
Recenseador coleta dados de uma moradora para o Censo 2022 (Foto: )
Brasília – Como era previsto, é
quase certa a avalanche de ações judiciais que serão apresentadas por estados e
municípios que contestarão os dados, principalmente os populacionais, após a
divulgação, na semana passada, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), dos dados do Censo 2022.
Diante das
contestações que virão, o IBGE está estruturando uma estratégia para convalidar
o trabalho, que teve idas e vindas e percalços além do protocolo desse tipo de
empreitada num país de dimensões continentais como o Brasil.
A primeira
das ações do IBGE para tentar mitigar a judicialização dos dados do Censo 2022,
veio nesta segunda-feira (3) na forma de um comunicado, no qual confirmou que
especialistas externos vão concluir em breve um parecer sobre “esforços
técnicos, práticos e metodológicos empenhados pelo IBGE desde o início da
coleta censitária, bem como sobre a confiabilidade dos dados”.
A
divulgação desse relatório foi anunciada pela primeira vez em 16 de maio, com
previsão de conclusão em 30 dias. O documento, segundo o instituto, terá a
chancela do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), que é a agência de
desenvolvimento da ONU que cuida de estudos populacionais.
O grupo de
especialistas externos do Censo 2022 é formado por demógrafos e estatísticos,
alguns deles que já são parte da Comissão Consultiva do Censo. Com a
iniciativa, o IBGE busca apoio para a validação dos resultados do Censo
Demográfico, cujo período de coleta durou dez meses — antes os três meses
tradicionais de uma operação censitária.
Na época, o
presidente interino do IBGE afirmou: “Não basta dizer que nosso trabalho está
correto, a gente tem que provar que está correto”.
No
comunicado divulgado nesta segunda-feira o IBGE ressalta, ainda, que será
divulgada também em breve a Pesquisa de Pós-Enumeração (PPE), feita junto com a
coleta do Censo. Esta pesquisa faz uma espécie de “revisão” dos dados do Censo,
ao selecionar uma amostra dos setores censitários do Censo para avaliar a
cobertura e a qualidade dos dados.
“A despeito
de dificuldades e percalços — administrados com transparência inédita,
permitindo, inclusive, que os problemas fossem enxergados também de forma
inédita —, o IBGE, do alto de sua reputação, está entregando à sociedade um
Censo com qualidade e confiabilidade indiscutíveis. Sem dúvida, trata-se do
Censo mais tecnológico e com maior monitoramento e análise em tempo real da
História dos Censos, realizados há 150 anos no Brasil”, afirmou o IBGE na
conclusão da nota divulgada nesta segunda-feira (3).
Mais municípios vão
judicializar pesquisa
Diante de
um Censo com atrasos e resultados que desagradaram gregos e troianos, a
expectativa agora, uma vez conhecida a pesquisa, é que esta edição tenha mais
ações na Justiça do que em versões anteriores, dizem especialistas. As medidas
judiciais devem partir de municípios interessados em contestar os dados, uma
vez que o número de habitantes de todas as 5.570 cidades do país é usado como
parâmetro para distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos
Municípios (FPM). É considerável a quantidade de municípios que vivem quase que
exclusivamente dependentes dos repasses do FPM.
Quem tem
mais habitantes recebe mais recursos do fundo, distribuídos pela União. É comum
que prefeituras contestem o dado na Justiça, mas isso deve ser mais intenso
dessa vez, segundo o ex-presidente do IBGE Eduardo Rios Neto e o demógrafo José
Eustáquio Diniz Alves, em comentários a diversos veículos da imprensa.
O próprio
presidente interino do IBGE, Cimar Azeredo, admitiu a possibilidade de
contestação judicial: “Toda vez que divulgamos o Censo tem esse questionamento”
afirmou. “Esse modelo de distribuição do FPM não é bom para o IBGE porque cria
animosidade entre prefeitos e o instituto. O prefeito não quer perder população
porque perde um pedaço do bolo do FPM”, acrescentou. “O IBGE tem que conviver
com isso, acatando decisões judiciais como sempre fez”, afirmou. “Que a gente
vai ser questionado não tenho dúvidas.”
É possível
que, no caso do Censo de 2022, o ritmo de judicializações seja maior, admitiu
Rios Neto. Isso porque o número projetado pelo IBGE para a população do país,
antes do Censo, veio bem distante do oficial anunciado. Ao término de 2022, o
IBGE divulgou estimativa de 207,8 milhões. Mas o número oficial divulgado na
quarta-feira (28) foi de 203 milhões.
“Pode [ter
mais judicialização]. Mas aí acho que o culpado não é o Censo, é a projeção”
afirmou Rios Neto. “Pode haver ainda algum questionamento, e eu acho que haverá
por parte dos municípios”, acrescentou. “Mas eu sou demógrafo. Eu sei que a
fecundidade está caindo no mundo inteiro. Isso é lógica”, disse o ex-presidente
do IBGE. “Eu sou muito simpático ao municipalismo. Mas o prefeito não pode ir
contra a tendência demográfica do mundo inteiro.”
O
pesquisador voltou a frisar que projeções de habitantes por municípios veiculadas
anteriormente pelo IBGE, e nas quais as cidades se baseavam para cálculo do FPM
antes do Censo eram estimativas e “a ciência não é exata”. “O Brasil tende a
judicializar o incerto como certo”, afirmou.
Algumas
diferenças populacionais nos municípios, entre projeções e contagem oficial,
foram expressivas, completou Diniz Alves. “Veja o caso de São Gonçalo”,
afirmou. Ele disse que a cidade da região metropolitana do estado do Rio de
Janeiro tinha cerca de 999 mil habitantes no Censo 2010 e as estimativas eram
de que poderia chegar a 1,1 milhão. “Agora o Censo mostrou a cidade com 896 mil
habitantes”, disse. Ele não descartou a possibilidade de ter ocorrido o mesmo
com outros municípios.
A
Confederação Nacional de Municípios (CNM) tem sido muito demandada pelos
prefeitos logo após a divulgação dos números do Censo. A entidade disse que
ainda analisa os dados e vai se pronunciar de maneira mais propositiva nesta
semana. Em janeiro, a entidade orientou as prefeituras a entrarem com ações na
Justiça Federal questionando o número de habitantes por cidades estimado pelo
instituto.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.