Câmara dos Deputados avalizará a condenação em processo no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (Foto: )
Brasília – O
Supremo Tribunal Federal (STF) foi implacável e condenou o deputado Daniel
Silveira (PTB-RJ) a 8 anos e 9 meses de prisão no regime fechado, pagamento de
multa de R$ 192,5 mil, além da perda do mandato parlamentar — punição que, para
ser efetivada, ainda precisa de aval da Câmara. Caso se confirme, o político
fluminense que exercia seu primeiro mandato terá seus direitos políticos
suspensos pelo prazo de oito anos.
Dos dois ministros da Corte indicados pelo
presidente Jair Bolsonaro (PL), apenas o ministro Kassio Nunes Marques, revisor
da ação penal, votou pela absolvição, divergindo do relator, Alexandre de
Moraes, cujo voto obteve adesão da maioria, inclusive de André Mendonça, o
outro indicado pelo presidente.
A expectativa era de que André Mendonça pediria
vistas do processo, o que acabou não acontecendo. Ele votou pela condenação,
mas a uma pena menor, de 2 anos e 4 meses no regime aberto, com multa de R$ 91
mil. O placar da condenação ficou em 10 pela condenação e apenas um contra.
A maioria culpou Silveira por dois crimes: coação
no curso do processo, que consiste em “usar de violência ou grave ameaça contra
alguma autoridade, a fim de favorecer a interesse próprio num processo judicial
ou policial”; e também por abolição violenta do Estado Democrático de Direito,
definido como “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o
Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos
poderes constitucionais”.
Ainda cabem recursos ao próprio STF contra a
condenação, chamados embargos de declaração, que são julgados pelo próprio
plenário e visam esclarecer obscuridades, contradições ou omissões da sentença.
O cumprimento da pena só é determinado quando
ocorre o trânsito em julgado, após a rejeição desses recursos. Precedentes do
STF apontam que isso ocorre após a decisão contrária aos segundos embargos de
declaração, caso todos eles sejam julgados totalmente improcedentes e
considerados protelatórios, que buscam apenas arrastar o processo. Só depois
disso, a Câmara é comunicada para votar a perda do mandato.
A decisão desta quarta, pela condenação, já poderá
enquadrar Silveira na Lei da Ficha Limpa, o que frustra seus planos de
candidatar-se ao Senado neste ano. Se tentar registrar sua candidatura, em
agosto, a Justiça Eleitoral poderá declarar a sua inelegibilidade.
Para condenar Silveira, o entendimento da maioria
foi de que as declarações do deputado, em vídeos publicados entre 2020 e 2021
nas redes sociais, tiveram por objetivo intimidar os ministros, uma vez que
Silveira já era investigado na Corte por “atos antidemocráticos” no chamado
“inquérito do fim do mundo”, apelido dado pelo então ministro do STF Marco
Aurélio Mello.
A defesa pediu a absolvição no processo, alegando
que não havia uma ameaça concreta, porque Silveira nunca foi nem esperava ser
favorecido por causa de suas declarações, que incluíam insultos, imputação de
crimes e defesa da cassação dos ministros.
O implacável Alexandre de Moraes
Em seu voto, Alexandre de Moraes destacou várias
falas de Silveira, especialmente uma em que ele dizia querer “que o povo entre
dentro do STF, agarre o Alexandre de Moraes pelo colarinho dele, sacuda aquela
cabeça de ovo dele e jogue dentro de uma lixeira”.
Para o ministro, ao contrário do que alegou a
defesa, declarações como essas não seriam “jocosas”, “críticas” ou de
“desabafo”, mas seriam criminosas por conterem ameaças.
“A liberdade de expressão existe para manifestação
de opiniões contrárias, jocosas, sátiras, para opiniões errôneas, mas não para
opiniões criminosas, discurso de ódio, atentado ao Estado Democrático de
Direito”, disse o ministro.
Ele ainda citou, no voto, a defesa que Silveira
teria feito do AI-5, medida mais dura do regime militar que cassou ministros do
STF. “O réu citou de modo expresso a necessidade de modo expresso a necessidade
de retorno do AI-5, com a cassação de ministros da Corte, com a provocação de
uma ruptura institucional. Essa conduta é gravíssima”, afirmou.
A maioria seguiu Moraes e, em seus votos, mais
curtos, passaram recados de que manifestações violentas contra as instituições,
especialmente o STF, não podem ser admitidas pela liberdade de expressão nem
estão protegidas pela imunidade parlamentar.
“É pacifico nesta Corte e no mundo em geral que a
liberdade de expressão não é um direito absoluto e precisa ser ponderada com
outros valores e direitos constitucionais, inclusive a democracia, o
funcionamento das instituições e a honra das pessoas. E a imunidade parlamentar
como igualmente acentuou o ministro Alexandre de Moraes, não é um salvo conduto
para a prática de crimes sob pena de se transformar, o Congresso Nacional em um
esconderijo de criminosos”, afirmou Luís Roberto Barroso.
Votos divergentes de Kassio Marques e André
Mendonça
Em seu voto pela absolvição, Kassio Marques disse
que as ofensas e supostas ameaças do parlamentar contra os ministros,
divulgadas em vídeo no ano passado, não tiveram o potencial de intimidá-los,
como acusou a Procuradoria-Geral da República (PGR).
“Não se evidencia ameaça capaz de concretamente
causar mal presente, quanto mais futuro. As expressões, consideradas graves
ameaças, pretendendo hostilizar o Judiciário, jogar um ministro dentro da
lixeira, retirar um ministro na base da porrada, nada mais são que ilações,
conjecturas inverossímeis, sem eficiência e credibilidade, incapazes, portanto,
de intimidar quem quer que seja, não passando de bravatas”, disse o ministro.
Kassio Marques criticou as declarações de Silveira,
sobretudo por ser um parlamentar, “extrapolou e muito, à toda a evidência,
os limites do tolerável”. Mas disse que não passaram de bravatas.
“A lei exige que a ameaça seja capaz de causar mal
injusto e grave. De ser mal grave, sério e concretizável. O que se vê aqui são
bravatas que, de tão absurdas, jamais serão concretizadas. É certo que o que o
acusado fez é difícil de acreditar, especialmente partindo de um parlamentar
federal, de quem se espera um mínimo de postura e respeito”, disse.
André Mendonça, o terceiro a votar, divergiu de
Moraes quanto à condenação pelo crime de abolição violenta do Estado
Democrático de Direito. Trata-se de um tipo penal novo, inserido no Código
Penal no ano passado e de redação semelhante, mas não idêntica, a um crime da
extinta Lei de Segurança Nacional, pela qual Silveira havia sido denunciado.
Para Mendonça, Silveira só poderia ser condenado
por esse crime caso suas declarações efetivamente tivessem impedido ou
restringido o exercício dos poderes constitucionais, o que não ocorreu, em seu
entendimento. Por outro lado, considerou que ficou configurada a coação no
curso do processo, ainda que o deputado não tenha sido favorecido pelas
ameaças.
O que disse a defesa de Daniel Silveira?
Na sustentação oral em defesa de Daniel, o advogado
Paulo Faria disse que as falas do deputado contra os ministros da Corte eram
críticas.
“Se tratavam de críticas. Ninguém pode ser punido,
criminalizado, por ter proferido críticas. Ácidas, sim. Mas que se busque
[condenação por] calúnia, difamação e injúria. Em nenhum momento, nenhum dos
ministros procedeu a qualquer representação. É a prova de que não houve esse
exagero”, afirmou o advogado na tribuna do STF.
Ele também apontou uma série de abusos e
ilegalidades que teriam sido cometidas no processo. Ressaltou que os ministros
da Corte, como vítimas das ofensas, não poderiam assumir o papel de julgadores.
“A Constituição veda o tribunal de inquisição. Quando se viola o sistema
acusatório, viola-se a Constituição. Me estranha as vítimas serem os próprios
julgadores de quem supostamente cometeu o crime”, disse o advogado.
Ele também questionou a prisão do deputado – de
ofício, sem pedido prévio do Ministério Público ou da Polícia Federal –; seu
prolongamento por quase um mês e depois sua renovação – o próprio STF já
afirmou que não cabe prisão preventiva de parlamentares; e ainda a imposição de
tornozeleira eletrônica sem aval da Câmara.
Em relação às falas de Daniel Silveira, o advogado
também disse que eram jocosas e, por isso, não poderiam ser punidas. “Todas as
pessoas que falam besteira, chamando o presidente de genocida com vídeos na
internet, devem ser presas? Não. Não, porque é liberdade de expressão”, disse
Paulo Faria.
O que afirmou a PGR?
Antes da defesa e representando a PGR, a
subprocuradora Lindôra Araújo pediu a condenação, solicitando a substituição do
crime denunciado, da extinta Lei de Segurança Nacional, pelo crime de abolição
do Estado Democrático de Direito.
Durante sua sustentação, ela também argumentou que
as falas de Daniel Silveira não estão abarcadas pela imunidade parlamentar,
prerrogativa prevista na Constituição que diz que “deputados e senadores são
invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e
votos”.
Lindôra disse que um discurso que incentiva e
instiga à violência, “atingindo membros de instituições essenciais ao funcionamento
do Estado, não encontra amparo constitucional”.
“A Constituição, com efeito, exclui do circuito
constitucional e deslegitima condutas e discursos que, apostando na violência
ou na grave ameaça, substituem o método democrático de regular desenvolvimento
da política constitucional por um modus operandi contrário à dignidade do ser
humano e à sua integridade física e ou moral”, disse a subprocuradora.
Reportagem: Val-André
Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em
Brasília.
Ze Dudu