Depois de
anunciada a construção de uma nova ponte rodoferroviária sobre o Rio Tocantins,
em Marabá, no valor de R$ 4,1 bilhões, vários proprietários de áreas às
proximidades das duas cabeceiras abriram os olhos para buscar uma possível
indenização.
Um deles,
de olho nessa possibilidade, conseguiu a façanha de regularizar uma área de
tamanho expressivo no apagar das luzes de 2022 junto ao Incra (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária), tendo o processo tramitado em todos
os setores da Superintendência do órgão fundiário de Marabá no prazo recorde de
menos de uma semana. No dia 9 de janeiro deste ano já havia sido concedida a
titulação do imóvel.
A área, de
21,8288 hectares, ou seja, o tamanho de 21 campos de futebol, está localizada
entre a ponte atual e a futura, a 300 metros dali e pertenceria à Prefeitura de
Marabá, por doação do governo estadual ainda na década de 1970. Esta, por sua
vez, estava em tratativas para conceder Permissão de Uso Administrativa do
imóvel para a mineradora Vale, com vistas à construção dos acessos à nova ponte
rodoferroviária, inclusive com contrapartida que seria a construção de um Pronto
Socorro Municipal.
Tão logo o
conflito se instalou, por meio de manifestação da família de Maria Divina da
Silva, paralisando as obras da Vale no local em agosto de 2022, a
Superintendência de Desenvolvimento Urbano (SDU) da Prefeitura de Marabá ingressou
com um pedido de cancelamento da matrícula na Justiça Federal, mostrando todos
os documentos que possuía e o repasse da área pelo governo do Estado ao
município de Marabá há várias décadas para formação do Bairro São Félix.
A SDU pediu
à Justiça Federal o bloqueio da matrícula imobiliária nº 62.142, para evitar
quaisquer transferências ou averbações sobre a área, denominada junto ao Incra
de Chácara São Francisco.
O primeiro
fato que chamou a atenção é que a área está situada no perímetro urbano municipal,
portanto não deveria ser titulada pelo Incra, mas sim pelo município.
A ação da
Prefeitura de Marabá foi analisada pelo juiz federal Heitor Moura Gomes, que
concedeu liminar, determinando o imediato bloqueio da matrícula do imóvel para
evitar transferências ou averbações pelo prazo de dez anos, até que a situação
seja analisada adequadamente pela justiça.
O
magistrado disse o seguinte em sua decisão: “Com relação ao motivo do
deferimento da liminar, deve-se deferi-la porque há indícios de irregularidade
na titulação da área. Isso porque o imóvel se encontra localizado no perímetro
urbano do Município de Marabá, criado pela Lei Municipal n. 6.848/85, alterada
pela Lei Municipal de n. 17.358/2009. As fotos do Laudo Fundiário de
Levantamento de Áreas não dão margem à dúvida quanto a isso, apresentado, na
imagem de satélite, o perímetro urbano do município e a localização do imóvel
no interior desse perímetro.
A
localização da área dentro do polígono urbano municipal levanta a questão de
saber sobre a origem do terreno, a fim de poder averiguar o porquê o imóvel foi
titulado pelo INCRA, como se originalmente pertencesse à União ou à autarquia,
quando parece pertencer ao Município de Marabá, a fim de justificar a
legitimidade da outorga a Maria Divina”.
Também
chamou a atenção do juiz federal o fato de que as evidências alegadas pela
Prefeitura de Marabá apontam para o fato de que o imóvel onde está situada a
Chácara São Francisco pertenceria ao município de Marabá, o que justifica a
discussão judicial sobre a regularidade ou não da concessão da gleba feita pelo
INCRA.
Segundo o
laudo fundiário acostado à ação judicial, que usou imagens de satélite focadas
sobre a área da chácara, não existem vestígios de ocupação até 2014,
captando-se imagens de edificações apenas em 2016, porém apenas uns poucos
barracos, não havendo identificação de benfeitorias, pastagens, cercas ou
tapumes que justificassem a titulação agrária, pelo INCRA, a quem estivesse
exercendo posse agrícola.
“Além
disso, as imagens de satélite informam que, em 2017, não existiam mais
edificações no local, permanecendo sem edificações até os dias de hoje, sem
nenhum tipo de benfeitoria ou indícios de cultivo da área para fins agrícolas.
Observa-se, ainda, que parte da área da chácara é de preservação permanente e
parte constitui área de alagamento, não havendo evidências de exercício de
posse ou detenção por algum indivíduo em específico ao longo dos anos. Em
síntese, tem-se uma área inserida no perímetro urbano de Marabá e sem
evidências de posse ou detenção por ninguém ao longo de mais de 10 anos,
período de tempo mais que suficiente para o INCRA, que atua na região por
décadas, concedendo títulos de áreas destinadas à reforma agrária, ter
assentado agricultor ou posseiro que refletisse as condições de cliente da
reforma agrária, o que não aconteceu, salvo, agora, recentemente, após
declaração de utilidade pública de parte da área dentro da chácara para
implementação das obras destinadas à duplicação da ferrovia e da ponte sobre o
Rio Tocantins”, analisa o magistrado.