Brasília, 28/10/2020 — O funcionalismo
brasileiro perdeu 100 mil servidores no período em que a população cresceu
cerca de 30%. Nas últimas três décadas, a quantidade de funcionários públicos
caiu de 710 mil para 610 mil. Ao mesmo tempo, a sociedade aumentou de 164
milhões para 211 milhões de pessoas. Proporcionalmente, isso significa que,
30 anos atrás, cada servidor atendia a 230 brasileiros. Atualmente, cada
trabalhador é responsável por 345 pessoas: um aumento de 50% nesta proporção.
Os dados são da Confederação
Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) que,
juntamente com a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa
Econômica Federal (Fenae), o Departamento Intersindical de Estatísticas
e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e o Fórum Nacional das Carreiras
Típicas de Estado (Fonacate), contestaram números divulgados pela Confederação
Nacional da Indústria (CNI) sobre os custos com o funcionalismo público. De
acordo com as entidades sindicais, a CNI — ao usar informações equivocadas
para dizer que o Brasil é o sétimo país entre os 70 que mais gastam com
servidores — tentou criar uma falsa narrativa para fortalecer a proposta de
reforma administrativa do governo Bolsonaro, em tramitação no Congresso
Nacional por meio da Proposta de Emenda à Constituição 32/2020.
“Uma PEC que tem o objetivo claro
de acabar com os direitos e a estabilidade dos servidores, reduzir a atuação
do Estado para facilitar as privatizações, aumentar os poderes do presidente
da República e beneficiar os ‘amigos do rei’”, avalia o presidente da Fenae,
Sérgio Takemoto.
Sobre o documento divulgado pela
CNI, nesta terça-feira (27), o secretário-geral da Condsef, Sérgio Ronaldo da
Silva, afirma que a entidade industrial mostrou total desconhecimento sobre o
funcionalismo brasileiro. “O próprio governo federal já reconheceu que o país
está abaixo no percentual total de empregados do setor público”, aponta.
Segundo nota publicada pela
Condsef, enquanto a média de servidores dos países da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 21,1%, no Brasil a média é
de 12,5% da população empregada pelo Estado.
De acordo com Sérgio Silva, o
governo federal gasta atualmente 34% do orçamento líquido da União com
servidores. Ele observa que a Lei de Responsabilidade Fiscal permite que esse
gasto seja de até 50%.
“ERRO GROSSEIRO” — Já o estudo
elaborado pelo Dieese para contestar a divulgação feita pela CNI diz que a
média salarial divulgada pela confederação está errada e que, tirando
exceções que se concentram principalmente em carreiras como a de magistrados
e parlamentares, 93% do funcionalismo brasileiro está no Executivo e têm
média salarial de R$ 4,2 mil.
Conforme o Dieese, a estatística
citada no estudo da CNI — da base de dados do Fundo Monetário Internacional
(FMI) — se limita a servidores públicos em atividade, não incluindo
aposentados. O departamento acrescenta ainda que, além desse erro
“grosseiro”, a CNI “desconsidera que os dados do FMI não são bem
padronizados, distorcendo a comparação entre países”.
O Dieese também ressaltou que
enquanto no Brasil as chamadas despesas intra-orçamentárias (contribuição do
governo aos regimes próprios de previdência) e a imputação contábil do
déficit previdenciário inflam os gastos com pessoal apresentados ao FMI, na
maior parte dos países da OCDE isso não acontece. “Sem as imputações, o gasto
com servidores ativos no Brasil está no mesmo patamar que a média da OCDE”,
informa o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos.
No entendimento do presidente do
Fonacate, Rudinei Marques, a CNI deveria “se preocupar com a retomada do
dinamismo industrial” no país. “Atacar o serviço público não vai melhorar a
situação da indústria brasileira”, avalia.
REFORMA — Enviada ao Congresso no
último dia 3 de setembro, a PEC 32/2020 poupa parlamentares, juízes,
desembargadores, ministros de tribunais superiores, promotores e procuradores
— categorias com maior remuneração e benefícios no serviço público. “Ou
seja, os privilégios da elite do funcionalismo público não serão
prejudicados”, reforça o presidente da Fenae.
Ao contrário do que afirma o
governo, a reforma administrativa afetará também os atuais servidores
públicos e os empregados das estatais. Exemplo disso é a demissão por mau
desempenho, que já é estabelecida pela Constituição, mas ainda sem
regulamentação por lei complementar. Conforme explica Sérgio Takemoto, uma
lei ordinária passará a reger os critérios e procedimentos para demissão por
desempenho insuficiente.
Em relação aos empregados de
estatais, os acordos coletivos e convenções com objetivo de dar estabilidade
ou evitar demissões infundadas não terão efeito. “A PEC também fixa várias
proibições sobre direitos e vantagens, que serão aplicados a empregados e
servidores, atuais e futuros; exceto se, para os atuais, esses direitos já
estiverem previstos em lei. É neste sentido que a proposta de reforma afeta
diretamente os empregados da Caixa Econômica Federal”, acrescenta Takemoto.
Segundo o presidente da Fenae, a
proposta de reforma administrativa do governo não objetiva mais eficiência,
aperfeiçoamento do modelo de Estado ou melhoria da qualidade dos serviços
públicos. “Ela está, na verdade, concentrada na perseguição dos
servidores públicos, destruindo direitos e acabando com a proteção
constitucional que evita apadrinhamento político e perseguições
ideológicas”, analisa Sérgio Takemoto.
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