Projeto Salobo – Vale ampliou produção de cobre concentrado com implantação do Salobo III. Mas rejeita a ideia de que esteja devendo os municípios (Foto: )
Investigações
de comissões parlamentares de inquérito no Pará constataram que a mineradora
Vale vendeu ouro para fora do Brasil sem pagar royalties por pelo menos dez
anos. O minério, segundo as CPIs, foi extraído de duas minas de cobre
exploradas pela empresa nos municípios de Canaã dos Carajás e Marabá, no
sudeste paraense.
De acordo
com as CPIs, a empresa deixou de pagar R$ 446,7 milhões referentes à CFEM
(Compensação Financeira pela Exploração Mineral) pela exploração de ouro não contabilizada
nas duas cidades. A mineradora nega irregularidades.
CFEM é o
tributo conhecido como royalty da mineração. É cobrado pela ANM (Agência
Nacional de Mineração), órgão federal que regula o setor no Brasil, e as
receitas são divididas entre a União, o estado onde ocorre a exploração e os
municípios onde estão situadas as minas. A maior parte das receitas da CFEM
fica com os municípios.
As CPIs do
Pará também calculam que a omissão das vendas do ouro pela Vale resultou numa
diferença de R$ 20 bilhões na balança comercial brasileira.
As
informações foram levantadas pela CPI da Vale, da Assembleia Legislativa do
Pará, e pela CPI do Salobo, da Câmara dos Vereadores de Marabá. Salobo é o nome
da mina de cobre explorada pela Vale em Marabá. A mina de Canaã dos Carajás se
chama Sossego.
A CPI da
Assembleia Legislativa concluiu os trabalhos em maio deste ano. A CPI de Marabá
foi instalada em novembro de 2021 e teve os trabalhos prorrogados até dezembro
deste ano.
Procurada
pelo UOL, a Vale disse que “efetua regularmente o recolhimento dos tributos e
impostos” e paga os impostos “de acordo com a legislação específica do tema”
(mais sobre isso abaixo).
Já a ANM
disse ao UOL que “desconhece a situação”. “Existem diversos processos de
cobrança de CFEM no âmbito administrativo tendo como polo passivo a Vale”, mas
nenhum trata da exploração de ouro em Marabá e Canaã dos Carajás, disse a
agência.
Contas
Para chegar
a essas conclusões, a CPI da Assembleia, contratou a consultoria MC Consultoria
Empresarial para analisar os relatórios de produção, os balanços financeiros e
as informações prestadas pela mineradora ao Siscomex (Sistema Integrado de
Comércio Exterior da Receita Federal)
Segundo
esse estudo, ao qual o UOL teve acesso, a empresa declarou a exploração e venda
de ouro em seus balanços, mas não em seus relatórios de produção. Para fins
fiscais, o ouro foi registrado como “subproduto do cobre”, conclui relatório
parcial da CPI do Salobo, da Câmara de Marabá, ao qual o UOL também teve
acesso.
Os mais de
R$ 400 milhões que os vereadores de Marabá acusam a Vale de não ter pagado são
o resultado da conta feita pelos integrantes da CPI. Para chegar ao valor, eles
consideraram a cotação do ouro no mercado financeiro, caso o ouro não tivesse
sido registrado como “subproduto do cobre”.
Imposto provável
Para chegar
à “CFEM provável” que os vereadores acusam a Vale de dever, a CPI de Marabá fez
contas a partir das informações enviadas pela CPI da Assembleia Legislativa do
Pará.
De acordo
com o relatório parcial da CPI de Marabá, a empresa extraiu 7,7 milhões de
toneladas de cobre de Sossego e Salobo entre 2012 e 2022. O equivalente a R$
65,4 bilhões, sobre os quais pagou R$ 1,2 bilhão de CFEM.
No mesmo
período, a Vale produziu 93,2 toneladas de ouro cadastrados como subproduto do
cobre, conforme o balanço da empresa. Declarou R$ 832 mil como valor de venda.
Entretanto,
segundo a CPI de Marabá, o valor real desse ouro seria de R$ 320 o grama. Ou
seja, 93,2 toneladas deveriam custar R$ 29,8 bilhões.
A “CFEM provável”,
de 1,5% sobre o valor da venda do ouro, portanto, seria de R$ 446,7 milhões.
Desse
total, R$ 293,6 milhões seriam referentes à mina de Salobo, em Marabá, e R$
153,9 milhões, à mina de Sossego, em Canaã dos Carajás.
De acordo
com o relatório parcial da CPI do Salobo, enquanto o ouro “na contabilidade
final da Vale enriquece os acionistas, para o povo de Marabá é apenas
subproduto do cobre”.
“Tais
riquezas não podem passar despercebidas, pois demonstram a grandiosidade
mineral do estado do Pará, enquanto sua não declaração reduz o estado a uma
pequenez não condizente como sendo a maior província mineral em atividade no
mundo”, diz o relatório parcial da CPI do Salobo.
Discussão tributária
Para
elaborar seu relatório final, divulgado em maio de 2021, a CPI da Vale na
Assembleia Legislativa do Pará consultou todas as pendências tributárias da
Vale. E constatou que a empresa enfrentava, na época, 50 processos
administrativos e judiciais referentes à CFEM.
Em
depoimento à CPI em junho de 2021, o diretor jurídico tributário da Vale,
Octávio Bulcão, disse que existe uma discussão jurídica sobre o pagamento da
CFEM a respeito da base de cálculo sobre a qual o tributo incide. Segundo ele,
“a CFEM não tem amadurecimento jurisprudencial para pagarmos. Carregar um contencioso
não é bom, mas precisamos achar soluções dentro de uma governança”, conforme o
relatado pela CPI da Vale na Assembleia Legislativa do Pará.
No
relatório contábil entregue em abril deste ano à SEC (sigla em inglês para
Securities and Exchange Commission, órgão regulador do mercado financeiro dos
Estados Unidos), a Vale disse que enfrenta “diversos processos judiciais e
administrativos” por causa da CFEM. Essas ações discutem o equivalente a R$
9,56 bilhões, incluindo o valor principal do tributo, juros e correções.
A
assessoria de imprensa da ANM disse ao UOL que a Vale responde, hoje, a 124
processos administrativos e judiciais que tratam da cobrança de CFEM.
Mas, para
os deputados estaduais do Pará, a postura da Vale é “inaceitável”.
No relatório,
a CPI disse que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) definiu, em junho de 2007,
que a base de cálculo da CFEM é “o faturamento líquido correspondente às
‘receitas de venda do produto mineral'”, conforme manda a Lei 8.001/90,
“excluídos os tributos incidentes sobre a comercialização, bem como as despesas
de transporte e de seguro do produto mineral”, nos termos do decreto 1/1991.
A conclusão
da CPI dos deputados estaduais paraenses é que a Vale leva questões laterais à
Justiça para “procrastinar os pagamentos, utilizando-se, para tanto, dos
recursos vários e protelatórios cabíveis no ordenamento jurídico”.
Entre as
questões sobre CFEM levadas à Justiça e aos conselhos administrativos, a Vale
cita em seus relatórios discussões sobre quais gastos podem ser deduzidos do
valor total devido de royalties, como os gastos com transporte, e se deve
considerar a receita de suas subsidiárias na base de cálculo.
“Já tivemos
decisões favoráveis e desfavoráveis, e essas decisões ainda não são finais”,
disse a empresa, no documento enviado à SEC.
Outro lado
Procurada
pelo UOL para comentar as alegações das CPIs, a Vale disse que “o produto final
das minas do Sossego (Canaã dos Carajás) e Salobo (Marabá) é o concentrado de
cobre”.
Também
disse que a CFEM é paga “de acordo com a legislação específica do tema e se
baseia na precificação desse concentrado”.
A companhia
informou que prestou esclarecimentos à CPI da Assembleia do Pará e que “segue à
disposição” dos vereadores de Marabá.
Já a
Secretaria de Fazenda do Pará disse, por e-mail, não ter qualquer relação com a
cobrança de CFEM de empresas, já que o tributo é de competência federal. A
secretaria disse ainda que, “em razão do sigilo fiscal”, não pode informar se
está envolvida em algum litígio com a Vale.
As
prefeituras de Marabá e Canaã dos Carajás, onde estão as minas de cobre
exploradas pela Vale, não responderam aos pedidos de comentário do UOL até a
publicação desta reportagem.
Fonte: Uol.com.br