Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2024

Brasil
Publicada em 07/02/22 às 15:12h - 760 visualizações
Tapajós e mais três projetos que criam novos Estados podem mudar o mapa do Brasil?
Atual legislação torna remota a chance de plebiscitos serem aprovados

Jornal O Niquel

Brasília – Tramita na Câmara dos Deputados e no Senado Federal quatro projetos de decreto legislativo que propõem a criação de novos Estados e podem mudar o mapa geopolítico do Brasil, são eles os estados de: Gurgueia (PI), Entorno (GO), Maranhão do Sul (MA) e Tapajós (PA).

Diz a Constituição Federal de 1988, no Título III – Da organização do Estado, Capítulo I – Da Organização Político-Administrativa, expressamente no Art. 18, que: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. Mas, é no § 3º que começam “as restrições”. O texto expressa: “Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.

Na interpretação dos autores de todos os projetos que objetivam a realização de plebiscito para a criação de novos estados, o trecho: […] mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar, “restringe a consulta popular apenas ‘à população diretamente interessada’”, entende o ex-deputado federal Giovanni Queiroz (PDT-PA), autor do Projeto de Decreto Legislativo (PDC nº 2300/2009) que pretendia criar o Estado de Carajás, no Sul/Sudeste do Pará, e que foi derrotado no plebiscito de 11 de dezembro de 2011, assim como, o outro PDC nº 731/2000, que criaria o Estado do Tapajós.




Além da própria Constituição Federal, os defensores da consulta plebiscitária é ampla. “Toda a população interessada é toda a população do Estado”, contestou há 11 anos atrás o deputado federal Celso Sabino (PSL-PA), na época deputado estadual pelo PSDB, contra o Ato da Mesa da Câmara dos Deputados, que colocou em votação os dois Projetos de Decreto Legislativo sobre a convocação de plebiscitos para consulta popular acerca do desmembramento do Estado do Pará e da formação dos Estados do Tapajós e Carajás. O pedido foi feito ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de um Mandado de Segurança (MS 30602), impetrado com pedido de liminar.

No Mandado de Segurança (MS) de Sabino, a sustentação foi a de que não existiam dados técnicos quanto à viabilidade econômico-social dos novos Estados, que contam com recursos previstos no orçamento da União de 2011. Sabino pediu também que: “Em caso de improcedência dos pedidos anteriores, subsidiariamente, que seja sanada a obscuridade que paira sobre a amplitude de votação do plebiscito que será convocado pelo PDC nº 2300/09, devendo o mesmo conter previsão expressa de que a votação ocorrerá em todo o Estado do Pará, conforme determina a Lei nº 9709/1099, que regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III do art. 14 da Constituição Federal de 1988. Importa ressaltar que a Lei nº 9709/1999, em seu artigo 7º. No mérito, que seja julgado improcedente o pedido III.3, com alteração do artigo 2º do Projeto de Decreto Legislativo nº 2300/09, para que disponha que a Assembleia Legislativa do Estado do Pará somente será ouvida após a ocorrência dos estudos técnicos oficiais.

“Se o parágrafo 3º do Artigo 18, Capítulo I, Título III – Da Organização do Estado, não foi mudado através de emenda constitucional e a criação da lei complementar para pacificar o assunto, nunca será criado um novo Estado no Brasil”, garante Giovanni Queiroz.

STF determina que todos devem ser ouvidos
Os ministros do STF entenderam, por 8 votos a 1, que todos que hoje vivem no Pará serão “diretamente afetados” com a possível criação dos novos Estados e, portanto, devem se pronunciar.

O único que votou de forma diferente foi o ministro Marco Aurélio Mello e foi além. Ele avaliou que toda a população nacional é afetada e, assim, deve ser ouvida.

Para o relator do caso, ministro José Antonio Dias Toffoli, apenas o povo do Estado é “diretamente interessado”. “Para a população dos demais Estados, a separação também é relevante, mas essa população é indiretamente interessada e irá se manifestar por meio de seus representantes quando o caso for analisado pelo Congresso Nacional”, disse.

O tribunal não analisou o caso específico do Pará, mas o entendimento serve para o plebiscito que ocorreu em 11 de dezembro.

Em 24 de agosto de 2011, o Supremo julgou uma ação direta de inconstitucionalidade proposta por Goiás em 2002, quando discutia a criação de um município.

A ação pedia, entre outras coisas, que apenas a população que poderá integrar uma nova cidade, ou um novo Estado, é “diretamente afetada” e somente ela deveria ser ouvida. “Negar à população remanescente [o direito de opinar] não é a melhor forma de garantir a soberania popular”, disse Toffoli em seu relatório vencedor.

“Não entendo como toda população do Pará [por exemplo] não será afetada [com a divisão do Estado]”, afirmou o colega Ricardo Lewandowski. Já a ministra Cármen Lúcia avaliou que o povo do Pará tem que dizer se concorda com a redução de seu “patrimônio cidadão”. Carlos Ayres Britto concordou, ao dizer que devem ser ouvidos aqueles que serão “desfalcados de uma parte de seu território”.

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) também já havia decidido que toda a população deve ser ouvida.

No caso do Pará, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já havia definido que toda a população do estado participaria do plebiscito. No dia 11 de dezembro, os paraenses foram às urnas para decidir sobre a divisão do estado. Os eleitores respondera, a duas perguntas: “Você é a favor da divisão do estado do Pará para a criação do estado do Tapajós?” e “Você é a favor da divisão do estado do Pará para a criação do estado de Carajás?”. Aproximadamente 60% da população votou contra a criação dos dois novos estados.

Novo projeto do Tapajós
O PDC do ex-senador Siqueira Campos (DEM-TO) será analisado na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ) da casa. O texto considera, novamente, votara proposta que determina a realização de um plebiscito para ouvir a população do Pará sobre a criação do estado do Tapajós, que seria constituído por 23 municípios que hoje estão em território paraense. Ainda não há, entretanto, uma data para a votação do projeto na CCJ.

A proposição esteve perto de ser votada pela CCJ em novembro do ano passado. Na ocasião, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) apresentou seu relatório sobre a proposta e a iniciativa entrou na pauta da comissão. Um pedido de vista do senador Jader Barbalho (MDB-PA), entretanto, travou a possibilidade de votação.

O ex-senador Siqueira Campos havia protocolado a proposta de criar o estado do Tapajós em agosto de 2019. A proposição permaneceu intocada até maio de 2021, quando teve sua relatoria entregue a Valério. O parlamentar do Amazonas fez, em pouco mais de seis meses, seu relatório, que foi o que motivou a “quase votação” de novembro do ano passado.

A demora na tramitação é típica dos projetos sobre criação de novos estados. Via de regra, propostas com esse teor costumam permanecer nas gavetas virtuais de Câmara e Senado por longos anos. Ou por mais de duas décadas, como é o caso de uma proposição para criação do estado do Gurgueia, que seria formado pelo desmembramento de cidades que hoje pertencem ao sul do Piauí.

A aprovação em 2011, pelo Congresso, da realização de um plebiscito sobre dois estados a partir do Pará (Carajás e Tapajós) se configura como uma exceção nesse cenário — e é um dos elementos que explica o fato de o Brasil não ter nenhum estado novo desde 1988, quando Tocantins foi criado.

Tramitação
A eventual aprovação pela CCJ do Senado da proposta do plebiscito sobre a criação do Tapajós será apenas um dos muitos passos que a iniciativa precisa até o novo estado realmente sair do papel.

O rito se inicia na fase atual, quando um congressista, deputado ou senador, apresenta ao Congresso a proposta sobre o plebiscito. Nesse estágio, em tese, não se discute a criação do estado, e sim a realização do plebiscito. É esse o argumento que Valério tem demonstrado, atualmente, para se mostrar favorável à proposta de Siqueira Campos. “Meu parecer é concedendo o plebiscito para que eles possam decidir. O paraense, e unicamente o paraense, é que vai decidir o seu destino”, disse.

O projeto então corre por Câmara e Senado, devendo obter o aval de comissões e do plenário das duas Casas. É nesse momento que as iniciativas costumam empacar no Congresso. Geralmente, não chegam a ser rejeitadas, e sim não dispõem de força política para serem submetidas à votação.

Se avançarem, o plebiscito é aprovado e cabe ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) promover a consulta à população local.

Caso uma proposta seja aprovada em plebiscito, retorna para o Congresso, para que haja a discussão efetiva sobre a criação do novo estado. Apenas após essa etapa é que o novo estado pode finalmente ser estabelecido. Basta a sanção por parte do presidente da República.

O projeto atual sobre o Tapajós não é idêntico ao que foi rejeitado nas urnas em 2011. A iniciativa da década passada previa um estado com 27 municípios, contra 23 no projeto atual. A proposição de 2019 estabelece um estado que teria 43% do território do atual Pará e cerca de 2 milhões de habitantes. Sua cidade mais populosa seria Santarém, que tem cerca de 308 mil moradores e, hoje, é o terceiro município mais populoso do Pará.

O senador relator da proposta do Tapajós, Plínio Valério, vê viabilidade no estado do Tapajós. Para o senador, a região tem tradição produtora de minérios e no agronegócio, e atualmente recebe menos do governo paraense do que arrecada. Ele também menciona que a mobilização local por autonomia é antiga. Mas, para ele, o fato de 2022 ser um ano eleitoral pode dificultar o avanço da proposta no Legislativo.


Os prós e contras da criação de estados
O sentimento de emancipação na região Oeste do Pará, onde seria o Estado do Tapajós, remonta à época do Brasil Império. O debate sobre a criação de novos estados no Congresso costuma ser centrado em duas principais correntes de opinião. Uma é a de que estados como o Pará são grandes demais e que, por isso, há regiões que são abandonadas pelo poder central.

Defensores dessa ótica costumam citar o Tocantins, que se desmembrou de Goiás em 1988, e o Mato Grosso do Sul, autônomo desde 1979, como exemplos do sucesso que as separações podem criar. Ambos os estados passaram a contar com mais recursos e puderam desenvolver ações típicas de governos estaduais, como a fundação de universidades —e, naturalmente, maior representação política com a criação de bancadas federais no Congresso Nacional e repartimento do bolo federal de recursos do Orçamento — “sonho de consumo” de qualquer político brasileiro.

Já a outra linha de pensamento é a de que novos estados representariam necessariamente novos governadores, novos vice-governadores, novos deputados e toda a estrutura que caracteriza um governo estadual. A abordagem é a de que se trata de um processo que cria muitas despesas e traz poucos resultados efetivos. O jogo político é também abordado: opositores mencionam um desequilíbrio de forças no Senado, já que a Região Norte passaria a contar com mais três senadores, mesmo tendo uma população menor do que a do estado de São Paulo.

Essas duas linhas de raciocínio se colocam em choque também quando o Congresso discute a criação de municípios. Atualmente, o Brasil não conta com uma legislação precisa sobre as regras para a fundação de municípios, e por isso o país não conta com novas “cidades” politicamente autônimas desde 2013. Em 2014 e 2015, o Congresso chegou a aprovar leis sobre o tema, mas as normas foram vetadas pela então presidente Dilma Rousseff; e o Congresso não derrubou o veto.

Em 2019, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes e não comprovem autonomia arrecadatória. A iniciativa recebeu muita resistência, de parlamentares de diferentes partidos, e não avançou no Legislativo.

Histórico
Nos últimos 20 anos, o Congresso viu a apresentação de propostas para novos estados que se espalhavam por todas as regiões do Brasil. Exemplos de iniciativas são as de criação dos estados do Mato Grosso do Norte e do Araguaia, no Mato Grosso; a refundação do estado da Guanabara, que corresponderia à cidade do Rio de Janeiro; o estado do Pampa, no extremo sul do Rio Grande do Sul; o estado do São Francisco, que contemplaria o oeste da Bahia; e a implantação do território do Oiapoque, na área do município homônimo, no extremo norte do Amapá. A maior parte dessas proposições, porém, ou foi rejeitada ainda na fase de comissões ou travou entre uma comissão e outra.

A proposta para criar o estado da Gurgueia é uma das poucas que superou o trajeto das comissões e se encontra apta para votação no plenário da Câmara. Está neste status, porém, há mais de uma década. Condição igual à da proposta que criaria o Maranhão do Sul, que inclui 49 municípios e 44% do território do atual Maranhão.

Uma sugestão mais recente, e que registrou alguns avanços, é a da criação do estado do Entorno, que seria formado por 18 municípios de Goiás que são próximos do Distrito Federal. A iniciativa foi apresentada em 2015 pelo deputado Célio Silveira (PSDB-GO) e ainda precisa do aval de outras comissões da Câmara, antes de ser apreciada pelo plenário.

A partir da Constituição de 1988, a criação de municípios, interrompida durante o regime militar, foi permitida desde que houvesse um plebiscito e fossem seguidas as regras de uma lei complementar estadual.

Nos anos seguintes, cresceu significativamente o número de municípios criados sem condições de sustentação financeira, pois as leis estaduais faziam exigências muito simples. O problema chegou ao Congresso e, em setembro de 1996, a Emenda 15 foi promulgada.

Ela permite a criação dentro de um período a ser determinado por lei complementar federal (que ainda não existe), e exige a realização de um plebiscito e a divulgação de estudos de viabilidade municipal.

Dezenas de municípios estavam em processo de criação quando a emenda foi promulgada. Esses processos foram concluídos no âmbito estadual, mesmo sem amparo da Constituição. Sem a aprovação da PEC 495/06, as leis locais poderiam ser declaradas inconstitucionais.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.

ZE DUDU




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