Tribunal de Justiça do Espírito Santo Redes sociais/Reprodução (Foto: )
Um homem simples, de instrução modesta e
trabalhador de chão-de-fábrica. Mais um entre milhões de brasileiros que todos
os dias acordam cedo, usam transporte público e batem ponto em uma grande
indústria, líder de seu setor, que fatura bilhões por ano e distribui outro
tantos bilhões em lucros aos acionistas.
Um dia esse homem simples, porém inventivo, cria um
mecanismo que nem os mais experientes engenheiros foram capazes de construir.
Pelo menos essa é a sua versão dos fatos…
PATENTE
A invenção aumenta a produtividade da empresa e
torna o trabalho mais seguro. O mecanismo é implementado e a produtividade
dispara. A patente é registrada. Porém, o inventor nunca foi recompensado
financeiramente, mesmo que a lei (artigo 42 do Código de Propriedade Industrial
e artigo 26 da Resolução 006/92) diga que 50% dos ganhos econômicos sejam da
empresa e, 50%, do criador. Normas internas da empresa também diziam o mesmo.
Essa é a história da disputa judicial bilionária
entre José Carlos Olindino, de 66 anos, técnico mecânico industrial, e a
mineradora Vale S/A, a maior empresa do Brasil em 2021 em valor de mercado, de
acordo com a B3, a segunda maior mineradora do mundo e a líder em minério de
ferro.
No próximo terça, 14, o Tribunal de Justiça do
Espírito Santo (TJ-ES) julgará embargos de declaração que tentam anular perícia
técnica feita no curso de 10 anos. A perícia, já reconhecida por duas
instâncias, apurou a titularidade de Olindino como criador do invento e o
benefício obtido pela Vale: US$ 5,5 bilhões até 2016.
O processo se arrasta desde 2007. A Produção
Antecipada de Provas, fase inicial de um processo como esse e de essencial
celeridade para que as evidências e provas não desapareçam com o tempo, deveria
durar de seis meses a não mais do que um ano. Levou quase 15 anos.
O recurso da Vale, se aceito, pode fazer o processo
voltar à estaca zero. Porém, os embargos de declaração interpostos pela Vale
não cabem para rediscutir o que já foi decidido e invalidar a perícia técnica
nessa fase, servem apenas para esclarecer dubiedades da decisão anterior.
A coluna procurou a empresa:
“Trata-se de uma ação cautelar de provas que tem
por objeto exclusivamente a elaboração de laudo pericial, ainda em fase de
recurso e sem decisão definitiva. A Vale esclarece que não há mérito nas
alegações feitas pelo autor e que se manifestará sobre o tema em juízo”.
O QUE DIZ O PROCESSO
A Vale peticionou na primeira instância pedindo
reabertura de prazos da perícia, já vencidos há uma década, inclusive porque a
perícia estava concluída. A petição da Vale foi deferida por uma juíza
substituta, que também destituiu o perito (apontado pelo TJ-ES e não contestado
no prazo pela Vale). A troca do perito zera a perícia e nada se aproveita
daquilo que o profissional afastado constituiu.
Após a questão ser regularizada pelo TJ-ES, que
reconheceu a validade da perícia que se arrastou por quase 15 anos, no próximo
dia 14 de março a Quarta Câmara Cível, agora com 2 juízes substitutos (Marianne
Judice de Mattos e Getúlio Marcos Pereira Neves), apreciará os embargos de
declaração e a tentativa de rejulgamento de questão já decidida.
A COMPORTA
José Carlos Olindino prestou serviços para a
Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale S/A) de 1977 a 1991, quando criou uma
comporta que diminuiu o tempo de passagem de minérios de ferro para o forno de
pelotização na troca de carros grelha (invento chamado “acionamento pneumático
de travamento de giro da comporta de troca de carros grelha”).
O carro grelha é um equipamento usado para
transportar as pelotas de minério de ferro, permitindo que elas sejam
“queimadas”, agregando mais valor ao produto final.
A troca era feita manualmente por 4 funcionários (a
comporta original pesava em torno de 400kg) em 16 minutos e passou a ser
executada por 2 pessoas em 3 minutos. A produção dos fornos aumentou em mais de
900 mil toneladas por mês.
Olindino só soube que sua criação estava em uso nas
usinas da Vale quando foi chamado pela empresa, anos depois, para aprimorar o
sistema. A Vale reconheceu Olindino como inventor, porém a patente foi
registrada apenas no nome da empresa no Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (INPI). Desde então, Olindino busca o reconhecimento por sua
criação, comprovando a utilização e a exploração do seu invento.
A perícia, que teve de ser concluída com base em
demonstrativos públicos de resultados, apurou que os ganhos da Vale com o invento
giram em torno de US$ 5,5 bilhões até a data da entrega do laudo, em 2016. O
invento funciona na empresa há mais de duas décadas e opera até hoje em 10
usinas, sendo 9 no Espírito Santo (uma da Samarco), e uma em Omã, no Oriente
Médio.
Fonte: Veja