Foz do Rio Amazonas vista de cima. Suas águas doces entram 200 km, mar adentro, no Oceano Atlântico (Foto: The European Space Agency) (Foto: )
Brasília – Nesta sexta-feira (18),
o Ministério Público Federal (MPF) ordenou que o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negue o pedido de
reconsideração da Petrobras de conceder uma licença ambiental para perfurar a
bacia da Foz do Amazonas, no Amapá, afirmando que adotará “medidas judiciais
cabíveis” caso a recomendação não seja atendida.
Há mais de
um ano, outra decisão judicial suspendeu o andamento do projeto de construção
da Ferrovia Ferrogrão (EF-170), com 933 km de extensão, empreendimento de R$
21,5 bilhões e que ligará Sinop (MT) ao Porto de Miritituba, em Itaituba (PA).
As obras foram suspensas a pedido do MPF sob as alegações de ameaças aos povos
indígenas, risco de gerar um gatilho de desmatamento, dentre outras
justificativas.
Ao ter
ciência da ordem, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, se sente
fortalecido, uma vez que já havia indeferido este ano o pedido de licença
ambiental, alegando que a Petrobras não atendeu aos requisitos necessários para
seguir adiante com as atividades, mas a empresa disse que iria recorrer da
decisão. Até o ano passado, Rodrigo Agostinho era deputado federal da ala
fundamentalista de ambientalistas. Ele deve o cargo atual à ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, a quem segue sob qualquer condição.
A
recomendação do MPF reforça o conteúdo de um documento enviado pelo órgão
público que abordava “inconsistências” do pedido de licença da Petrobras,
incluindo “premissas equivocadas apresentadas pela empresa, que distorcem ou
reduzem as manifestações do Ibama em pareceres anteriores”. Também foi
destacada a falta de manifestação da Petrobras sobre aspectos “cruciais” para o
indeferimento da licença para a operação na bacia, disse o MPF.
A bacia da
Foz do Amazonas é parte da margem equatorial brasileira, uma ampla área do
litoral que vai do Rio Grande do Norte ao Amapá e inclui ainda as bacias
Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar, cada região com características
distintas. Toda a região é vista como uma nova fronteira exploratória de
petróleo – o novo Pré-Sal –, com grande potencial para descobertas de petróleo,
mas com enormes desafios socioambientais.
O MPF fixou
prazo de dez dias úteis para que o Ibama informe sobre o acatamento ou não da
recomendação, e disse ter encaminhado os documentos acerca das providências
adotadas no caso.
“O Ibama
também foi advertido que o desatendimento do que foi recomendado importará na
adoção das medidas judiciais cabíveis, para os fins de corrigir as ilegalidades
constatadas e promover as respectivas responsabilidades que venham a ser
configuradas,” afirmou o órgão ambiental em nota.
O
presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, disse que a empresa não pode abrir
mão de explorar o novo pré-sal na Foz do Amazonas, como estratégia para
garantir uma transição segura para a utilização de outras fontes de energia
A Petrobras
ainda não respondeu ao pedido de comentário.
AGU
Uma reviravolta pode estar prestes a acontecer, caso o parecer da
Advocacia-Geral da União (AGU) conclua que a exploração de petróleo na Foz do
Amazonas não precisa do estudo exigido pelo Ibama, que acabou por impedir uma
sondagem de perfuração de poços sedimentares para fins de pesquisa na bacia da
Foz do Amazonas, na Margem Equatorial no Norte do país, para quantificação da
existência de petróleo e gás no local. Se essa tese prosperar, estará aberta
uma disputa judicial sem estimativa de duração.
O parecer
da AGU deve usar como base uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal
(STF) que considerou não ser necessária a realização de estudos de caráter
estratégico, a chamada Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (ASS), na bacia
da Foz do Amazonas. O argumento sustenta a afirmação da ministra Marina Silva
de que um estudo dessa natureza demora vários anos para ser conclusivo, jogando
um balde de água fria nas pretensões da Petrobras e de toda uma expectativa do
povo da região, a mais pobre do país.
A ausência
do estudo foi um dos pontos apontados pelo Ibama para negar o pedido da
Petrobras para prospectar e explorar petróleo na região.
O satélite
Copernicus Sentinel-2A, nos leva para passear sobre o norte do Brasil, no dia
22 de Agosto de 2017, bem sobre o local onde, na imponente e importante Foz o
Rio Amazonas, ocorre o encontro com o Oceano Atlântico (Foto: The European Space Agency)
Onde fica a Foz do Amazonas
e qual sua importância ambiental?
A cada
segundo, o Rio Amazonas despeja milhões de litros de água doce no mar através
da sua foz. A parte final desse imenso curso de água cria habitats únicos. Ela
pode ser descrita como um emaranhado de braços d’água doce que despejam milhões
de litros de água no Oceano Atlântico, marcando o fim do caminho de quase sete
mil quilômetros do rio considerado o mais extenso do mundo.
Segundo
delimitado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), instituto
federal brasileiro dedicado à pesquisa e exploração espacial, a foz deságua
entre as ilhas do arquipélago do Marajó, no estado do Pará.
Por
segundo, cerca de 300 milhões de litros de água doce avançam para o Atlântico –
quase 20% de tudo que os rios do mundo levam para os mares – influenciando,
assim, os ecossistemas aquáticos existentes mesmo a longas distâncias da foz.
O Rio
Amazonas carrega milhões de toneladas de sedimentos e nutrientes, colhidos
durante sua trajetória, que começa nas Cordilheiras dos Andes, no Peru, onde
nasce. Por essa característica, a água do rio não se dilui imediatamente ao
chegar ao oceano, explica o INPE. Em vez disso, a combinação forma uma extensa
pluma de água barrenta que chega a quase 30 metros de profundidade e avança
quase 200 km mar adentro.
Empurrada
por ventos e correntes marinhas, a pluma pode ir até 2 mil e 300 km em direção
ao litoral, em direção às Guianas Francesa e Inglesa.
Segundo o
INPE, essa pluma exerce forte influência no aporte de nutrientes para os
ecossistemas marinhos na região. Com isso, desenvolve-se um habitat propício
para o aumento da atividade biológica de microorganismos, como algas, por
exemplo, que contribuem para o sequestro de carbono.
Essa
influência, diz o instituto, abrange mais de um milhão de quilômetros quadrados
de oceano tropical.
A Foz do Amazonas influencia
no surgimento de novas espécies de fauna e flora
O grande
aporte de água despejado pelo Amazonas também tem impacto nos processos
evolutivos de espécies do Atlântico. De acordo com um estudo publicado na
revista científica Journal of Biogeography, em agosto de 2022, a
pluma gerada pelo rio forma uma barreira fluida e porosa que separa várias
espécies de organismos marinhos encontradas no Caribe daquelas que vivem ao sul
da foz do Amazonas.
De acordo
com a pesquisa, divulgada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp), nos últimos 2,4 milhões de anos, cerca de 60 espécies de peixes
surgiram por influência da pluma, que dividiu populações únicas de uma mesma
espécie.
É o caso,
por exemplo, de uma dupla de peixes da mesma família e que contam com um
ancestral em comum, o budião-arco-íris (Scarus guacamaia) e o budião-azul
(Scarus trispinosus). O estudo indica que, uma vez separados pela pluma, eles
sofreram processos de especiação distintos. O primeiro resultou em um peixe
caribenho de pouco mais de um metro de comprimento e corpo esverdeado, enquanto
o segundo, encontrado na costa brasileira, tem uma coloração uniforme e cerca
de 90 centímetros, afirma a divulgação da Agência Fapesp.
A
Reportagem do Blog do Zé Dudu teve acesso a íntegra do estudo que está
disponível aqui (em
inglês).
Trata-se de
um estudo de peso creditando à Amazônia uma diversidade de espécies muito alta,
embora ainda pouco conhecida, distribuída em um mosaico de habitats
heterogêneos e também pouco caracterizados. Como resultado dessa complexidade
multifacetada, a Amazônia representa um grande desafio para as abordagens
geogenômicas que buscam encontrar relações causais entre a história geológica
da Terra e a diversificação biótica, incluindo o uso de dados genômicos para
resolver problemas geológicos.
O foco da
pesquisa estabelece que o desafio é ainda maior devido à necessidade de
abordagens interdisciplinares, apesar das dificuldades de trabalho
interdisciplinar, onde interpretações errôneas da literatura em campos de
pesquisa díspares podem produzir cenários irrealistas de ligações
biogeológicas.
Nesse
contexto, ainda de acordo com a pesquisa, a troca de informações e o trabalho
conjunto de geólogos e biólogos são essenciais para construir hipóteses mais
fortes e realistas sobre como o clima do passado pode ter afetado a
distribuição e a conectividade entre as populações, como a evolução das redes
de drenagem influenciou a diversificação biótica e como as características
ecológicas e as interações entre espécies atualmente definem a organização
espacial da biodiversidade e, portanto, como essa organização mudou no passado
e pode mudar no futuro.
Outro fator
identificado pelos cientistas pesquisadores é a heterogeneidade da Amazônia e
os diferentes efeitos dos processos históricos sobre suas distintas regiões e
ecossistemas devem ser mais completamente reconhecidos em biogeografia,
conservação e formulação de políticas.
Nesta
perspectiva, “fornecemos exemplos de geologia, climatológico; e informações
ecológicas relevantes para estudos de diversificação biótica na Amazônia, onde
avanços recentes (e suas limitações) podem não ser aparentes para pesquisadores
de outras áreas. Os três exemplos, que incluem as limitações dos resultados dos
modelos climáticos, a complicada evolução das drenagens dos rios; e a complexa ligação
entre as espécies e seus habitats modulados pela especialização ecológica, são
uma pequena subamostra destinada a ilustrar a urgência de abordagens
interdisciplinares mais integradas”, diz o estudo.
A Foz do Amazonas abriga um
enorme recife de corais
Na ponta
final do Amazonas, a pluma de sedimentos e a quantidade colossal de água doce
se misturando constantemente com a água salgada formando uma fauna própria,
distinta da de outras regiões do oceano. É neste local, por exemplo, que está
situado um recife de corais que ocupa quase 10 mil quilômetros quadrados da
costa.
Um estudo
brasileiro publicado em 2016 na revista Science Advances, e
divulgado pelo Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ligado
à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), descreve a descoberta de um
novo bioma de recife formado por esponjas e algas calcárias a 200 quilômetros
da foz do Amazonas. Estima-se que ele se estende por, no mínimo, 900 km da
costa, entre o Maranhão e a Guiana Francesa.
Segundo os
cientistas, os milhões de litros de água barrenta que o Amazonas despeja no
Atlântico contribuem para que o recife não seja homogêneo. Ele é marcado por
trechos de algas calcárias, corais pretos ou vermelhos, campos de esponjas
naturais, areais cobertos por algas verdes e estruturas calcárias que podem
chegar a 20 m de altura.
Além disso,
estima-se que o bioma seja repleto de espécies endêmicas, muitas das quais
ainda desconhecidas pela ciência, o que potencializa a importância ecológica do
recife.
Foz do Rio Amazonas vista do
espaço
No
espetacular registro do satélite Copernicus Sentinel-2A no dia 22 de Agosto de
2017, sobre a Região Norte do Brasil, é possível ver com detalhes o local onde
o Rio Amazonas encontra o Oceano Atlântico.
A água
carregada de sedimentos parece na cor marrom enquanto flui da parte inferior
esquerda até o oceano aberto que está na parte superior direita da imagem. As
nuvens “pipoca” são visíveis em parte da imagem, uma ocorrência comum durante a
estação de seca da Amazônia. Essas nuvens são formadas pela condensação do
vapor d’água emitido pelas plantas e árvores durante um dia ensolarado.
Ao ampliar
a foto em alta resolução, é possível identificar formas geométricas que indicam
a agricultura na região, e é possível ver também estradas lineares cortando
parte da vegetação densa que ainda permanece ali intacta (Foto: The European Space Agency)
Por Val-André Mutran – de Brasília