Brasília – Tramita
na Câmara dos Deputados e no Senado Federal quatro projetos de decreto
legislativo que propõem a criação de novos Estados e podem mudar o mapa
geopolítico do Brasil, são eles os estados de: Gurgueia (PI), Entorno (GO),
Maranhão do Sul (MA) e Tapajós (PA).
Diz a Constituição Federal de 1988, no Título III –
Da organização do Estado, Capítulo I – Da Organização Político-Administrativa,
expressamente no Art. 18, que: “A organização político-administrativa da
República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. Mas, é
no § 3º que começam “as restrições”. O texto expressa: “Os Estados podem
incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a
outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação
da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso
Nacional, por lei complementar.
Na interpretação dos autores de todos os projetos
que objetivam a realização de plebiscito para a criação de novos estados, o
trecho: […] mediante aprovação da população diretamente interessada, através de
plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar, “restringe a
consulta popular apenas ‘à população diretamente interessada’”, entende o
ex-deputado federal Giovanni Queiroz (PDT-PA), autor do Projeto de Decreto
Legislativo (PDC nº 2300/2009) que pretendia criar o Estado de Carajás, no
Sul/Sudeste do Pará, e que foi derrotado no plebiscito de 11 de dezembro de
2011, assim como, o outro PDC nº 731/2000, que criaria o Estado do Tapajós.
Além da própria Constituição Federal, os defensores
da consulta plebiscitária é ampla. “Toda a população interessada é toda a
população do Estado”, contestou há 11 anos atrás o deputado federal Celso
Sabino (PSL-PA), na época deputado estadual pelo PSDB, contra o Ato da Mesa da
Câmara dos Deputados, que colocou em votação os dois Projetos de Decreto Legislativo
sobre a convocação de plebiscitos para consulta popular acerca do
desmembramento do Estado do Pará e da formação dos Estados do Tapajós e
Carajás. O pedido foi feito ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de um
Mandado de Segurança (MS 30602),
impetrado com pedido de liminar.
No Mandado de Segurança (MS) de Sabino, a
sustentação foi a de que não existiam dados técnicos quanto à viabilidade econômico-social
dos novos Estados, que contam com recursos previstos no orçamento da União de
2011. Sabino pediu também que: “Em caso de improcedência dos pedidos
anteriores, subsidiariamente, que seja sanada a obscuridade que paira sobre a
amplitude de votação do plebiscito que será convocado pelo PDC nº 2300/09,
devendo o mesmo conter previsão expressa de que a votação ocorrerá em todo o
Estado do Pará, conforme determina a Lei nº 9709/1099,
que regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III do art. 14 da
Constituição Federal de 1988. Importa ressaltar que a Lei nº 9709/1999, em seu
artigo 7º. No mérito, que seja julgado improcedente o pedido III.3, com
alteração do artigo 2º do Projeto de Decreto Legislativo nº 2300/09, para que
disponha que a Assembleia Legislativa do Estado do Pará somente será ouvida
após a ocorrência dos estudos técnicos oficiais.
“Se o parágrafo 3º do Artigo 18, Capítulo I, Título
III – Da Organização do Estado, não foi mudado através de emenda constitucional
e a criação da lei complementar para pacificar o assunto, nunca será criado um
novo Estado no Brasil”, garante Giovanni Queiroz.
STF determina que todos devem ser ouvidos
Os ministros do STF entenderam, por 8 votos a 1,
que todos que hoje vivem no Pará serão “diretamente afetados” com a possível
criação dos novos Estados e, portanto, devem se pronunciar.
O único que votou de forma diferente foi o ministro
Marco Aurélio Mello e foi além. Ele avaliou que toda a população nacional é
afetada e, assim, deve ser ouvida.
Para o relator do caso, ministro José Antonio Dias
Toffoli, apenas o povo do Estado é “diretamente interessado”. “Para a população
dos demais Estados, a separação também é relevante, mas essa população é
indiretamente interessada e irá se manifestar por meio de seus representantes
quando o caso for analisado pelo Congresso Nacional”, disse.
O tribunal não analisou o caso específico do Pará,
mas o entendimento serve para o plebiscito que ocorreu em 11 de dezembro.
Em 24 de agosto de 2011, o Supremo julgou uma ação
direta de inconstitucionalidade proposta por Goiás em 2002, quando discutia a
criação de um município.
A ação pedia, entre outras coisas, que apenas a
população que poderá integrar uma nova cidade, ou um novo Estado, é
“diretamente afetada” e somente ela deveria ser ouvida. “Negar à população
remanescente [o direito de opinar] não é a melhor forma de garantir a soberania
popular”, disse Toffoli em seu relatório vencedor.
“Não entendo como toda população do Pará [por
exemplo] não será afetada [com a divisão do Estado]”, afirmou o colega Ricardo
Lewandowski. Já a ministra Cármen Lúcia avaliou que o povo do Pará tem que
dizer se concorda com a redução de seu “patrimônio cidadão”. Carlos Ayres Britto
concordou, ao dizer que devem ser ouvidos aqueles que serão “desfalcados de uma
parte de seu território”.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) também já havia
decidido que toda a população deve ser ouvida.
No caso do Pará, o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) já havia definido que toda a população do estado participaria do
plebiscito. No dia 11 de dezembro, os paraenses foram às urnas para decidir
sobre a divisão do estado. Os eleitores respondera, a duas perguntas: “Você é a
favor da divisão do estado do Pará para a criação do estado do Tapajós?” e
“Você é a favor da divisão do estado do Pará para a criação do estado de
Carajás?”. Aproximadamente 60% da população votou contra a criação dos dois
novos estados.
Novo projeto do Tapajós
O PDC do ex-senador Siqueira Campos (DEM-TO) será
analisado na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ) da casa. O
texto considera, novamente, votara proposta que determina a realização de um
plebiscito para ouvir a população do Pará sobre a criação do estado do Tapajós,
que seria constituído por 23 municípios que hoje estão em território paraense.
Ainda não há, entretanto, uma data para a votação do projeto na CCJ.
A proposição esteve perto de ser votada pela CCJ em
novembro do ano passado. Na ocasião, o senador Plínio Valério (PSDB-AM)
apresentou seu relatório sobre a proposta e a iniciativa entrou na pauta da
comissão. Um pedido de vista do senador Jader Barbalho (MDB-PA), entretanto,
travou a possibilidade de votação.
O ex-senador Siqueira Campos havia protocolado a
proposta de criar o estado do Tapajós em agosto de 2019. A proposição
permaneceu intocada até maio de 2021, quando teve sua relatoria entregue a
Valério. O parlamentar do Amazonas fez, em pouco mais de seis meses, seu
relatório, que foi o que motivou a “quase votação” de novembro do ano passado.
A demora na tramitação é típica dos projetos sobre
criação de novos estados. Via de regra, propostas com esse teor costumam
permanecer nas gavetas virtuais de Câmara e Senado por longos anos. Ou por mais
de duas décadas, como é o caso de uma proposição para criação do estado do
Gurgueia, que seria formado pelo desmembramento de cidades que hoje pertencem
ao sul do Piauí.
A aprovação em 2011, pelo Congresso, da realização
de um plebiscito sobre dois estados a partir do Pará (Carajás e Tapajós) se
configura como uma exceção nesse cenário — e é um dos elementos que explica o
fato de o Brasil não ter nenhum estado novo desde 1988, quando Tocantins foi
criado.
Tramitação
A eventual aprovação pela CCJ do Senado da proposta
do plebiscito sobre a criação do Tapajós será apenas um dos muitos passos que a
iniciativa precisa até o novo estado realmente sair do papel.
O rito se inicia na fase atual, quando um
congressista, deputado ou senador, apresenta ao Congresso a proposta sobre o
plebiscito. Nesse estágio, em tese, não se discute a criação do estado, e sim a
realização do plebiscito. É esse o argumento que Valério tem demonstrado,
atualmente, para se mostrar favorável à proposta de Siqueira Campos. “Meu
parecer é concedendo o plebiscito para que eles possam decidir. O paraense, e
unicamente o paraense, é que vai decidir o seu destino”, disse.
O projeto então corre por Câmara e Senado, devendo
obter o aval de comissões e do plenário das duas Casas. É nesse momento que as
iniciativas costumam empacar no Congresso. Geralmente, não chegam a ser
rejeitadas, e sim não dispõem de força política para serem submetidas à
votação.
Se avançarem, o plebiscito é aprovado e cabe ao
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) promover a consulta à população local.
Caso uma proposta seja aprovada em plebiscito,
retorna para o Congresso, para que haja a discussão efetiva sobre a criação do
novo estado. Apenas após essa etapa é que o novo estado pode finalmente ser
estabelecido. Basta a sanção por parte do presidente da República.
O projeto atual sobre o Tapajós não é idêntico ao
que foi rejeitado nas urnas em 2011. A iniciativa da década passada previa um
estado com 27 municípios, contra 23 no projeto atual. A proposição de 2019
estabelece um estado que teria 43% do território do atual Pará e cerca de 2
milhões de habitantes. Sua cidade mais populosa seria Santarém, que tem cerca
de 308 mil moradores e, hoje, é o terceiro município mais populoso do Pará.
O senador relator da proposta do Tapajós, Plínio
Valério, vê viabilidade no estado do Tapajós. Para o senador, a região tem
tradição produtora de minérios e no agronegócio, e atualmente recebe menos do
governo paraense do que arrecada. Ele também menciona que a mobilização local
por autonomia é antiga. Mas, para ele, o fato de 2022 ser um ano eleitoral pode
dificultar o avanço da proposta no Legislativo.
Os prós e contras da criação de estados
O sentimento de emancipação na região Oeste do
Pará, onde seria o Estado do Tapajós, remonta à época do Brasil Império. O
debate sobre a criação de novos estados no Congresso costuma ser centrado em
duas principais correntes de opinião. Uma é a de que estados como o Pará são
grandes demais e que, por isso, há regiões que são abandonadas pelo poder central.
Defensores dessa ótica costumam citar o Tocantins,
que se desmembrou de Goiás em 1988, e o Mato Grosso do Sul, autônomo desde
1979, como exemplos do sucesso que as separações podem criar. Ambos os estados
passaram a contar com mais recursos e puderam desenvolver ações típicas de
governos estaduais, como a fundação de universidades —e, naturalmente, maior
representação política com a criação de bancadas federais no Congresso Nacional
e repartimento do bolo federal de recursos do Orçamento — “sonho de consumo” de
qualquer político brasileiro.
Já a outra linha de pensamento é a de que novos
estados representariam necessariamente novos governadores, novos
vice-governadores, novos deputados e toda a estrutura que caracteriza um
governo estadual. A abordagem é a de que se trata de um processo que cria
muitas despesas e traz poucos resultados efetivos. O jogo político é também
abordado: opositores mencionam um desequilíbrio de forças no Senado, já que a
Região Norte passaria a contar com mais três senadores, mesmo tendo uma
população menor do que a do estado de São Paulo.
Essas duas linhas de raciocínio se colocam em
choque também quando o Congresso discute a criação de municípios. Atualmente, o
Brasil não conta com uma legislação precisa sobre as regras para a fundação de
municípios, e por isso o país não conta com novas “cidades” politicamente
autônimas desde 2013. Em 2014 e 2015, o Congresso chegou a aprovar leis sobre o
tema, mas as normas foram vetadas pela então presidente Dilma Rousseff; e o
Congresso não derrubou o veto.
Em 2019, o ministro da Economia, Paulo Guedes,
sugeriu a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes e não comprovem
autonomia arrecadatória. A iniciativa recebeu muita resistência, de
parlamentares de diferentes partidos, e não avançou no Legislativo.
Histórico
Nos últimos 20 anos, o Congresso viu a apresentação de propostas para novos
estados que se espalhavam por todas as regiões do Brasil. Exemplos de
iniciativas são as de criação dos estados do Mato Grosso do Norte e do Araguaia,
no Mato Grosso; a refundação do estado da Guanabara, que corresponderia à
cidade do Rio de Janeiro; o estado do Pampa, no extremo sul do Rio Grande do
Sul; o estado do São Francisco, que contemplaria o oeste da Bahia; e a
implantação do território do Oiapoque, na área do município homônimo, no
extremo norte do Amapá. A maior parte dessas proposições, porém, ou foi
rejeitada ainda na fase de comissões ou travou entre uma comissão e outra.
A proposta para criar o estado da Gurgueia é uma
das poucas que superou o trajeto das comissões e se encontra apta para votação
no plenário da Câmara. Está neste status, porém, há mais de uma década.
Condição igual à da proposta que criaria o Maranhão do Sul, que inclui 49
municípios e 44% do território do atual Maranhão.
Uma sugestão mais recente, e que registrou alguns
avanços, é a da criação do estado do Entorno, que seria formado por 18
municípios de Goiás que são próximos do Distrito Federal. A iniciativa foi
apresentada em 2015 pelo deputado Célio Silveira (PSDB-GO) e ainda precisa do
aval de outras comissões da Câmara, antes de ser apreciada pelo plenário.
A partir da Constituição de 1988, a criação de
municípios, interrompida durante o regime militar, foi permitida desde que
houvesse um plebiscito e fossem seguidas as regras de uma lei complementar
estadual.
Nos anos seguintes, cresceu significativamente o
número de municípios criados sem condições de sustentação financeira, pois as
leis estaduais faziam exigências muito simples. O problema chegou ao Congresso
e, em setembro de 1996, a Emenda 15 foi promulgada.
Ela permite a criação dentro de um período a ser
determinado por lei complementar federal (que ainda não existe), e exige a
realização de um plebiscito e a divulgação de estudos de viabilidade municipal.
Dezenas de municípios estavam em processo de
criação quando a emenda foi promulgada. Esses processos foram concluídos no
âmbito estadual, mesmo sem amparo da Constituição. Sem a aprovação da PEC
495/06, as leis locais poderiam ser declaradas inconstitucionais.
Reportagem: Val-André
Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em
Brasília.
ZE DUDU