Propostas do Brasil à COP-26 são debatidas na Comissão de Relações Exteriores (Foto: )
Brasília – A Comissão de
Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, promoveu
audiência virtual na segunda-feira (21), para debater as propostas que o País
levará à próxima Conferência do Clima.
Representantes de entidades e ONGs ambientalistas e empresariais cobraram
rapidez do Brasil em ações efetivas para viabilizar as metas anunciadas para a
redução das emissões de gases do efeito estufa.
Várias entidades apresentaram a preocupação com o que consideram “descontrole
do governo” em relação aos índices recordes de desmatamento na Amazônia
registados nos últimos cinco anos.
A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as
Mudanças Climáticas (COP-26), principal cúpula da ONU para debate sobre
questões climáticas, será realizada entre os dias 1 e 12 de novembro deste ano,
em Glasgow, na Escócia.
O Itamaraty também participou do debate e mostrou algumas discussões em curso
quanto à logística e ao conteúdo da conferência e disse que o País se prepara
para a Conferência do Clima por meio de fóruns com outros países em
desenvolvimento.
Os principais temas da COP-26 serão a
regulamentação do mercado de carbono e os marcos temporais comuns para as NDCs,
sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada,
ou seja, o compromisso voluntário de cada nação nas metas de redução dos gases
de efeito estufa. Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido)
anunciou que o Brasil vai reduzir o desmatamento ilegal até 2030 e antecipar de
2060 para 2050 a meta de neutralidade climática.
Sistema de monitoramento por satélite acusam
reacorde de desmatamento na Amazônia Legal e ema outos biomas
No entanto, a especialista em políticas públicas do
Observatório do Clima Suely Araújo afirmou que ainda não viu ações concretas do
governo federal. “Isso não está acontecendo na prática, em termos de
coordenação. Ou, pelo menos, os debates não estão ocorrendo de forma
transparente para que possamos acompanhar como o governo pretende detalhar
setorialmente tudo o que tem de ser feito para a redução das emissões”,
declarou. “Em primeiro lugar, tem de corrigir a questão da ‘pedalada climática’
e, além disso, ser mais ambicioso e mostrar como vai fazer tudo isso”.
A chamada “pedalada climática” é um ajuste feito
pelo Executivo na NDC brasileira que, segundo Suely Araújo, diminui em 400
milhões de toneladas de carbono/equivalente a meta de redução das emissões de
gases do efeito estufa.
Essa meta menos ambiciosa é alvo de uma ação
popular na Justiça de São Paulo movida pelo movimento Fridays for Future Brasil, inspirado nas ações
da ambientalista sueca Greta Thunberg.
Integrante do movimento, Marcelo Rocha disse que a
falta de transparência do governo federal impede a inclusão de temas
socioambientais na pauta brasileira da COP-26. “O Brasil é um país que já vive
uma desigualdade extrema. Quem sofre mais com as mudanças climáticas são os
povos originários, os negros e os das periferias, que hoje não têm acesso a
direitos básicos”, criticou.
Agenda
global
O Instituto
Talanoa focado em políticas públicas internacionais,
também alertou quanto aos riscos de o aquecimento do planeta em 2°C quase
dobrar a tendência de inundações, aumentar os períodos de seca em até quatro
meses e expor parte da população mundial a calor letal por mais de 20 dias
anualmente.
Natalie Unterstell, do Talanoa, também destacou que
o Acordo de Paris tem sido
fundamental para ajudar a conter esses riscos por meio do incentivo às energias
renováveis e às ações sustentáveis na economia, como a neutralidade de carbono
(Net Zero) e a economia verde. Há expectativa de que, na COP-26, chegue-se a um
acordo para financiamento de 100 bilhões dólares por ano como piso para tais
ações após 2025.
Economia
de baixo carbono
Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para
o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina Grossi manifestou o apoio dos
empresários ao tema. “Essa é a agenda que une diversos setores e diversos
países. O mundo inteiro está indo para uma economia de baixo carbono. Não
existe desenvolvimento possível fora dessa agenda de descarbonização”,
argumentou.
Integrante da Rede LaClima,
Caroline Prolo acredita que o Brasil poderá se beneficiar a partir das novas
regras da COP-26 para alavancar o mercado de carbono por meio de instrumentos
de certificação de crédito e de transferência dos resultados da mitigação
climática. Isso vai permitir, por exemplo, que os países troquem excedentes de
NDC e sejam remunerados pela descarbonização produzida.
“Agricultura de baixo carbono, gestão de resíduos,
reflorestamento, conservação florestal e energias renováveis são apenas algumas
das atividades que todos sabemos que o País tem condições de promover em grande
escala para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e gerar ativos que
podem ser financiados no âmbito do Acordo de Paris”, apontou Caroline.
Ambientalistas e empresários ainda lembraram que as
principais lideranças globais e o G7, grupo que reúne as maiores economias do
mundo, apostam nessa agenda.
Amazônia
O desmatamento pode estar levando a Floresta
Amazônica para uma situação na qual a floresta não consegue mais se regenerar
diante das agressões provocadas pelo homem. Se o ritmo atual de devastação for
mantido (ou aumentar), este “ponto de não retorno” pode chegar já em algum
momento entre 15 a 30 anos. O alerta é de um dos principais estudiosos do tema
no país, o climatologista Carlos Nobre.
Nobre baseia seus cálculos após o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgar a
taxa consolidada de desmatamento para os nove estados da Amazônia Legal
Brasileira (ALB). A taxa foi calculada utilizando o resultado da análise das
229 imagens que recobrem toda a ALB. O valor consolidado da área desmatada por
corte raso entre o período de 1 de agosto de 2019 e 31 de julho de 2020 foi de
10.851 km². Este valor representou um aumento de 7,13% em relação a taxa de
desmatamento apurada pelo Programa
de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia Prodes em
2019 que foi de 10,129 km² para os nove estados da ALB.
Segundo o sistema Prodes, do Inpe, o país perdeu
9.762 km² de floresta neste período — ante 7.536 km² desmatados na medição
anterior. A taxa divulgada em 21 de maio é a maior desde 2008, quando quase 13
mil km² de floresta foram destruídos. Os dados do Prodes levam em conta o
período de agosto a julho por conta do ciclo de chuvas da região. Segundo
Carlos Nobre, há evidências de que o “ponto de não retorno” está prestes a ser
atingido em alguns locais da Floresta Amazônica, especialmente nas regiões sul
e leste da floresta — a estação seca do ano está ficando mais longa nesses
locais, e a temperatura está subindo.
“Nossos cálculos indicam que se o desmatamento
continuar nesta taxa — em toda a Amazônia, não estou falando apenas da
(floresta) brasileira — ou se subir, temos de 15 a 30 anos no máximo antes
disso, antes de ultrapassarmos irreversivelmente este ponto”, alertou.
Os dados sobre o desmatamento na Amazônia
tornaram-se fonte permanente de desgaste para o governo, quando medições
preliminares de outro sistema do Inpe, o Deter, apontaram para um crescimento
do desmatamento ainda em 2020.
Agora, diz Carlos Nobre, as informações do Prodes
(que tem nível de confiança superior a 95%) confirmam as suspeitas levantadas
pelo Deter sobre o aumento no desmatamento. “Era muito correto afirmar que
haveria um aumento muito significativo do desmatamento, e o Prodes confirmou.
Não há dúvida disso”, disse.
Os dados divulgados não dizem respeito somente à
gestão de Jair Bolsonaro, iniciada em janeiro de 2019. Mesmo assim, o ministro
do Meio Ambiente, Ricardo Salles, admitiu em entrevista a jornalistas que será
preciso “adotar uma estratégia diferente”, articulada com os governos
estaduais, para combater o aumento no desmatamento.
Carlos Nobre é doutor em meteorologia pelo Instituto
de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), e já presidiu o
Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, além de ter integrado o Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC.
O
quê o Governo diz sobre a COP-26?
O chefe da divisão de meio ambiente do Ministério
das Relações Exteriores, André Maciel, informou que o Brasil se prepara a
COP-26 por meio de fóruns com outros países em desenvolvimento (sobretudo
G77+China e A-B-U, com Argentina, Brasil e Uruguai) e busca diálogo.
“Esses temas foram resultado de inúmeras reuniões,
nos últimos meses, que culminaram com os órgãos subsidiários produzindo
documentos que, de alguma forma, são balizadores para a retomada das reuniões
presenciais”, afirmou. “Como grande economia que é o Brasil, sabemos que não
podemos nos furtar de trabalhar em conjunto com os demais países por um clima
estável. E isso só será possível com muito diálogo.”
Maciel também relatou as dúvidas que ainda pairam
sobre a realização presencial ou virtual da Conferência do Clima, diante dos
diferentes níveis de imunização contra a Covid-19 no mundo.
Frente
parlamentar
Já o coordenador da Frente Parlamentar
Ambientalista, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), reclamou da ausência de uma
proposta mais concreta por parte do Itamaraty quanto ao conteúdo da COP-26.
Rodrigo Agostinho disse: “Os desmatamentos
continuam batendo recordes, as políticas ambientais continuam sendo deixadas de
lado e o instituto que realiza as principais pesquisas na área de mudanças
climáticas no Brasil — que é o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
— está desativando setores inteiros por falta de recursos”, sustentou. “Nós não
vemos os principais atores do governo brasileiro dialogando com a sociedade, os
povos tradicionais, as organizações não governamentais e a academia do ponto de
vista de uma proposta brasileira para a COP”.
O deputado pretende apresentar uma proposta para
incluir a segurança climática na Constituição Federal. Ele também defendeu a
aprovação do projeto de lei (PL 528/2021) do
deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que regulamenta o mercado de carbono no Brasil.
Expectativas
com a realização da COP-26
Com a pandemia do novo coronavírus e suas
consequências financeiras, a recuperação econômica global é fundamental. No
entanto, as nações devem priorizar o desenvolvimento sustentável, minimizando
os impactos climáticos e ambientais.
Assim, antes de sua realização, todas as nações
integrantes do pacto devem apresentar o estágio de cumprimento das metas
estabelecidas no Acordo de Paris e revisar os próximos passos da transição
energética.
Em fevereiro deste ano, o secretário-geral da ONU,
António Guterres, afirmou que a COP-26 é “um marco crítico nos esforços para
evitar uma catástrofe climática”. Nela, todos os países devem apresentar
contribuições mais ambiciosas, com metas claras até 2030.
Reportagem: Val-André
Mutran – Correspondente do Blog do Zé
Dudu em Brasília.
Fonte Ze Dudu