produtor pense em implantá-lo em uma área de
pastagem, deve ter o cuidado de colocar os animais somente quando as árvores
estiverem com, no mínimo, seis centímetros de diâmetro. Essa medida assegura
que a entrada dos animais no sistema não causará danos às árvores, diminuindo o
valor comercial da madeira que será produzida. É também exigida a apresentação
do inventário florestal anual contínuo, para fins de monitoramento do sequestro
de carbono.
Com finalidade semelhante, é obrigatório o registro dos teores de
carbono no solo, por meio de amostragens bianuais. Esses valores não podem
diminuir ao longo do tempo. Plantas invasoras na área da pastagem devem ser
controladas, e o produtor deve fazer a reposição de nutrientes no solo. Caso
haja excedente de pastagem, outros animais poderão pastejar na área CCN desde
que seja respeitada a lotação máxima e que os animais estejam devidamente
identificados. Já os animais do Programa CCN não devem pastejar em áreas não
certificadas.
O registro do rebanho deve ser controlado e apresentado, constando o
número de animais na área, com datas de entrada e saída, além das mortes
ocorridas. Devem ser registrados da mesma maneira o uso de insumos agrícolas,
nutricionais e veterinários e de controle zootécnico. É obrigatório o controle,
inclusive, da saída de animais para qualquer outra área. À certificadora deve
ser enviada uma listagem com a identificação individual dos animais e toda
movimentação deles.
Para efeitos de certificação são aceitos animais machos, inteiros ou
castrados, e fêmeas. Todos devem ser rastreáveis e receber identificação
visualmente diferente dos demais animais do rebanho. O programa preconiza o uso
de marcação alternativa à marcação a fogo e veta totalmente mutilações.
Além das emissões
O protocolo CCN não se restringe aos cuidados ambientais, abrange também
diversas outras áreas, como a de segurança do alimento. São exigidos
procedimentos de manejo sanitário dos animais, além de mecanismos que permitam
a rastreabilidade do produto ao longo da cadeia.
O calendário sanitário de vacinas para o rebanho deve ser seguido à
risca, e de acordo com a região e estado da fazenda. Deve haver registro das
vacinas e a aplicação deve ser feita na “tábua do pescoço”, lugar correto para
isso, de acordo com os especialistas. O animal que apresentar abscesso de
vacina será desclassificado. A indicação do local da aplicação é válida também
para vermífugos e demais medicamentos injetáveis. Toda terapêutica utilizada
nos animais do programa CCN deve ser registrada em livro específico que será
vistoriado pela certificadora.
A produção deve estar 100% em conformidade com o Código Florestal
Brasileiro (Lei nº 12.651/2012) e apresentar comprovante de regularidade junto ao
Cadastro Ambiental Rural (CAR).
O selo é concedido somente a propriedades que apresentem
responsabilidade social. É necessário mostrar que a legislação trabalhista está
sendo cumprida. A certificação verifica se os colaboradores são devidamente
remunerados, se contam com boas condições de moradia, higiene, alimentação e
trabalho, como o fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs),
por exemplo.
Alimentação de qualidade para o gado
A fonte principal de alimentação para os animais deve ser o pasto, e
eles devem ser suplementados o ano todo. A suplementação alimentar não deve
exceder a taxa de 2% do peso vivo, sendo permitida a terminação com
suplementação (“confinamento à pasto”) por até 105 dias. A água fornecida aos
animais deve ser de boa qualidade e por fluxo corrente ou, na impossibilidade,
por renovação frequente.
No manejo da pastagem, as espécies disponibilizadas devem ser as
indicadas para as condições de solo e clima da região, e o manejo deve adotar
técnicas que garantam alimento em quantidade e qualidade suficientes aos
animais. O documento salienta que atenção especial deve ser dada à implantação
e condução da forrageira, pois seu manejo inadequado pode acarretar degradação
da pastagem, inviabilizando a concessão do selo. Por isso, devem ser
respeitadas as alturas mínimas de pastejo de acordo com a espécie e cultivar
utilizada. A Embrapa possui ferramentas que auxiliam o produtor nessa tarefa,
como a régua de manejo de pastagem.
Produto 100% brasileiro
“A CCN é uma tecnologia genuinamente brasileira. Não fomos atrás de
soluções do exterior, pelo contrário, somos hoje referência para especialistas
que vem de outros países conhecer nossa tecnologia,” orgulha-se Fabiana Villa,
ressaltando que o trabalho brasileiro tem embasado programas de mitigação de
GGE na pecuária de outros países, como Austrália e Argentina.
Mais do que uma tecnologia, o CCN é uma marca-conceito capaz de
transformar a produção de proteína animal nacional e internacionalmente. Essa é
a opinião do pesquisador da Embrapa Cleber Oliveira Soares, atual diretor
do Departamento de Apoio à Inovação Agropecuária do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (Mapa). “O conceito Carne Carbono Neutro contribuirá não só para a produção
sustentável de proteína de origem animal no Brasil e nos trópicos, mas também
para ganhos produtivos e ambientais em curto, médio e longos prazos,” prevê
Soares.
“A vantagem da certificação CCN é que ela não exclui outras
certificações, e pode ser agregada aos selos de raças específicas. No caso de
bovinos, outras marcas-conceito, com a mesma lógica da CCN, estão sendo
criadas, como o Bezerro Carbono Neutro e Couro Carbono Neutro, dentro do que a
Embrapa chamou de “Plataforma de Pecuária Baixo Carbono Certificada. A
tendência é a consolidação desse movimento em outras cadeias produtivas,”
acredita Villa.
O mercado para a CCN
O mercado da carne vermelha é de 13,2 milhões de toneladas anuais
exportadas. Só o Brasil exportou 2,2 milhões, em 2019. O mercado para uma carne
especial como da CCN é promissor, assim como é crescente o número de
consumidores que exigem qualidade e sustentabilidade dos produtos. Grupos
frigoríficos têm se interessado e acompanhado a evolução da produção da CCN. No
dia 27 de agosto, a Marfrig lançou uma linha de produtos especial com a
marca Viva, criada para diferenciar carnes produzidas sob a certificação CCN.
O pesquisador da Embrapa Gado de Corte Roberto Giolo acredita que a carne brasileira será beneficiada com o selo CCN e
atingirá mercados mais exigentes, tanto o interno como o externo, podendo
aumentar a exportação brasileira. Entre os potenciais clientes estão países da
Europa.
Giolo acredita que o selo será um facilitador para o alcance das metas
nacionais previstas no Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), uma vez que incentivará a adoção de sistemas integrados de produção.
“O programa é inovador e com grande potencial de crescimento,” aposta
Fabian Perez Gonçalves, da empresa SGS de serviços de certificação. Sergio
Pimenta, da certificadora SBC, disse que ficou surpreso com a base tecnológica
e científica do protocolo CCN. “É bem ampla e nunca vi algo tão detalhado. São
muitos conceitos, e o selo vai incentivar produtores a adotarem as tecnologias
necessárias,” declara. A SBC opera vários protocolos no Brasil e é a maior
certificadora de animais de rastreamento para exportação.
Árvores são fundamentais
Os pesquisadores explicam que as árvores têm um papel crucial no sistema
produtivo, pois será principalmente em seus troncos que ficará armazenado o
carbono retirado da atmosfera e contabilizado no balanço para neutralizar as
emissões.
É possível estimar a quantidade fixada de carbono considerando o volume
de madeira produzido pelas árvores, com base em equações que utilizam a sua
altura e o seu diâmetro (à altura do peito). Em experimentos de longa duração,
pesquisadores concluíram que o ideal é manter entre 200 e 400 árvores por
hectare para neutralizar as emissões de metano de um a três bovinos adultos por
ano, considerando que geralmente apenas metade dessas árvores são destinadas
para produção de madeira serrada, que é o que efetivamente entra no cálculo de
neutralização de acordo com o protocolo CCN.
As árvores plantadas também trazem outras vantagens. Além de recomporem
a paisagem rural, ainda colaboram para o bem-estar animal, ao criar um
microclima de temperatura mais amena, proporcionado pela oferta de sombra
abundante. Além disso, diversificam a renda do produtor, funcionando como um
investimento de longo prazo com o qual o pecuarista também lucrará ao vender a
madeira, oferecendo mais segurança financeira à atividade.
“A integração sendo bem feita, a lucratividade torna-se bem
interessante”, atesta o engenheiro-florestal Moacir Reis, diretor da fazenda
Boa Aguada do grupo Mutum e presidente da Associação Sul-Mato-Grossense de
Produtores e Consumidores de Florestas Plantadas (Reflore MS). O gestor é da
opinião de que quando se trabalha com um único produto, a atividade fica muito
vulnerável aos riscos econômicos, o que se reduz com a diversificação de
renda.
Para ajudar o produtor no manejo de árvores plantadas em sistemas
integrados, a Embrapa desenvolveu o software SisILPF, que simula o desempenho de plantios e
formas de manejar as árvores nos sistemas integrados, de acordo com os
objetivos do produtor. A ferramenta oferece suporte para manejo de precisão,
análise econômica e planejamento do componente florestal. Está disponível para
as principais espécies de pinus e eucalipto.
Acesse matéria completa e fotos: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/55384885/pesquisa-desenvolve-protocolo-para-produzir-carne-neutralizando-emissoes-de-gases?link=agencia
Mais informações:
Eliana Cezar (MTb 15.410/SP)
Embrapa Gado de Corte
gado-de-corte.imprensa@embrapa.br