Diferentes interpretações são a tônica do debate sobre o caso específico (Foto: )
Brasília – A partir
do conceito de inelegibilidade, o termo que define quando um candidato não tem
condições de ser eleito, trata-se do estado jurídico negativo de quem não
possui elegibilidade, seja porque nunca a teve, seja porque a perdeu. Juristas
manifestam interpretações contra e a favor em relação à situação política do
deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) a quase nove anos de prisão em regime fechado, seguido do perdão
presidencial de Jair Bolsonaro (PL).
Pelo ineditismo da situação, de concreto, as
opiniões dos especialistas são contraditórias, mesmo com a revogação da pena, a
eventual candidatura de Daniel Silveira ao Senado pelo Rio de Janeiro pode não
ser viabilizada. Após a concessão do perdão por parte do presidente Jair
Bolsonaro na última quarta-feira (20), ainda restam dúvidas quanto à
possibilidade legal de o parlamentar se candidatar a algum cargo eletivo nas
eleições deste ano.
Além da prisão, a Corte havia decidido pela
cassação do mandato e pela suspensão dos direitos políticos de Silveira
enquanto durassem os efeitos da pena. A medida tornaria o deputado, que almeja
uma vaga ao Senado, impedido de disputar um cargo eletivo. De acordo com
Bolsonaro, o perdão concedido a Daniel Silveira abarca não apenas as penas
privativas de liberdade, mas também as penas restritivas de direitos, o que
garantiria a manutenção dos direitos políticos e de elegibilidade do deputado.
Mas alguns juristas entendem que existem brechas na lei para que apenas a
prisão de Silveira seja revogada com o indulto, e não esses direitos
secundários.
Na quinta-feira (21), horas após o anúncio de
Bolsonaro sobre o indulto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG),
afirmou que o perdão concedido não pode ser revogado pelo Congresso Nacional,
mas que a inelegibilidade de Silveira seria mantida.
O caso não é usual – ainda não há clareza a
respeito de todos os efeitos do indulto, em especial quanto à elegibilidade de
Silveira. O único consenso, no entanto, entende que quem dará a palavra final
sobre o caso é o próprio STF e não a Câmara dos Deputados.
Há duas situações jurídicas que podem inviabilizar
uma eventual candidatura de Daniel Silveira: a primeira é a inelegibilidade –
na qual o cidadão pode votar, mas não pode ser candidato a cargos eletivos –,
que deriva da Lei da Ficha Limpa. Essa medida prevê que a pessoa condenada fica
inelegível a partir da data do julgamento. De acordo com ela, Silveira já
estaria impossibilitado de disputar um cargo eletivo a partir de 20 de abril,
data em que o STF o condenou.
Entretanto, na opinião de alguns juristas, a Lei da
Ficha Limpa não prevê condição de inelegibilidade para o caso de condenação
penal nos crimes pelos quais o deputado foi julgado.
A segunda situação é a suspensão dos direitos
políticos, prevista no artigo 15º da Constituição Federal, que ocorre depois de
a decisão judicial ter transitado em julgado. Ao perder os direitos políticos,
o cidadão não pode votar nem se candidatar a cargos eletivos. No caso de
Silveira, ele perderia os direitos políticos somente após se esgotarem os
recursos da defesa e a decisão ter transitado em julgado.
Apesar das diferenças entre as duas situações,
ambas configuram a impossibilidade da candidatura a cargos políticos. Apesar de
Bolsonaro ter declarado que a graça constitucional garantiria a manutenção dos
direitos políticos do deputado – e, anulando a condenação, também evitaria a
inelegibilidade –, há a chance de que o decreto seja incapaz de garantir a
possibilidade do parlamentar se candidatar.
Na opinião do advogado Dário Júnior, doutor em
Direito Processual, há duas súmulas: uma do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e
outra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que divergem entre si quanto aos
efeitos do indulto em relação aos direitos políticos. A Súmula 9, do TSE,
determina que a “suspensão de direitos políticos decorrente de condenação
criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena” –
e, portanto, prevê que Silveira pode se manter apto à disputa de cargos
eletivos. Já a Súmula 631, do STJ, aponta o oposto: “O indulto extingue os
efeitos primários da condenação, mas não atinge os efeitos secundários, penais
ou extrapenais”. Na prática, de acordo com o tribunal, como a suspensão dos
direitos políticos se trata de efeito extrapenal, não está abarcada no alcance
do indulto presidencial.
“Há um conflito entre essas duas súmulas. A questão
do direito político é que é um direito fundamental, e a tendência é a pessoa
indultada recuperar os direitos de votar e de ser votado. Mas, em se tratando
de STF, sabemos que a Corte sempre pode adotar um contorcionismo jurídico,”
explica.
O advogado Alberto Rollo, especialista em Direito
Eleitoral, diz que são inconstitucionais os aspectos relacionados aos direitos
políticos de Daniel Silveira presentes no indulto de Bolsonaro. Conforme
explica o jurista, além da Súmula 631, do STJ, pesa o fato de o Supremo ter
decidido, em julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa, que a inelegibilidade não é
configurada como pena ou sanção. “Então se não é um nem outro, não é possível
indultar ou perdoar aquilo que não é pena nem sanção. Dessa maneira, entendo
que permanece a inelegibilidade,” afirma.
Na avaliação de Douglas Lima Goulart, especialista
em Direito, independentemente do indulto presidencial, os aspectos relacionados
aos direitos políticos de Daniel Silveira deverão ser objeto de diálogo entre o
STF e o Congresso Nacional, uma vez que se trata de um efeito extrapenal.
“É provável que ocorra esse diálogo entre os
poderes, para que haja uma pacificação do tema e que, a partir daí, seja
estabelecido à Câmara o poder de votar a inelegibilidade do deputado,” diz.
“Mas estamos em um ambiente nebuloso em que o STF pode, independentemente do
posicionamento do Legislativo, entender que foi afrontado [pelo indulto presidencial]
e dobrar a aposta, declarando Daniel Silveira inelegível. Se isso ocorrer, não
tem a quem o deputado ou até mesmo o presidente da Câmara recorrer”.
No mesmo dia em que Silveira foi condenado, o
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), recorreu ao Supremo
para que o Congresso tenha o poder de decidir sobre a cassação de parlamentares
condenados pela Corte.
Por Val-André
Mutran – de Brasília