Brasília – Após a
primeira reunião de deputados e senadores que compõem a Frente Parlamentar da
Agropecuária (FPA), a avaliação é de que o governo Lula está promovendo um
“desmonte” no Ministério da Agricultura, após a reestruturação da pasta
promovida pelo Palácio do Planalto. A contraofensiva está sendo preparada para
depois do carnaval e deve promover uma ressaca ao governo.
O primeiro sinal de guerra contra o agronegócio foi
o envio da Medida Provisória (MP nº 1.154/2023) ao Congresso Nacional na
primeira semana dos trabalhos, há 45 dias. A MP, na Seção II do texto, que
trata especialmente das mudanças promovidas no Ministério da Agricultura,
desagradara unanimamente senadores e deputados do colegiado.
A repercussão da MP continua muito ruim no
Parlamento e, segundo analistas políticos, o governo abre uma frente de
negociação envolvendo as medidas que esvaziaram as atribuições do Ministério da
Agricultura (Mapa) ou entra em rota de colisão com a bancada mais bem
estruturada em Brasília. E com alto risco de derrota, já que a Frente
Parlamentar da Agropecuária (FPA) chegou turbinada à nova legislatura, com
quase 300 integrantes.
O cenário não é bom para o governo. Somados, todos
os partidos da base lulista chegam a 223 parlamentares. Mesmo que não haja
divergências internas — algo improvável, como mostra o histórico de votações
dos partidos contemplados com ministério no novo governo, especialmente as
legendas do chamado Centrão —, o número ainda seria insuficiente para a
aprovação de PECs (propostas de emenda à Constituição), que demanda 308 votos,
ou mesmo de projetos de lei complementar (257 votos).
Como a MP pode ser prorrogada uma vez, por mais 60
dias, o Planalto ainda conseguirá empurrar o problema para frente. A
controvérsia, contudo, não dá sinais de arrefecimento. Os integrantes da FPA
preparam uma série de Projetos de Decreto Legislativo e vão para o voto.
Para Lucas Fernandes, coordenador de análise
política da consultoria BMJ, essa é uma briga que Lula provavelmente vai dar um
jeito de evitar, ou, pelo menos, atenuar. Principalmente se o Congresso aprovar
emendas que recoloquem na pasta da Agricultura a Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que foram
transferidos pela MP para os ministérios do Desenvolvimento Agrário e Meio
Ambiente, respectivamente.
Nem o veto presidencial a eventuais emendas pode
funcionar. “O presidente não pode vetar um órgão, se ele veta um órgão, ele
deixa de existir, o que não está previsto em lei. Essas MPs são difíceis de
serem modificadas depois que o Congresso dá uma visão”, avalia Fernandes.
Perda da Conab deixou bancada do agro furiosa
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária,
deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), diz não questionar a autonomia do
governo para montar suas estruturas administrativas. Mas reage ao que vê como
desmonte.
“Cabe a cada governo, dentro do seu planejamento,
organizar a Esplanada dos Ministérios da maneira como bem entender e que achar
que é correto. Agora, quando a gente trata da Conab, que é o órgão pensador do
agro brasileiro, que faz os planejamentos, que vê o tamanho da safra, o que
vamos precisar de seguro, quais os números que estamos enfrentando, essa sim
tem que estar muito próxima do ministro da Agricultura e da equipe do
ministério”, diz Lupion. “A secretaria de política agrícola acessa a Conab de
minuto em minuto para pedir informações. Não há lógica nessa divisão”,
criticou.
Uma das intenções declaradas do governo Lula ao
levar a Conab para o Desenvolvimento Agrário é a reativação da política de
estoques públicos reguladores de alimentos — uma ferramenta do passado que não
funciona mais, segundo Ivan Wedekin, economista que foi secretário de Políticas
Agrícolas no primeiro mandato de Lula.
“Essa operação ficou absolutamente desnecessária.
Esses três produtos [arroz, trigo e milho] estão com preços bem acima dos
preços de garantia. Então, esse lado de formação de estoques da Conab caiu em
desuso. Nesse mercado, seja pelos preços internacionais, seja pela melhoria de
logística, a Conab ficou de mãos vazias”, diz.
Agência de inteligência estratégica
O conflito é claro. Para a FPA o que está em jogo é
a tecnicidade do processo que estava em curso; para o governo Lula, a ideologia
fala mais alto sem amparo em qualquer parâmetro técnico.
Em vez da retomada de políticas em desuso e da
mudança de endereço da Conab, a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina
propõe sua modernização, transformando a empresa pública numa agência de
inteligência estratégica. “Isso já está no forno, pronto para sair. E achamos
que o melhor lugar seria de volta no Ministério da Agricultura. Vamos sugerir
isso ao governo”, afirmou.
Da mesma forma, o setor reage contra a migração do
CAR para a pasta de Marina Silva. O cadastro é uma obrigação legal, em que o
produtor declara as condições de uso de sua propriedade, o que é lavoura, o que
é mata ciliar ou reserva legal. Para corrigir inconformidades, recompor ou
compensar áreas de preservação, existe o programa de regularização ambiental. O
processo começa no governo federal e termina nos estados.
“Isso não tem que estar no Meio Ambiente. Não é uma
questão ideológica do setor, é técnica, de conhecermos a produção agrícola
brasileira, onde está e como está sendo feita”, sublinha Lupion.
Revanchismo contra titulações de terra no governo
Bolsonaro
Os integrantes da FPA se reuniram num grande almoço
na semana passada, para o qual foram convidados quatro ex-ministros da
Agricultura, em que o principal item do menu foi uma espécie de desagravo à
pasta.
Não ajudaram a desanuviar o ambiente as recentes
declarações do ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, de que os
quase 400 mil títulos de propriedade rural emitidos no governo Bolsonaro não
valem mais do que papel de pão.
A fala de Teixeira incomodou mais do que a própria
transferência do Incra ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.
“Não é este o objetivo da reforma agrária? Como é
que pode o ministro do Desenvolvimento Agrário dizer que esse título não vale
um papel de pão? É preciso respeito com essas 400 mil famílias, mais de um
milhão de pessoas atingidas diretamente por isso”, reagiu o presidente da FPA.
“Queremos que todo o trabalho que foi feito nos
últimos quatro anos não seja simplesmente tratado como chacota. Precisamos de
um mínimo de garantia, de segurança jurídica para esses produtores, que a
partir do momento que receberam o título passaram a ser proprietários rurais,
com condição de acessar crédito, vender sua área, pegar dinheiro no banco e ter
renda. Eles deixam de ser um movimento social, de ser um assentado da reforma
agrária para ser um proprietário rural. Isso é um ganho para as pessoas”,
enfatiza Lupion.
Disputa com o agro pode pôr à prova maioria
governista
Com ações tão articuladas para descontentar o
agronegócio, Lula provavelmente colocou o bode na sala, sabendo que teria de
negociar. Na avaliação do cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice,
ao anunciar 37 ministérios, Lula “puxou algumas coisas” do Ministério da
Agricultura, para não dar a impressão de que o Desenvolvimento Agrário e o Meio
Ambiente começariam esvaziados.
“O governo tem maioria no papel, mas não é ampla,
geral e irrestrita. Ela vai variar de acordo com o tema que for votado. A
bancada da agricultura pode ter força suficiente para bancar emendas. Se ela se
organizar e fechar questão neste ponto, o governo terá de ceder e devolver
alguma coisa para o Ministério da Agricultura”, avalia Noronha.
Uma saída provável, segundo Fernandes, da BMJ,
seria insistir com o CAR no Meio Ambiente, mas devolver a Conab ao Ministério
da Agricultura.
“Acredito que o Lula entra frágil no Congresso, não
está com uma maioria tão confortável, especialmente na Câmara. Então ele vai
ter que escolher muito bem as batalhas e não vai querer ficar dando murro em
ponta de faca por essa questão. Outros pontos são mais sensíveis e vão acabar
sendo priorizados. O Lula ainda vai ter que aprovar um mecanismo fiscal para
substituir o teto de gastos, então comprar logo de largada essa briga com o
agro não vai ser positivo para a governabilidade”, conclui.
Mudança do Coaf também é questionada
Há outros pontos sensíveis impostos por decreto, no
início do governo, que podem ser revistos por pressão do Congresso. A
transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Banco
Central para o Ministério da Fazenda, por exemplo, é vista por alguns
parlamentares como politização da estrutura de combate à corrupção.
“Qual seria o motivo técnico que levou o novo
governo a transferir o Coaf do Banco Central, autônomo, para o Ministério da Fazenda,
político?”, questionou o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) logo após o
anúncio. Em sua época de ministro, em 2019, Moro conseguiu levar o Coaf para o
Ministério da Justiça por alguns meses, mas a estrutura acabou sendo
transferida por MP de Bolsonaro para o Ministério da Economia e, depois, para o
Banco Central.
Não há previsão ainda de quando o Congresso
começará a analisar as quase 30 medidas provisórias que estão na fila, algumas
ainda do governo Bolsonaro. Cada MP pode vigorar, no máximo, por 120 dias. Em
relação ao desmonte da pasta da Agricultura, a intenção da FPA é levar o debate
às comissões especiais, para expor ao máximo as inconsistências da medida.
Reportagem: Val-André
Mutran – Correspondente do Blog
do Zé Dudu em
Brasília.
Ze Dudu