Se a discutível medida for concretizada, não se sabe como será a reação dos demais poderes democráticos (Foto: )
Brasília – Os
ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estão prestes a cometer o maior
ataque à liberdade de expressão e à democracia na história do Brasil se for
concretizada a ideia de banir do Brasil o aplicativo de troca de
mensagens Telegram, considerado por muitos usuários melhor que o
concorrente WhatsApp, pertencente à Meta, empresa
controlada pelo bilionário norte-americano Mark Zuckerberg, que está
respondendo a processo antitruste no Senado Federal do seu país. O Telegram é
de origem russa.
Segundo as últimas informações, a sugestão de
perseguir o Telegram e outras redes sociais lembra a postura de países
ditatoriais. A China, em especial, é conhecida por barrar o acesso a canais de
comunicação utilizados no mundo inteiro, e é exatamente isso que o TSE cogita
pedir para o Telegram, muito usado por conservadores do mundo
inteiro. O argumento é a falta de escritório ativo no país; uma desculpa
esfarrapada.
No último mês de dezembro, o presidente da
instituição, o ministro Luís Roberto Barroso, enviou um ofício solicitando uma
reunião com a empresa, cujo aplicativo está instalado em 53% dos smartphones
ativos do Brasil. No despacho, Barroso alega que o TSE tem por função organizar
e conduzir todos os processos que envolvem as eleições no país, e o presidente
da Corte Superior Eleitoral queria propor uma parceria para combater a
desinformação durante as campanhas dos candidatos.
“Através do Telegram, teorias da conspiração e
falsas informações sobre o sistema eleitoral vêm sendo disseminadas no Brasil,”
escreveu, em inglês, no documento enviado ao fundador da empresa, o empreendedor
russo Pavel Durov. O órgão já mantém acordos semelhantes com o Facebook,
o Instagram e o WhatsApp, todos sob o guarda-chuva
da Meta, holding controlada por um dos fundadores
do Facebook e o quarto homem mais rico do mundo, o programador de computadores
Mark Zuckerberg.
Em novembro de 2020, por exemplo, o WhatsApp baniu
mais de mil contas no país após denúncias recebidas em uma plataforma de
denúncias mantida em conjunto com o TSE. Desde que Jair Bolsonaro (PL) venceu
as eleições gerais do Brasil em 2018, empresas insatisfeitas com suspensão de
contratos bilionários com verbas que eram irrigadas por verbas públicas
federais, se reuniram no que batizaram de Consórcio de Imprensa, um clubinho
fechado de empresas que atacam 24 horas o governo federal.
Paralelamente a isso, essas mesmas empresas do
Clubinho de Imprensa criaram as chamadas agências de checagem sob a alegação de
combate às fake news (notícias falsas). O que se viu então foi
o massacre de reputações Brasil afora, prisões arbitrárias de críticos aos
ministros dos tribunais superiores, tudo à revelia do devido processo legal e
nada acontece.
Segundo fontes da Reportagem, o ministro Barroso
teria tido um ataque de fúria diante da falta de resposta do Telegram e
a imprensa checadora do Clubinho de Imprensa começou a circular informações a
respeito da disposição dos ministros do TSE de barrar o acesso à rede social.
Procurado por vários veículos de comunicação
independentes, via assessoria de imprensa, o Tribunal enviou os seguintes esclarecimentos:
“O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto
Barroso, entende que nenhum ator relevante no processo eleitoral de 2022 pode
operar no Brasil sem representação jurídica adequada, responsável pelo
cumprimento da legislação nacional e das decisões judiciais”.
Na volta do recesso, o presidente irá discutir
internamente com os ministros as providências possíveis, prossegue a nota. “O
TSE já celebrou parcerias com quase todas as principais plataformas
tecnológicas e não é desejável que haja exceções. O ministro Barroso e seus
sucessores, ministros Luiz Edson Fachin e Alexandre de Moraes, estão empenhados
em promover eleições livres, limpas e seguras, e este deve ser um compromisso
de todos os que participam do processo democrático brasileiro,” destacou o
comunicado.
Poder
sem limites
Mas o TSE pode impedir uma rede social de atuar no
país? Thiago Sorrentino, professor de Direito do Ibmec-DF, responde que não.
“Em regra, os residentes no Brasil têm liberdade para contratar bens e serviços
de empresas estrangeiras, sem a necessidade de que elas estejam instaladas no
Brasil,” ele informa. Se assim fosse, teria que ter uma legislação específica,
o que não existe.
Existem áreas específicas da economia para as quais
a legislação exige que a empresa tenha sede ou representante no Brasil, ou que
seu capital tenha um limite de participação estrangeira, explica o docente:
“Por enquanto, não é o caso dos aplicativos de troca de mensagens que operam
sobre o protocolo do que chamamos de internet”.
O especialista, que atuou por dez anos como
assessor de Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), avalia que o fato de
uma tecnologia poder ser utilizada para atividades ilegais não é suficiente
para justificar uma proibição geral ao acesso.
“A analogia que faço é com o velho telefone: a
circunstância de uma quadrilha utilizar celulares para combinar um sequestro
justificaria sua proibição ampla, geral e irrestrita? Também justificaria uma
quebra arbitrária do sigilo das comunicações de todos os seus usuários?
Evidentemente que não. Apenas governos totalitários banem linearmente o acesso
a meios de comunicação,” disse. E é exatamente o que Luís Roberto Barroso
pretende fazer, com o apoio dos demais ministros.
Em outras palavras, “uma rede social somente
poderia ser proibida de operar em território nacional se seu propósito único e
exclusivo fosse a prática de crimes, como ocorreu nos Estados Unidos, em que um
indivíduo montou um marketplace dedicado apenas à venda de
drogas”.
Por outro lado, avalia o professor, caso o
banimento seja estabelecido, os usuários que conseguissem driblar a medida
poderiam sofrer punições no âmbito jurídico: “Não há dúvida de que, se o TSE
banir o uso de um aplicativo específico por qualquer pessoal em território nacional,
também haverá a possibilidade de punição criminal dessa pessoa. Tudo vai
depender da quantidade de recursos que o Estado vai querer empreender nessa
ação policial e contra quem ele direcionará seus esforços”.
Copiando
a ditadura China sem aval constitucional para isso
A sugestão de perseguir redes sociais lembra a
postura de países ditatoriais. A China, e Cuba, em especial, são conhecidos por
barrar o acesso a canais de comunicação utilizados no mundo inteiro. A postura
de Pequim e Havana, de censurar os produtores de conteúdo que não sejam
controláveis pelo governo local, criou uma geração inteira que não conhece
sites que fazem parte da rotina de boa parte do planeta.
A lista de sites e redes sociais que os chineses
comuns não conhecem há quase duas décadas inclui YouTube, Facebook, Twitter, Google, Twitter, Instagram, Dropbox, Vimeo e SoundCloud,
além de canais de notícias respeitados internacionalmente, como o jornal The
New York Times e a rede de notícias estatal da Grã-Bretanha, a BBC.
Por Val-André
Mutran – de Brasília
ZE DUDU