Deputados federais prometem votação da nova PEC da Reforma Tributária após o recesso, mesmo em ano eleitoral. Foto: Ilustração (Foto: )
Brasília – Poder do
lobby? Despreparo dos congressistas? Síndrome do vira-latas? Falta de vergonha
na cara? Se todas as respostas para as perguntas acima forem positivas, ainda
assim, o eleitor brasileiro não conseguirá chegar à causa real do porquê o
Congresso Nacional, há 31 anos, não consegue cumprir com sua obrigação e
entregar ao povo brasileiro uma reforma tributária que tire o país das amarras
do atraso tributário em comparação com países mais desenvolvidos.
Em três décadas, apenas 5% de todas as quase 5.000
proposições legislativas em matéria tributária apresentadas à Câmara caminharam
no sentido de deixar o regime mais progressivo — o que tornaria a cobrança de
tributos menos pesada para os mais pobres. Um sistema tributário como o atual é
garantia de prejuízos para todos os lados do balcão.
O manicômio tributário em que se transformou a
matéria é um perde-perde. Todos perdem. Nesse ambiente tóxico, a nota técnica “Políticas Públicas, Cidades e Desigualdades”,
série de publicações científicas do Centro
de Estudos da Metrópole (CEM), formulada
pelo Centro
de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid)
financiado pela Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),
ajuda a entender o que se passa durante todo esse período.
A elaboração do relatório teve apoio da
instituição Samambaia
Filantropias, organização sem fins lucrativos com o objetivo de
promover liberdades e prosperidade econômica sustentável no Brasil. O tink tank é
mantenedor da República.org,
instituto 100% dedicado ao reconhecimento e promoção de excelência no serviço
público brasileiro.
Os resultados do estudo conduzido por Eduardo
Lazzari e Rodrigo Mahlmeister, pesquisadores do CEM, e da professora Marta
Arretche, uma das pesquisadoras principais do CEM são esclarecedores.
Resultados
O grupo avaliou propostas dos congressistas de 1989
a 2020 e descobriu que o tema é de grande interesse da Casa Baixa. Neste
período, 4.841 proposições legislativas —projetos de lei, projetos de lei
complementar, medidas provisórias ou propostas de emenda à Constituição — que
tratam de assuntos tributários foram submetidas à Câmara. “Essa cifra
representa média de 154 proposições por ano, o que está longe de caracterizar
baixa prioridade parlamentar a este tipo de matéria”, dizem.
No entanto, só 5% de todas as proposições
legislativas em matéria tributária apresentadas à Casa no período podem ser
classificadas como progressivas. “A regressividade do sistema tributário
brasileiro não pode ser atribuída à omissão do Congresso e, sim, às preferências
dominantes. O comportamento parlamentar padrão na política tributária não visa
a reformar a regressividade do sistema tributário brasileiro”, destacam.
O modelo regressivo, hoje em vigor, baseia-se na
criação e existência de mais tributos indiretos, como o que incide sobre o
consumo de bens e serviços. Um exemplo de tributo indireto é o ICMS (Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Já no sistema progressivo os
tributos são diretos, recaindo sobre o rendimento e a propriedade — caso, por
exemplo, do IR (Imposto de Renda).
Benefícios para
grupos específicos
Segundo o estudo, a principal preferência dos
congressistas ao fazer proposições na área tributária é a concessão de novos
benefícios fiscais, que se destinam a beneficiar grupos específicos. Das 4.841
proposições legislativas em matéria tributária apresentadas à Câmara no
período, 67,2% criavam despesa dedutível no Imposto de Renda, uma isenção no
mesmo imposto, isenção no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) ou
ainda um regime especial, beneficiando grupos específicos em 2 ou mais
tributos. “Em outras palavras, de cada 100 projetos na política tributária, 67
buscam criar uma norma que reduz a tributação para algum grupo por meio de um
benefício”, afirmam.Além disso, os números levantados indicam que os
congressistas das regiões mais pobres priorizam regimes especiais, ao passo que
os das áreas mais prósperas priorizam deduções do IR. A análise geográfica
mostra que, de forma geral, as bancadas de todas as regiões apresentam patamar
baixo de proposições progressivas, mas os deputados da região Nordeste
submeteram número maior, enquanto as regiões Sul e Norte apresentaram taxa
inferior à média.
Nova PEC da
Reforma Tributária
Convencidos que a situação é insustentável, a
Câmara dos Deputados criou mais uma comissão especial que analisa a proposta de
reforma tributária. Desta feita, o projeto de emenda constitucional (PEC nº 7/2020) cumpre a fase
audiências públicas e a relatora, deputada Bia Kicis (PL-DF) e sua assessoria
coleta as contribuições para a elaboração do texto que vai a votação em
Plenário.
A proposta altera, muda todo o sistema tributário
brasileiro para criar apenas três classes de impostos (sobre renda, consumo e
propriedade), que poderão ser cobrados, ao mesmo tempo, por União, estados,
Distrito Federal e municípios.
A comissão especial é presidida pelo deputado
federal Joaquim Passarinho (PL-PA), que analisa a PEC de autoria do deputado
Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), que se inspirou no modelo
norte-americano, onde os estados e municípios têm autonomia para instituir a
classe de tributos que acharem mais conveniente, de acordo com as necessidades dos
serviços locais.
Entre outros pontos, o texto determina a extinção
de praticamente todos os tributos atuais, como ICMS e IPVA (estaduais), ISS e
IPTU (municipais) e IPI, PIS/Pasep e Cofins (federais).Também deixariam de ser
cobrados imposto sobre exportações, contribuições previdenciárias sobre folha
de pagamentos, salário-educação e contribuições de intervenção no domínio
econômico (as Cides). Além disso, as contribuições ao Sistema S (como Senai e
Senac) passariam a ter natureza voluntária.
No lugar deles, a PEC institui três bases de
incidência (renda, consumo e propriedade), que poderão ser cobrados
indistintamente pelas três esferas administrativas. Hoje, a União tributa
majoritariamente a renda das pessoas físicas e jurídicas. Os estados tributam a
circulação de mercadorias e os municípios, os serviços.
Conforme a PEC estabelece, estados e municípios
poderão criar seus impostos sobre renda e patrimônio na forma de um adicional
do imposto federal, delegando sua cobrança ao fisco federal.
Para evitar o “efeito cascata”, o imposto sobre o
consumo será cobrado apenas na etapa de venda ao consumidor final no estado de
destino da mercadoria. Acabariam a cobrança do tributo nas operações entre
empresas e a utilização da substituição tributária (em que uma empresa paga
pelo restante da cadeia produtiva).
Vantagem
Orleans e Bragança afirma que o modelo
norte-americano tem a vantagem de deixar nas mãos de cada ente federativo a
decisão sobre a forma mais eficiente de tributação conforme sua estrutura
econômica e social.
“Alguns estados dependem mais de tributos sobre a
renda, outros dependem de tributos sobre a propriedade e outros de tributos
sobre consumo e outros arrecadam sobre os três itens. Cada estado equilibra
suas contas como bem entender”, disse.
Para o deputado, as mudanças propostas reduzem a
burocracia para os contribuintes, tornam a tributação mais transparente e dão
ao cidadão maior poder de decisão sobre os tributos. Ele defende que a opção
pelo sistema norte-americano é superior às propostas de reforma tributária em
discussão no Congresso Nacional, que não reduzem a complexidade do sistema
atual e mantêm a carga tributária elevada.
Reportagem: Val-André
Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em
Brasília.
ZE DUDU