Brasília – Com a
aprovação em sessão virtual no Senado na terça-feira (8), o texto da medida
provisória que cria o programa de financiamento habitacional “Casa Verde e
Amarela” (MP
996/2020), substituto do Minha Casa Minha Vida, o governo
federal promete corrigir os erros de concepção do programa anterior que será
extinto.
O novo programa inclui regularização fundiária e
crédito para reformas. Como foi aprovado com alterações, na forma de um projeto
de lei de conversão (PLV 41/2020), o texto ainda depende da sanção
presidencial.
Lançado em 2009 pelo governo do PT, estudo do
Instituto Escolhas, ligado ao Insper, apresentado no seminário Moradia e
Expansão das Metrópoles Brasileiras, dez anos depois de lançado o projeto Minha
Casa Minha Vida, embora diga que houve registro de recordes históricos de
construção de habitações populares no país, entretanto repetiu erros de
concepção que aumentam custos e problemas urbanos.
De acordo com o estudo, um dos maiores senões é a
localização dos empreendimentos em áreas distantes dos centros urbanos, onde há
menos oferta de emprego e de serviços públicos e índices mais baixos de
desenvolvimento humano.
Além dos custos diretos exigidos para a implantação
de uma infraestrutura básica nesses locais, o relatório elenca outros ônus para
os cofres públicos ou para os beneficiários, como o tempo (e o desgaste) de
deslocamento para destinos diários, a poluição decorrente da demanda por
transportes, a má qualidade da oferta dos serviços de saúde, educação e
segurança.
Criado em 2009, o MCMV era parte do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), conjunto de medidas do governo federal para
incentivar a geração de empregos e evitar os efeitos recessivos da crise
mundial iniciada nos EUA, em 2008.
Até 2016 (data usada no estudo), o país investiu
cerca de US$ 100 bilhões (R$ 3,76 bilhões), que resultaram em 4,4 milhões de
unidades habitacionais e beneficiaram perto de 20 milhões de pessoas. O número
obtido em sete anos corresponde a toda a produção de moradia popular no país
durante a ditadura (de 1964 a 1986).
Para entender o impacto do MCMV nas grandes cidades
brasileiras, o estudo identificou a localização dos conjuntos em relação às
áreas já ocupadas das regiões metropolitanas. Os empreendimentos foram
classificados em três categorias, conforme termos técnicos em inglês: aqueles
que ficam dentro de uma área urbana com todos os serviços públicos existentes
(“infill”); os localizados nas margens das cidades, pouco ocupadas mas já
urbanizadas (“extension”); construções feitas fora do tecido urbano, em áreas
não ocupadas, sem infraestrutura (“leapfrog”, salto de sapo).
Os resultados sugerem que o MCMV tem contribuído
para provocar saltos urbanos (“leapfrog”), a ocupação de espaços além da margem
da mancha urbana, locais em geral carentes de provisão de serviços e de
infraestrutura, afirmam os autores.
“Na melhor das hipóteses, o programa manteve as
famílias de classe baixa na mesma localização relativa que tinham
anteriormente”, diz o estudo, realizado por uma equipe de pesquisadores
liderada por Ciro Biderman, professor da Fundação Getulio Vargas que foi chefe
de gabinete da SPTrans e diretor de Inovação da Prefeitura de São Paulo na
gestão de Fernando Haddad (2013-2016).
Para os autores, é provável que a maior parte dos
beneficiários tenha piorado sua localização nas metrópoles e o acesso à
infraestrutura. O impacto sobre a geração de emprego foi marginal e limitado ao
período de construção.
Quebradeira
Além dos dados do estudo, o governo petista promoveu
uma “quebradeira” generalizada ao “dar cano” em pequenas e médias construtoras
que acreditaram no programa, lançaram mão de capital próprio e se
descapitalizaram após a Caixa Econômica não honrar com parte dos pagamentos à
muitas dessas empresas que acabaram falindo e abandonando as obras.
Clientes
Serão alcançadas pelo programa “Casa Verde e
Amarelo” as famílias com renda mensal de até R$ 7 mil, em áreas urbanas, e
renda anual de até R$ 84 mil, em áreas rurais. O texto foi aprovado pelos
senadores como veio da Câmara dos Deputados, onde o relator foi o deputado
Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL). O relator no Senado, senador Marcio Bittar
(MDB-AC), não incorporou mais emendas para evitar o retorno da medida à Câmara,
o que criaria o risco de ela perder a validade — a MP 996 vence no início de
fevereiro e o Congresso Nacional deverá entrar em recesso na próxima semana.
Financiamento
O novo programa habitacional separa o público-alvo
em três faixas de renda familiar: até R$ 2 mil mensais, de R$ 2 mil a R$ 4 mil,
e de R$ 4 mil a R$ 7 mil. Somente aqueles com renda até R$ 4 mil em área urbana
ou com renda anual de até R$ 48 mil em área rural poderão contar com subvenção
da União para adequar as parcelas ao orçamento familiar. Os valores recebidos
temporariamente — como o auxílio emergencial — não entrarão no cálculo da renda
da família.
As taxas de juros serão diferentes para as regiões
do país: no Norte e no Nordeste elas ficarão entre 4,25% e 4,5% ao ano, a
depender da faixa de renda familiar, enquanto no restante do país serão de 5%.
Esses números já haviam sido estabelecidos pelo Ministério do Desenvolvimento
Regional em uma instrução normativa do mês de outubro.
Um regulamento do Poder Executivo ainda vai definir
os critérios de seleção dos beneficiários, as regras de preferência aplicáveis
a famílias em situação de risco ou vulnerabilidade, que tenham a mulher como
responsável pela unidade familiar ou de que façam parte pessoas com deficiência
ou idosos. O regulamento também vai incluir critérios para selecionar entidades
privadas sem fins lucrativos, micro e pequenas empresas locais e
microempreendedores individuais (MEI) de construção para atuarem no programa.
Reaproveitamento
Os contratos referentes ao Minha Casa Minha Vida,
criado em 2009, continuarão regidos pelas suas regras originais, mesmo que
assinados depois da edição da MP 996, em 26 de agosto. O Casa Verde e Amarela
permite a transferência de imóveis construídos pelo Minha Casa Minha Vida e
retomados por falta de pagamento. Essas unidades habitacionais serão destinadas
à compra por outro beneficiário a ser indicado “conforme as políticas
habitacionais e normas vigentes”.
Outra hipótese é a doação aos estados e municípios,
se eles pagarem a dívida para que a família devedora permaneça no imóvel ou para
serem destinados a outros programas de interesse social. Já as moradias sem
condições de serem habitadas poderão ser vendidas conforme definir o
regulamento. A prioridade será para uso em programas habitacionais e para
pessoas que cumpram os requisitos do programa habitacional.
As unidades habitacionais produzidas no âmbito do
programa poderão ser vendidas aos beneficiários, com financiamento subsidiado
ou não, ou mesmo cedidas, doadas ou alugadas, conforme regulamento. Essa
subvenção poderá ser acumulada com os descontos concedidos nas operações com
recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e com outras
concedidas por programas habitacionais estaduais, distrital ou municipais.
Na regularização fundiária, as subvenções com
dinheiro do Orçamento federal poderão beneficiar somente famílias de baixa
renda em núcleos informais urbanos assim declarados pela prefeitura da
localidade.
Contrapartidas
Quando a União destinar um terreno a entes privados
no âmbito do programa, as contrapartidas serão definidas pelo Ministério do
Desenvolvimento Regional (MDR) e poderão ser, por exemplo, infraestrutura
urbana para atender a área do imóvel e suas imediações, prestação de serviços
relacionados aos imóveis que deverão ser construídos no local ou transferência
direta das unidades aos beneficiários.
Após cumprir as contrapartidas, o empreendedor terá
liberdade para explorar economicamente a parte do imóvel não vinculada a elas.
Assim, um terreno grande poderá ser dividido para que uma parte seja destinada
à construção de moradias para o programa e outra parte fique com a empresa, que
poderá vender outras unidades produzidas.
O valor das contrapartidas deverá ser igual, no
mínimo, ao valor do terreno avaliado antes de o município alterar o ordenamento
jurídico para viabilizar seu uso para essa finalidade. Esse seria o caso de
mudança de destinação de um setor da cidade de industrial para residencial, por
exemplo.
Durante o tempo estipulado para se realizar as
contrapartidas, o empreendedor deverá prestar garantia de até 30% do valor do
terreno. A verificação do cumprimento das obras poderá ser feita inclusive por
órgãos estaduais ou municipais por delegação.
Nova chance para empresas
O projeto de conversão concede uma segunda chance
para as empresas que não entregaram moradias contratadas no programa Minha Casa
Minha Vida terminarem o empreendimento sem cobrança da dívida gerada por
estourarem os prazos de entrega.
Essas empresas terão mais um máximo de 30 meses
para concluir as obras sem aumento de custos para a União, podendo contar com
ajuda financeira do estado ou do município em conjunto com algum agente
financeiro, como banco ou financiadora imobiliária.
Entretanto, ao manifestar o interesse pela
conclusão das obras, o texto permite a declaração de quais unidades
habitacionais têm “viabilidade de execução para conclusão e entrega”, abrindo a
possibilidade de se entregar menos imóveis que o financiamento original previa.
Parcelas pendentes de liberação retidas por
descumprimento do contrato original dependerão da conclusão das obras, sem
adiantamentos.
Saneamento e urbanização
O Casa Verde e Amarela usará recursos orçamentários
da União, do FGTS e de outros três fundos criados para financiar programas
habitacionais de governos passados: de arrendamento residencial (FAR), de
desenvolvimento social (FDS) e de habitação de interesse social (FNHIS).
Respeitados os regulamentos de cada fundo, o Casa
Verde e Amarela poderá financiar ainda estudos e projetos urbanísticos,
habitacionais e paisagísticos; obras de saneamento e infraestrutura, se
associadas às habitações construídas pelo programa; assistência técnica para
melhoria de moradias; compra de bens para apoiar agentes públicos e privados
envolvidos na implementação do programa; produção de unidades de uso comercial,
se associadas às habitacionais; e seguro.
Os projetos e as obras deverão dar preferência ao
uso de materiais de construção oriundos de reciclagem, como tijolos feitos com
rejeitos de mineração, e prever condições de acessibilidade para pessoas com
deficiência ou idosos.
Estados e municípios
Em obras produzidas com recursos do FAR ou do FDS,
governos estaduais e municipais que aderirem ao programa deverão arcar com os
custos de infraestrutura básica como pavimentação de ruas, escoamento das águas
pluviais e redes de água, esgoto e energia.
Estados, municípios e Distrito Federal poderão
também entrar com o terreno e obras para complementar o empreendimento ou mesmo
assumir o valor da operação. Serão aceitos incentivos e benefícios de natureza
financeira, tributária ou creditícia, como redução de tributos para diminuir o
custo final.
Outra condição para a participação dos entes da
federação no programa é a aprovação e publicação de lei de isenção do tributo
de transferência do imóvel (ITBI) nesses casos. O tributo é normalmente pago
pelo comprador.
Para as contratações realizadas até 31 de dezembro
de 2021, a lei deve produzir efeitos antes da entrega das unidades
habitacionais às famílias beneficiadas.
Proibições
De acordo com a MP, não poderão receber ajuda para
a compra do imóvel no âmbito do programa quem já tenha contrato de
financiamento com recursos do FGTS ou em condições equivalentes do Sistema
Financeiro de Habitação (SFH), quem já tenha imóvel regular com infraestrutura
urbana e padrão mínimo de edificação, ou quem tenha recebido benefícios
similares nos últimos dez anos com recursos dos fundos participantes.
Essa proibição não se aplica, entretanto, ao
atendimento de famílias com obras e serviços de melhoria habitacional, nem de
famílias envolvidas em situações de reassentamento, remanejamento ou
substituição de moradias (encostas, por exemplo), ou desabrigadas que tenham
perdido seu único imóvel em razão de situação de emergência ou estado de
calamidade pública reconhecidos pela União.
Podem participar ainda as pessoas que tenham
propriedade de imóvel residencial em fração de até 40%, ainda que seja por
herança ou doação.
Mulher
Pelo texto aprovado, em família com casais de sexos
diferentes, tanto o contrato quanto o registro do imóvel serão feitos,
preferencialmente, em nome da mulher. Se ela for chefe de família, não
precisará da concordância do marido ou companheiro. Prejuízos sofridos em razão
da regra deverão ser resolvidos em causas de perdas e danos.
No caso de divórcio, a propriedade do imóvel
comprado ou regularizado pelo programa durante o casamento ou união estável
ficará com a mulher, independentemente do regime de bens (comunhão parcial ou
total ou separação total de bens).
A exceção é para operações financiadas com recursos
do FGTS e quando a guarda dos filhos for exclusiva do homem. Nesta última
situação, o imóvel será registrado em seu nome ou transferido a ele.
Retomada
Tanto no programa habitacional Minha Casa, Minha
Vida quanto no Casa Verde e Amarela, a MP inclui dispositivo para permitir o
emprego de “atos de defesa”, inclusive com ajuda da polícia, para garantir a
posse de imóveis ainda não vendidos aos beneficiários finais, mas ocupados por
outros moradores. O uso da polícia pode ser previsto em instrumentos firmados
entre a União e estados ou municípios.
O projeto de conversão estende para o novo programa
o regime especial de tributação instituído pela Lei 12.024, de 2009, que
permite à empresa construtora quitar quatro tributos federais com uma alíquota
única de 4% da receita mensal. São contemplados o Imposto de Renda, a
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Cofins e o PIS.
Cartório
As famílias de baixa renda beneficiadas com as
unidades construídas contarão com isenção no pagamento de taxas de escritura e
registro dos imóveis, como previsto na Lei 11.977, de 2009, que criou o Minha
Casa, Minha Vida.
O projeto do Casa Verde Amarela prevê que os fundos
estaduais usados para compensar os cartórios pelo serviço gratuito poderão
receber recursos de fundos federais de habitação sem necessidade de acordo,
contrato ou qualquer outro instrumento.
Para isso, conselhos estaduais de habitação terão a
responsabilidade de fiscalizar a aplicação desses recursos; os estados devem
contribuir com o fundo e encaminhar prestação de contas ao controle interno do
Poder Executivo federal e ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Já o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis
(SREI), criado pela Lei 13.465, de 2017, será financiado por um fundo criado
pelo texto aprovado da MP. Esse sistema de registro pretende conectar todos os
cartórios de imóveis do país, facilitando o acesso a consultas e serviços
on-line.
O fundo contará com recursos de todos os cartórios
de imóveis por meio de contribuições a serem definidas pelo operador nacional do
SREI.
Consulta pública
Para elaborar o Plano Nacional de Habitação de
Interesse Social, o Ministério do Desenvolvimento Regional foi dispensado pela
MP de ouvir o Conselho das Cidades, bastando consulta pública. Decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF) do ano passado impediu a extinção do conselho
por decreto de Jair Bolsonaro.
Loteamentos
O projeto de conversão incluiu na Lei dos
Loteamentos Urbanos (Lei 6.766, de 1979),
novos agentes que podem ser considerados empreendedores responsáveis por
parcelamentos do solo, como o próprio proprietário do imóvel a ser parcelado, a
administração pública que fizer desapropriação, cooperativa ou associação de
moradores ou empresa contratada para executar o parcelamento.
O texto aprovado também altera a lei para permitir
a prorrogação, por igual período, do prazo de quatro anos que o loteador tem
para realizar obras básicas na área do loteamento, como as ruas, a demarcação
dos lotes, quadras e obras de escoamento das águas pluviais.
Val-André Mutran –
É correspondente do Blog do Zé Dudu em
Brasília