No início de abril, empresários do setor de
mineração receberam uma proposta de negócio da Vale. Em termos sigilosos, a
oferta comercial detalhava a venda de seus direitos minerários para explorar
oito áreas gigantescas de manganês na região de Marabá, no Pará. Na carta
enviada por e-mail a potenciais compradores, a Vale narrava o potencial de exploração
de mais de mais de 12 mil hectares com abundância do minério que é usado para
produção de aço. Mas deixava claro o seguinte: o comprador terá de assumir todo
e qualquer passivo ambiental da área, sejam estes danos “existentes e futuros,
conhecidos ou não”
A Vale defendeu as “mineralizações promissoras” do
que batizou de “Projeto Buriti”, mas tratou de incluir em suas explicações que
“a área foi invadida por terceiros”.
Por meio dos processos minerários, a reportagem
mapeou exatamente as oito áreas que a Vale quer vender.
Exploração ilegal de manganês em região onde Vale
tem direito de extração Foto: Google Earth
Imagens dessas áreas, obtidas via satélite, mostram
que, apesar de a Vale nunca as ter explorado, mantendo apenas a exclusividade
desse direito, a retirada ilegal do manganês é intensa. São atividades
industriais e de grande porte que, sustentadas por maquinário pesado e por
centenas de caminhões, retiram milhares de toneladas de minério todos os dias
da região, em plena luz do dia, sem nenhum tipo de embaraço.
Fonte: GOOGLE EARTH
Dona desses direitos de exploração há mais de 20
anos, a Vale viu seu “Projeto Buriti” se transformar, na prática, em um enorme
passivo financeiro. Agora, decidiu vender esses ativos, que podem gerar uma
conta ambiental difícil de calcular.
A Vale pediu aos potenciais interessados no negócio
que apresentassem suas propostas de compra até esta semana. No material ao qual
a reportagem teve acesso, a própria mineradora confirma que a área foi invadida
e que “vem sendo objeto de lavra clandestina desde 2014”.
Em relação às ações criminosas, a empresa alega
que, “ao longo dos últimos anos, tomou conhecimento da existência de lavra
ilegal em área de direitos minerários da empresa”. E informou que tem
apresentado denúncias à Agência Nacional de Mineração (ANM) e à Polícia Federal
há oito anos, mas que, até hoje, não tem “logrado êxito na desocupação da área”
e não conseguiu que “fossem interrompidas em definitivo as atividades de lavra
ilegal no local por parte dos invasores”.
Por não ser a dona da terra, mas sim do direito de
extrair o minério, a Vale alegou que “sequer tem acesso ao local ou
legitimidade para retirar eventuais invasores”. Por isso, informou que
“promoveu denúncias junto aos órgãos competentes, municiando-os das informações
de que dispunha a fim de contribuir para a apuração e fechamento das atividades
clandestinas”.
A ANM confirmou que as áreas, apesar das atividades
criminosas e industriais que dominam a região, ainda não são locais de exploração
legal de manganês, porque estão ainda na fase de requerimento de concessão de
lavra, ou seja, essas áreas não possuem o direito de serem exploradas, porque
dependem de vários passos, como a aprovação de um plano de aproveitamento
econômico, de licença ambiental e da outorga da concessão de lavra, que é
concedida pelo Ministério de Minas e Energia.
Questionada sobre que medidas tomou a respeito das
invasões, a ANM declarou que “tem trabalhado no combate à lavra ilegal nas
áreas de Vila União e Sereno”, seja por “operações de fiscalização nas minas,
seja na comercialização do minério de manganês, nos portos e áreas lindeiras”.
Segundo a agência, essas operações se concentraram
em 2020 e 2021, envolvendo as Forças Armadas, Polícia Federal e o Ministério
Público Federal.
O procurador da República Igor Lima, que atua em
Marabá, declarou que “o MPF segue articulando operações policiais com os órgãos
de segurança pública para coibir a extração ilegal de minério, bem como
oferecendo as ações judiciais e denúncias referentes aos crimes de usurpação
mineral”.
Esquemas fraudulentos
A exportação de manganês, insumo que alimenta a
produção mundial do aço e toda a indústria siderúrgica, tem sido marcada por
esquemas fraudulentos montados para driblar órgãos de controle.
Com o uso de notas fiscais frias, empresas omitem
os verdadeiros locais de onde retiram milhares de toneladas do minério,
promovendo saques em unidades de conservação florestal, terras indígenas e até
áreas de concessões privadas. Para trás, deixam um rastro de destruição
ambiental e prejuízos bilionários.
Municípios como Parauapebas, Curionópolis e Marabá,
na região Sudeste do Estado, são o epicentro deste mercado clandestino, em uma
marcada pelo desmatamento ilegal, garimpo e grilagem de terras. O plano consiste
em utilizar, sistematicamente, documentos de extração emitidos em outros
Estados, onde sequer há minas com atividades de exploração, para camuflar a
verdadeira origem do material extraído.
Fonte: Estadão
Com informações Ze Dudu