*Por Malu Nunes e
Marlova Jovchelovitch Noleto
Muitos brasileiros têm
enfrentado condições climáticas extremas em diferentes regiões do país
nas últimas semanas. Enquanto os estados da região Norte sofrem com uma
seca histórica que afeta milhares de pessoas, moradores do Sul buscam
reconstruir suas vidas após inundações que afetaram inúmeras cidades, e
uma onda de calor extremo provocou recordes de temperatura em diversas
cidades do país, enquanto ainda estávamos no final do inverno.
Os eventos climáticos
extremos têm se tornando cada vez mais imprevisíveis e impactantes,
ocorrendo com maior frequência e intensidade. Segundo estudo do Centro
Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e da
UNESCO, o Brasil possui mais de 8,3 milhões de pessoas vivendo em áreas
de risco climático e mais de 2,5 mil escolas sujeitas a riscos
hidrológicos e/ou geológicos.
A mudança do clima
afeta a segurança hídrica e alimentar, com consequências diretas na saúde
e no modo de vida das populações, principalmente aquelas que vivem em
países mais vulneráveis, como o Brasil. O Relatório Síntese do IPCC
(Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) de 2023 aponta que
as populações que vivem nesses países mais sensíveis às mudanças do clima
têm uma probabilidade de morrer 15 vezes maior que em países menos
vulneráveis.
As mudanças climáticas
influenciam ainda diretamente no aquecimento dos oceanos, que perdem a
capacidade de armazenamento de carbono e levam à acidificação da água,
provocando, entre outras coisas, o branqueamento de corais, com enorme
impacto sobre a biodiversidade. Outra consequência provocada pela
elevação da temperatura da água dos mares é a interferência na interação
entre oceano e atmosfera, influindo no ciclo natural e provocando
precipitações muito acima do normal e a ocorrência dos temidos eventos extremos,
como tempestades e ciclones.
Já temos pleno
conhecimento do tamanho da emergência climática. Devemos focar agora nas
lacunas de implementação de providências urgentes, em termos de
financiamento, tecnologia e capacidade de realização das ações na
velocidade necessária. Nosso tempo de ação está ficando cada vez mais
curto, pois a cada aumento no aquecimento da temperatura média global,
torna-se mais difícil de se obter sucesso nas medidas de adaptação e
mitigação. É preciso olhar para os ambientes como estão hoje e como
queremos que estejam nas próximas décadas, do ponto de vista de um
planejamento voltado ao desenvolvimento resiliente ao clima, que é aquele
que conjuga medidas de mitigação e de adaptação.
É fundamental
adotarmos políticas públicas que favoreçam as estratégias de adaptação à
crise climática, focadas principalmente na adequação de áreas urbanas, pois
o Relatório Mundial das Cidades, publicado em 2022 pela ONU-Habitat,
indica que a população mundial será 68% urbana até 2050. Para minimizar
esses efeitos, os municípios devem realizar ações de ajustes, procurando
diminuir, de maneira reativa, os impactos diretos em seus territórios.
Isso torna os planos de adaptação municipais essenciais para direcionar
as políticas públicas e os investimentos. Os efeitos da mudança do clima
precisam ser tratados de forma integrada entre todos os setores, como saneamento,
mobilidade, habitação, etc.
A boa notícia é que
temos acesso a tudo o que é necessário para promover a mudança.
Precisamos agir de forma integrada, com políticas públicas que levem em
consideração a lente climática, e redirecionamento de recursos para o
desenvolvimento resiliente ao clima. De acordo com um levantamento
realizado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), os danos
provocados por eventos naturais no Brasil entre janeiro de 2013 a
fevereiro de 2023 causaram, em todo o território nacional, um prejuízo de
R$ 401,3 bilhões. Em contrapartida, o montante destinado pela União para
iniciativas de gerenciamento de riscos de desastres durante o mesmo
intervalo, ou seja, de 2013 a 2023, foi de apenas R$ 4,9 bilhões. Isso
representa uma parcela de meros 1,2% dos danos acumulados ao longo de uma
década. Já estamos pagando essa conta, que fica mais cara a cada ano que
passa sem a implementação das medidas de adaptação
necessárias.
As Soluções Baseadas
na Natureza (SBN), em suas diversas tipologias, que incluem a restauração
de zonas úmidas e a conservação das florestas, são reconhecidas pelo seu
potencial para enfrentar as múltiplas ameaças impostas pelas mudanças
climáticas. Quando utilizadas como substitutos ou complementos à
infraestrutura cinza, podem muitas vezes ser uma solução acessível que
proporciona benefícios adicionais, como o suporte à biodiversidade, meios
de subsistência e desenvolvimento resiliente ao clima, a um custo muitas
vezes mais acessível do que ações de engenharia convencional. Com o
investimento em SBN, os países podem se tornar menos vulneráveis e
criar comunidades prósperas que podem transformar o seu capital natural
em empregos melhores, com ganhos de bem-estar e um mundo mais adaptado.
A natureza deve estar,
necessariamente, no centro das soluções do poder público, com a criação,
por exemplo, de unidades de conservação marinho-costeiras que permitam a
restauração e a preservação de ambientes, como manguezais, recifes de
corais, dunas e restingas. É essencial ainda que as cidades costeiras
possam contar com os ecossistemas naturais entre as suas estratégias de
adaptação e mitigação. A preservação do entorno dos mananciais também
merece atenção, pois garante água de melhor qualidade, com um custo de
tratamento reduzido, além de proteger os habitats formando corredores
ecológicos que ligam as unidades de conservação já existentes no
território.
Essas são algumas das
alternativas que estão ao nosso alcance para enfrentar desafios
urgentes do nosso tempo, como secas, enchentes e deslizamentos. Não há
mais dúvidas de que a gestão responsável dos recursos naturais é condição
essencial para o bem-estar humano e o desenvolvimento econômico. Sem um
genuíno esforço para a conservação da natureza, não haverá futuro
próspero.
*Malu Nunes é diretora
executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da
Rede de Especialistas em Conservação da Natureza; Marlova Jovchelovitch
Noleto é diretora e representante da UNESCO no Brasil.
|