Reservatórios do sudeste foram castigados pela estiagem prolongada (Foto: )
Brasília – A crise
hídrica que ronda o país passou a ser tratada como fator gerador de problemas
pelo governo, que, ao revisar as previsões anteriores, decidiu editar, nesta
segunda-feira (28), a medida provisória (MP) 1.055/2021, que dá poderes
excepcionais e temporários ao ministro de Minas e Energia (MME), Bento
Albuquerque – como a otimização do uso dos recursos hidroenergéticos para
conter prováveis apagões energéticos em plena pandemia da Covid-19.
Em pronunciamento ao país nesta noite, o ministro
informou que os reservatórios da região sudeste estão com 30,2% da capacidade.
“Foi a pior afluência dos últimos 91 anos, o que nos levou a adotar novas
medidas,” alertou, em rede nacional.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia, de
setembro a maio, a afluência, correspondente à vazão de água que chega às
hidrelétricas, registrou o pior índice do histórico desde 1931 para o Sistema
Interligado Nacional (SIN). Além disso, não há perspectiva de volumes
significativos de chuvas para os próximos meses, comportamento já
característico da estação seca.
O governo nega preparar medidas para racionamento
de energia elétrica, mesmo estando ciente que a crise hídrica deve permanecer
até 2022.
O Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) emitiu em
maio de 2021 alerta de emergência hídrica para a região hidrográfica da Bacia
do Paraná, que responde por mais de 50% da capacidade de armazenamento de água
para geração hidrelétrica no SIN e abrange os estados de Minas Gerais, Goiás,
Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná.
Durante o pronunciamento, Bento Albuquerque
destacou a diminuição da dependência das usinas hidrelétricas de 85% para 61%,
com a expansão das usinas de fontes limpas e renováveis, como eólica, solar e
biomassa, além de termelétricas a gás natural e nucleares.
“Em parceria com a indústria, estamos finalizando o
desenho de um programa voluntário que incentiva as empresas a deslocarem o
consumo dos horários de maior demanda de energia para os horários de menor
demanda, sem afetar a sua produção e o crescimento econômico do país,” declarou
o ministro.
Semana passada, alguns setores da economia
sugeriram à pasta que adote novamente o Horário de Verão, o que está em análise
pelos técnicos do MME.
Albuquerque reforçou que algumas medidas são
essenciais para aumentar a segurança energética e que, “é fundamental que, além
dos setores do comércio, de serviços e da indústria, a sociedade brasileira,
todo cidadão-consumidor, participe desse esforço, evitando desperdícios no
consumo de energia elétrica. Com isso, conseguiremos minimizar os impactos no
dia-a-dia da população,” declarou.
O ministro encerrou dizendo que o pronunciamento
foi para tranquilizar a população e que, “juntos, superaremos esse período
desafiador e transitório”. Ele ainda chamou a sociedade a seguir as redes sociais
do MME e compartilhar as orientações sobre a melhor maneira de poupar água e
energia elétrica no dia a dia.
O que prevê o texto da Medida Provisória
A MP foi publicada em edição extra no Diário
Oficial da União (DOU) que circula nesta segunda-feira (28).
Após a repercussão negativa, o governo decidiu
retirar o termo “racionalização compulsória” do texto. O trecho abria a
possibilidade de o governo implementar um racionamento de energia. Não há mais
nenhuma menção a um programa de racionamento (corte compulsório no consumo de
energia) ou à racionalização (incentivo à economia de energia).
Pela MP, todos os custos dessas decisões,
financeiros e ambientais, serão pagos por meio de um encargo embutido na conta
de luz – o Encargos de Serviço do Sistema (ESS), que é pago por todos os
consumidores, sejam os cativos atendidos por distribuidoras, ou os livres
(grandes consumidores, como indústrias).
O governo trocou também o nome e a composição do
grupo que poderá determinar mudanças nas vazões de reservatórios e
hidrelétricas. Agora, as ações serão da Câmara de Regras Excepcionais para
Gestão Hidroenergética (CREG) – na versão anterior, era Câmara de Regras
Operacionais Excepcionais para Usinas Hidrelétricas (CARE).
O texto prevê que o ministro poderá praticar atos “ad
referendum”, o que significa que Bento Albuquerque poderá definir medidas
de forma individual, antes das deliberações com o restante das autoridades.
Essas decisões deverão ser analisadas posteriormente nas reuniões.
Caberá ao comitê “adotar medidas emergenciais para
enfrentar os riscos de escassez hídrica, a fim de garantir a continuidade e
segurança do suprimento eletroenergético”. Presidido pelo ministro de Minas e
Energia, o grupo será formado ainda pelos ministros do Desenvolvimento
Regional, Agricultura, Meio Ambiente, Infraestrutura e da Economia — este
último estava ausente na primeira versão da MP e foi incluído pelo novo texto.
A MP, porém, não traz muitos detalhes sobre o que
seriam as “medidas excepcionais” que poderão ser adotadas, além do óbvio
aumento do preço da energia elétrica. Em 2001, o governo também formou um grupo
para gerenciar a crise no setor elétrico. A Câmara de Gestão da Crise de
Energia Elétrica (GCE) foi criada por meio de medida provisória dois meses
antes do início do racionamento. O grupo era presidido pelo ministro da Casa
Civil do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Pedro Parente.
O texto da MP de 2001 já deixava claras as medidas
que poderiam ser adotadas, como o funcionamento e as metas do programa
emergencial de redução compulsória de consumo, medidas para atenuar os impactos
da crise sobre crescimento, emprego e renda, propostas de diversificação da
matriz energética, restrições ao uso da água de hidrelétricas e a cobertura das
perdas das distribuidoras, que tiveram direito a reajustes extraordinários em
razão dessas decisões.
A nova minuta excluiu a participação dos chefes da
Casa Civil, ministério mais próximo da Presidência da República, e da
Advocacia-Geral da União (AGU), além de dirigentes da Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel), da Agência Nacional de Águas (ANA), Ibama, Operador
Nacional do Sistema Elétrica (ONS) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
O grupo definirá “diretrizes obrigatórias” para,
“em caráter excepcional e temporário”, estabelecer limites de uso,
armazenamento e vazão das hidrelétricas, estabelecer prazos para atendimento às
diretrizes e requisitar informações técnicas de agentes do setor e de
concessionários de usinas.
O Ministério da Agricultura tem assento estratégico
no colegiado porque 70% da utilização da água é destinada ao setor.
A câmara terá o poder de executar as medidas
propostas pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que não tem
caráter determinativo e solicita que suas ações sejam adotadas pelos demais
órgãos do governo, como Ibama e ANA. Segundo o texto, as deliberações terão
“caráter obrigatório” para órgãos e entidades da administração pública federal,
ONS, Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e concessionários do
setor de energia, petróleo, gás natural e biocombustíveis.
O texto prevê que as regras para funcionamento da
CREG deverão ser estabelecidas na primeira reunião do grupo. Assim como na
primeira versão, a MP propõe que o grupo seja extinto no último dia útil de
2021, 30 de dezembro.
A medida provisória também vai permitir que o
governo faça “contratação simplificada” de energia e de reserva de capacidade
para enfrentar a crise. O texto não diz como isso será feito, mas, em tese,
pode dispensar a realização de leilões. Não há restrições ao tipo de fonte que
poderá ser contratada.
Furnas
O texto destaca que o comitê deverá “buscar a
adequada compatibilização da política energética, de recursos hídricos e
ambiental”, observadas as prioridades para consumo humano e a dessedentação de
animais. Um dos parágrafos deixa claro que as vazões das hidrelétricas poderão
ser reduzidas até um ponto em que “sejam superiores às vazões que ocorreriam em
condições naturais, caso não existissem barragens na bacia hidrográfica”.
Isso significa que o Poder Executivo terá poder
para adotar medidas que podem afetar negativamente lagos de regiões turísticas
ou operações de hidrovias. O eventual impacto dependerá da capacidade de as
vazões que ocorreriam em condições naturais garantirem o nível de água
suficiente para viabilizar as atividades turísticas e de hidrovias.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG),
já havia demonstrado publicamente incômodo com a publicação da MP, já que ela
permitirá restringir o reservatório da hidrelétrica de Furnas, no sul de Minas
Gerais — estado pelo qual foi eleito —, e priorizar o uso da água para energia.
Pacheco já fez críticas públicas à atuação do MME e
do ONS. Para o senador, além de faltar planejamento ao setor, o governo ignora
a realidade de uso múltiplo de águas em Minas Gerais. Cerca de 30 municípios no
entorno de Furnas vivem de negócios como hotéis, pousadas e gastronomia,
passeios de barco, pesca, criação de tilápia e irrigação para pequenas propriedades.
O senador foi articulador de uma Proposta de Emenda
à Constituição (PEC) aprovada no âmbito da Assembleia Legislativa de Minas
Gerais que fixou a cota da usina em 762 metros. Com o apoio do governo à
eleição de Pacheco no Senado, o ministro Bento Albuquerque ignorou o fato de
que a PEC era inconstitucional, pois o rio atravessa outros Estados e, por
isso, a competência é federal. Albuquerque chegou a ir pessoalmente à usina,
onde se comprometeu a manter o nível do reservatório imposto pela proposta.
Pacheco também conseguiu incluir uma emenda no
texto final da MP da Eletrobras sobre o tema. Por meio dessa emenda, o governo
deverá elaborar, em até 12 meses a partir da sanção da MP, um plano para
viabilizar a recuperação dos reservatórios das hidrelétricas em dez anos.
Deverão ser considerados, por exemplo, a priorização de usos múltiplos da água
e a captação de água para consumo humano e animal.
Por Val-André
Mutran – de Brasília