Brasília – Em
resposta ao apoio que recebeu do presidente da República Jair Bolsonaro (PL)
para se eleger presidente do Senado Federal, que por tabela também preside o
Congresso Nacional, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), retribuiu nomeando para
presidir uma comissão especial de juristas que vai elaborar uma proposta para
atualizar a lei do impeachment, o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo
Lewandowski. O ato foi considerado como traição, segundo fontes ligadas a
Bolsonaro.
O ministro foi nomeado por Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), e suas decisões nunca prejudicaram o ex-presidente enrolado até o
pescoço com a Justiça. Lula foi beneficiado com a libertação de condenação de
21 anos de cadeia por uma sucessão inacreditável de decisões do STF.
“Lewandowski rasgou a Constituição ao presidir o
impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff ao não cassar seus direitos
políticos”, lembrou um auxiliar do presidente Bolsonaro que pediu sigilo e passou
outras informações para a reportagem.
Comissão Especial
De surpresa, na sexta-feira (11), Pacheco
determinou a instalação de uma comissão de juristas para discutir e apresentar
uma proposta legislativa para atualizar a lei do impeachment, datada de 1950. A
decisão de ofício, não consultou ninguém, gerando uma troca frenética de
mensagens na classe política no apagar das luzes desta semana. É o assunto mais
quente do final de semana em Brasília.
A comissão será presidida pelo ministro. Integram o
grupo outros dez juristas, entre eles o ministro do Superior Tribunal de
Justiça Rogério Schietti Machado Cruz, o ex-senador e ministro do Tribunal de
Contas da União Antonio Anastasia, acadêmicos e representantes da OAB (Ordem
dos Advogados do Brasil), do Conselho Nacional de Justiça, entre outros órgãos.
O grupo terá um prazo de 180 dias, a partir da
instalação da comissão, para a conclusão dos trabalhos e apresentação de um
anteprojeto de lei para atualizar a lei do impeachment.
Ao justificar a instalação da comissão, o ato
assinado por Pacheco menciona que a lei do impeachment está defasada em seu
cotejo com a Constituição Federal.
O texto também argumenta que a legislação foi usada
duas vezes no plano federal —nos processos envolvendo os ex-presidentes Fernando
Collor e Dilma Rousseff — sempre levantando debates sobre a sua vigência,
compatibilidade com os preceitos constitucionais e dificuldades procedimentais.
A discussão a respeito da necessidade de atualizar
a lei do impeachment veio novamente ao debate no fim do ano passado, por
ocasião da CPI da Covid. Os membros da comissão questionaram a necessidade de
mudanças, para evitar que os pedidos de impedimento do presidente da República
dependessem unicamente da decisão do presidente da Câmara dos Deputados,
atualmente Arthur Lira (PP-AL), aliado de Jair Bolsonaro — que já se manifestou
contra a abertura de processo e também alteração na legislação.
Traições e rompimentos
Segundo a fonte consultada pela reportagem do Blog do Zé Dudu é
longa a fila de traições e rompimentos com políticos que apoiaram Bolsonaro em
2018 e trocaram de lado.
De acordo com a fonte, a maioria dos ex-aliados de
Bolsonaro têm pretensões eleitorais para 2022 defendem a tese de testar a
capilaridade eleitoral da direita anti-Bolsonaro, sabe-se lá o que isso
significa.
Ao longo dos três primeiros anos de mandato, o
presidente Jair Bolsonaro (PL) rompeu com pelo menos duas dezenas de políticos.
Os então aliados na campanha de 2018 viraram ministros, deputados, senadores e
governadores.
Divergências no PSL, partido pelo qual o mandatário
foi eleito, e a pandemia de Covid-19 se tornaram os principais fatores a causar
a debandada de bolsonaristas. Além de ter o costume de “fritar” e abandonar
auxiliares antes de demiti-los, Bolsonaro também tem a prática de inflar sua
rede para promover ataques coordenados aos ex-aliados.
Quatro das 30 trocas feitas no alto escalão entre
2019 e 2021 ocorreram com rompimentos: Gustavo Bebianno, Carlos Alberto dos
Santos Cruz, Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro. Nas quatro ocasiões, os
ex-ministros saíram atirando contra o governo.
Primeira baixa no governo, Gustavo Bebianno foi
demitido da Secretaria-Geral da Presidência da República em fevereiro de 2019
em meio a imbróglios com o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), que
coordena a comunicação do presidente. Abandonado pelo governo, o ex-presidente
do PSL se disse arrependido pelo trabalho na campanha de Bolsonaro. Um infarto
fulminante matou o ex-auxiliar um ano depois.
Em junho do primeiro ano de mandato, o general
Santos Cruz deixou o comando da Secretaria de Governo após embates entre as
alas militar e ideológica. O general teve problemas de relacionamento com os
filhos do presidente, com o então secretário da Secom Fabio Wajngarten e até
mesmo com o escritor Olavo de Carvalho. Agora filiado ao Podemos, Santos Cruz
se tornou um crítico contumaz do governo e mira uma vaga no Senado em 2022.
Em abril de 2020, o titular da Saúde Luiz Henrique
Mandetta deixou a pasta por divergências em torno da condução da pandemia. Ele
deve concorrer a uma vaga no Senado ou à Câmara dos Deputados pelo Mato Grosso
do Sul.
Na sequência, a saída de Sergio Moro do Ministério
da Justiça e Segurança Pública abalou o discurso governista de combate à
corrupção. Moro, que tem o potencial de abocanhar uma parte do eleitorado de
Bolsonaro nas eleições de 2022, tem sido um dos alvos preferenciais da rede de
artilharia patrocinada pelo presidente. Ele tenta ocupar o espaço da terceira
via na disputa para o Palácio do Planalto e ter uma vaga no segundo turno.
No Congresso
Nesse meio tempo, importantes aliados no Congresso
Nacional também deixaram o barco do bolsonarismo. Entre eles, a deputada Joice
Hasselmann (PSL-SP), que foi líder do governo no Congresso por oito meses; o
deputado Alexandre Frota (PSDB-SP); e outros expoentes do PSL — Luciano Bivar
(PE), Junior Bozzella (SP), Delegado Waldir (GO) e o senador Major Olimpio
(SP), que morreu em consequência da Covid-19 em 2021.
Quadros do Movimento Brasil Livre (MBL) também se
descolaram de Bolsonaro e agora tem como “quiridinho da vez”, o ex-ministro e
pré-candidato Sergio Moro. É o caso do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP)
e do deputado estadual Arthur do Val (“Mamãe Falei”).
O empresário Paulo Marinho, suplente de Flávio
Bolsonaro (Patriota-RJ) no Senado, se tornou mais um que rompeu com Bolsonaro
em 2020. Depois de ter cedido sua mansão no bairro do Jardim Botânico, no Rio,
como QG da campanha de Bolsonaro, Marinho revelou que Flávio teria recebido
informações privilegiadas da Polícia Federal sobre Fabrício Queiroz, um dos
mais importantes assessores do então deputado estadual no Rio.
Segundo a declaração, Flávio foi avisado com
antecedência de que Queiroz, um de seus braços direitos no gabinete da
Assembleia Legislativa, era alvo de uma investigação. Marinho, que pretende
disputar o governo do Rio em 2022, foi acusado de ter interesse políticos.
Depois de ter votado “com convicção” em Bolsonaro
em 2018, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) rompeu com o
presidente em 2020 e barrou algumas pautas de interesse do governo na Casa. Os
dois hoje são desafetos políticos e trocam farpas públicas.
CPI da Covid-19
Em 2021, a CPI da Covid-19 desgastou a imagem do
presidente e também acabou gerando alguns desentendimentos. Um deles foi com o
deputado Luis Miranda (DEM-DF), que denunciou irregularidades em um processo de
compra de vacinas. Após apresentar as denúncias, Miranda reclamou do tratamento
a ele dispensado pelo governo federal.O senador Jorge Kajuru (Podemos-GO)
também rompeu com Bolsonaro no ano passado, após divulgar um áudio de uma
conversa que teve com o presidente. Nela, o chefe do Executivo defendia que o
parlamentar pedisse a ampliação da CPI para que os governadores e prefeitos
também fossem investigados e estimulou esforços pelo impeachment de ministros
do Supremo Tribunal Federal (STF).
Governadores rompidos
Eleito em 2018 com a bandeira do “BolsoDoria”, o
governador paulista João Doria começou a se afastar do bolsonarismo ainda em
2019, quando criticou medidas de segurança pública, e cortou os laços com a
administração federal em 2020, comprando brigas com o presidente em torno da
vacina e medidas de restrição. Doria é o nome escolhido pelo PSDB para disputar
o Palácio do Planalto em 2022.
Outro governador que se descolou de Bolsonaro foi
Wilson Witzel (PSC), que sofreu impeachment e deixou o governo do Rio de
Janeiro em abril de 2021. Ainda em 2019, Witzel se desentendeu com o presidente
por falar abertamente em seu projeto para o Palácio do Planalto nas eleições
seguintes. Em agosto daquele ano, declarou que desejava ser presidente da
República, “de preferência sucedendo o presidente Bolsonaro”.
O estopim para o rompimento com o então governador
do reduto eleitoral do presidente foi quando Bolsonaro o acusou de vazar
informações sobre a investigação da morte da vereadora Marielle Franco. Também
houve discussões em razão do avanço processo que investiga o crime de
“rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), quando este ainda
era deputado estadual.
Teatro
Mesmo fazendo críticas à atuação pessoal do
presidente, alguns dos ex-aliados seguem próximos do Palácio do Planalto em
razão de bandeiras comuns, “atores de um teatro”, diz fonte da reportagem. Pelo
alinhamento em pautas conservadoras nos costumes e liberais na economia, eles
continuam acompanhando o governo em importantes votações no Congresso.Um dos
coordenadores da campanha de Bolsonaro no Nordeste em 2018, Julian Lemos (PB)
pretende se reeleger na Câmara pelo União Brasil, decorrente da fusão do PSL
com o DEM. Ele afirma que o rompimento foi em relação a pessoas, e não às
ideias.“Eu não rompi com o governo nem com o presidente. Não fico mais num
mesmo ambiente com Carlos e Eduardo, que era hostil. Eu me afastei das pessoas
físicas, não das ideias”, argumentou ele.
“Há dezenas de atores que desempenham esse papel”,
conclui a fonte.
Reportagem: Val-André
Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em
Brasília.
ZE DUDU