Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2024

Brasil
Publicada em 20/08/23 às 04:30h - 334 visualizações
Margem Equatorial: MPF ameaça com medidas legais se liberar licença para Petrobras pesquisar poços na Foz do Amazonas
Justiça interfere, novamente, em assuntos cruciais para o país

Jornal O Niquel

Foz do Rio Amazonas vista de cima. Suas águas doces entram 200 km, mar adentro, no Oceano Atlântico (Foto: The European Space Agency)  (Foto: )


Brasília – Nesta sexta-feira (18), o Ministério Público Federal (MPF) ordenou que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negue o pedido de reconsideração da Petrobras de conceder uma licença ambiental para perfurar a bacia da Foz do Amazonas, no Amapá, afirmando que adotará “medidas judiciais cabíveis” caso a recomendação não seja atendida.

Há mais de um ano, outra decisão judicial suspendeu o andamento do projeto de construção da Ferrovia Ferrogrão (EF-170), com 933 km de extensão, empreendimento de R$ 21,5 bilhões e que ligará Sinop (MT) ao Porto de Miritituba, em Itaituba (PA). As obras foram suspensas a pedido do MPF sob as alegações de ameaças aos povos indígenas, risco de gerar um gatilho de desmatamento, dentre outras justificativas.

Ao ter ciência da ordem, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, se sente fortalecido, uma vez que já havia indeferido este ano o pedido de licença ambiental, alegando que a Petrobras não atendeu aos requisitos necessários para seguir adiante com as atividades, mas a empresa disse que iria recorrer da decisão. Até o ano passado, Rodrigo Agostinho era deputado federal da ala fundamentalista de ambientalistas. Ele deve o cargo atual à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a quem segue sob qualquer condição.

A recomendação do MPF reforça o conteúdo de um documento enviado pelo órgão público que abordava “inconsistências” do pedido de licença da Petrobras, incluindo “premissas equivocadas apresentadas pela empresa, que distorcem ou reduzem as manifestações do Ibama em pareceres anteriores”. Também foi destacada a falta de manifestação da Petrobras sobre aspectos “cruciais” para o indeferimento da licença para a operação na bacia, disse o MPF.

A bacia da Foz do Amazonas é parte da margem equatorial brasileira, uma ampla área do litoral que vai do Rio Grande do Norte ao Amapá e inclui ainda as bacias Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar, cada região com características distintas. Toda a região é vista como uma nova fronteira exploratória de petróleo – o novo Pré-Sal –, com grande potencial para descobertas de petróleo, mas com enormes desafios socioambientais.

O MPF fixou prazo de dez dias úteis para que o Ibama informe sobre o acatamento ou não da recomendação, e disse ter encaminhado os documentos acerca das providências adotadas no caso.

“O Ibama também foi advertido que o desatendimento do que foi recomendado importará na adoção das medidas judiciais cabíveis, para os fins de corrigir as ilegalidades constatadas e promover as respectivas responsabilidades que venham a ser configuradas,” afirmou o órgão ambiental em nota.



O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, disse que a empresa não pode abrir mão de explorar o novo pré-sal na Foz do Amazonas, como estratégia para garantir uma transição segura para a utilização de outras fontes de energia

A Petrobras ainda não respondeu ao pedido de comentário.

AGU

Uma reviravolta pode estar prestes a acontecer, caso o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) conclua que a exploração de petróleo na Foz do Amazonas não precisa do estudo exigido pelo Ibama, que acabou por impedir uma sondagem de perfuração de poços sedimentares para fins de pesquisa na bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial no Norte do país, para quantificação da existência de petróleo e gás no local. Se essa tese prosperar, estará aberta uma disputa judicial sem estimativa de duração.

O parecer da AGU deve usar como base uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou não ser necessária a realização de estudos de caráter estratégico, a chamada Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (ASS), na bacia da Foz do Amazonas. O argumento sustenta a afirmação da ministra Marina Silva de que um estudo dessa natureza demora vários anos para ser conclusivo, jogando um balde de água fria nas pretensões da Petrobras e de toda uma expectativa do povo da região, a mais pobre do país.

A ausência do estudo foi um dos pontos apontados pelo Ibama para negar o pedido da Petrobras para prospectar e explorar petróleo na região.



O satélite Copernicus Sentinel-2A, nos leva para passear sobre o norte do Brasil, no dia 22 de Agosto de 2017, bem sobre o local onde, na imponente e importante Foz o Rio Amazonas, ocorre o encontro com o Oceano Atlântico (Foto: The European Space Agency)

Onde fica a Foz do Amazonas e qual sua importância ambiental?

A cada segundo, o Rio Amazonas despeja milhões de litros de água doce no mar através da sua foz. A parte final desse imenso curso de água cria habitats únicos. Ela pode ser descrita como um emaranhado de braços d’água doce que despejam milhões de litros de água no Oceano Atlântico, marcando o fim do caminho de quase sete mil quilômetros do rio considerado o mais extenso do mundo.

Segundo delimitado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), instituto federal brasileiro dedicado à pesquisa e exploração espacial, a foz deságua entre as ilhas do arquipélago do Marajó, no estado do Pará.

Por segundo, cerca de 300 milhões de litros de água doce avançam para o Atlântico – quase 20% de tudo que os rios do mundo levam para os mares – influenciando, assim, os ecossistemas aquáticos existentes mesmo a longas distâncias da foz.

O Rio Amazonas carrega milhões de toneladas de sedimentos e nutrientes, colhidos durante sua trajetória, que começa nas Cordilheiras dos Andes, no Peru, onde nasce. Por essa característica, a água do rio não se dilui imediatamente ao chegar ao oceano, explica o INPE. Em vez disso, a combinação forma uma extensa pluma de água barrenta que chega a quase 30 metros de profundidade e avança quase 200 km mar adentro.

Empurrada por ventos e correntes marinhas, a pluma pode ir até 2 mil e 300 km em direção ao litoral, em direção às Guianas Francesa e Inglesa.

Segundo o INPE, essa pluma exerce forte influência no aporte de nutrientes para os ecossistemas marinhos na região. Com isso, desenvolve-se um habitat propício para o aumento da atividade biológica de microorganismos, como algas, por exemplo, que contribuem para o sequestro de carbono.

Essa influência, diz o instituto, abrange mais de um milhão de quilômetros quadrados de oceano tropical.

A Foz do Amazonas influencia no surgimento de novas espécies de fauna e flora

O grande aporte de água despejado pelo Amazonas também tem impacto nos processos evolutivos de espécies do Atlântico. De acordo com um estudo publicado na revista científica Journal of Biogeography, em agosto de 2022, a pluma gerada pelo rio forma uma barreira fluida e porosa que separa várias espécies de organismos marinhos encontradas no Caribe daquelas que vivem ao sul da foz do Amazonas.

De acordo com a pesquisa, divulgada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), nos últimos 2,4 milhões de anos, cerca de 60 espécies de peixes surgiram por influência da pluma, que dividiu populações únicas de uma mesma espécie. 

É o caso, por exemplo, de uma dupla de peixes da mesma família e que contam com um ancestral em comum, o budião-arco-íris (Scarus guacamaia) e o budião-azul (Scarus trispinosus). O estudo indica que, uma vez separados pela pluma, eles sofreram processos de especiação distintos. O primeiro resultou em um peixe caribenho de pouco mais de um metro de comprimento e corpo esverdeado, enquanto o segundo, encontrado na costa brasileira, tem uma coloração uniforme e cerca de 90 centímetros, afirma a divulgação da Agência Fapesp.

A Reportagem do Blog do Zé Dudu teve acesso a íntegra do estudo que está disponível aqui (em inglês).

Trata-se de um estudo de peso creditando à Amazônia uma diversidade de espécies muito alta, embora ainda pouco conhecida, distribuída em um mosaico de habitats heterogêneos e também pouco caracterizados. Como resultado dessa complexidade multifacetada, a Amazônia representa um grande desafio para as abordagens geogenômicas que buscam encontrar relações causais entre a história geológica da Terra e a diversificação biótica, incluindo o uso de dados genômicos para resolver problemas geológicos.

O foco da pesquisa estabelece que o desafio é ainda maior devido à necessidade de abordagens interdisciplinares, apesar das dificuldades de trabalho interdisciplinar, onde interpretações errôneas da literatura em campos de pesquisa díspares podem produzir cenários irrealistas de ligações biogeológicas.

Nesse contexto, ainda de acordo com a pesquisa, a troca de informações e o trabalho conjunto de geólogos e biólogos são essenciais para construir hipóteses mais fortes e realistas sobre como o clima do passado pode ter afetado a distribuição e a conectividade entre as populações, como a evolução das redes de drenagem influenciou a diversificação biótica e como as características ecológicas e as interações entre espécies atualmente definem a organização espacial da biodiversidade e, portanto, como essa organização mudou no passado e pode mudar no futuro.

Outro fator identificado pelos cientistas pesquisadores é a heterogeneidade da Amazônia e os diferentes efeitos dos processos históricos sobre suas distintas regiões e ecossistemas devem ser mais completamente reconhecidos em biogeografia, conservação e formulação de políticas.

Nesta perspectiva, “fornecemos exemplos de geologia, climatológico; e informações ecológicas relevantes para estudos de diversificação biótica na Amazônia, onde avanços recentes (e suas limitações) podem não ser aparentes para pesquisadores de outras áreas. Os três exemplos, que incluem as limitações dos resultados dos modelos climáticos, a complicada evolução das drenagens dos rios; e a complexa ligação entre as espécies e seus habitats modulados pela especialização ecológica, são uma pequena subamostra destinada a ilustrar a urgência de abordagens interdisciplinares mais integradas”, diz o estudo.

A Foz do Amazonas abriga um enorme recife de corais

Na ponta final do Amazonas, a pluma de sedimentos e a quantidade colossal de água doce se misturando constantemente com a água salgada formando uma fauna própria, distinta da de outras regiões do oceano. É neste local, por exemplo, que está situado um recife de corais que ocupa quase 10 mil quilômetros quadrados da costa.

Um estudo brasileiro publicado em 2016 na revista Science Advances, e divulgado pelo Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), descreve a descoberta de um novo bioma de recife formado por esponjas e algas calcárias a 200 quilômetros da foz do Amazonas. Estima-se que ele se estende por, no mínimo, 900 km da costa, entre o Maranhão e a Guiana Francesa.

Segundo os cientistas, os milhões de litros de água barrenta que o Amazonas despeja no Atlântico contribuem para que o recife não seja homogêneo. Ele é marcado por trechos de algas calcárias, corais pretos ou vermelhos, campos de esponjas naturais, areais cobertos por algas verdes e estruturas calcárias que podem chegar a 20 m de altura.

Além disso, estima-se que o bioma seja repleto de espécies endêmicas, muitas das quais ainda desconhecidas pela ciência, o que potencializa a importância ecológica do recife.

Foz do Rio Amazonas vista do espaço

No espetacular registro do satélite Copernicus Sentinel-2A no dia 22 de Agosto de 2017, sobre a Região Norte do Brasil, é possível ver com detalhes o local onde o Rio Amazonas encontra o Oceano Atlântico.

A água carregada de sedimentos parece na cor marrom enquanto flui da parte inferior esquerda até o oceano aberto que está na parte superior direita da imagem. As nuvens “pipoca” são visíveis em parte da imagem, uma ocorrência comum durante a estação de seca da Amazônia. Essas nuvens são formadas pela condensação do vapor d’água emitido pelas plantas e árvores durante um dia ensolarado.



Ao ampliar a foto em alta resolução, é possível identificar formas geométricas que indicam a agricultura na região, e é possível ver também estradas lineares cortando parte da vegetação densa que ainda permanece ali intacta (Foto: The European Space Agency)

Por Val-André Mutran – de Brasília
























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