O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, na segunda-feira (28), a Medida
Provisória e o Projeto de Lei. já enviados ao Congresso Nacional para taxar
fundos de investimentos exclusivos mantidas por super-ricos, assim como,
empresas abertas no exterior — as offshores e trusts.
Porém, segundo o Banco Central, até junho, os tituares dessas contas,
diante dessa perspectiva, já haviam sacado a bagatela de R$ 71,4 bilhões. Ou
seja, o governo corre o risco, com a taxação, de assistir uma corrida de saques
desses fundos e não conseguir arrecadar o que prevê.
Segundo um
deputado ouvido pela reportagem do Blog do Ze Dudu, “faltou ao governo combinar
com os russos. Esse pessoal não quer e não vai pagar impostos, com ou sem
descontos”, resumiu o congressista. Há o risco, já alertado pelo presidente da
Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), dos proprietários desses títulos
enviarem esses recursos para fora do país, antes das medidas serem aprovadas.
A conclusão
óbvia é que, na taxação dos super-ricos, elaborada pelo ministro da Fazenda
Fernando Haddad a pedido do presidente Lula, o governo revelou seu plano na
busca por aumento de arrecadação, enquanto o Congresso e o mercado, têm outros
planos.
Enquanto a
Reforma Tributária vai avançando no Congresso pelo lado de bens e serviços, o
governo federal começa a apresentar projetos pelo lado da renda e patrimônio,
focando nos chamados “super-ricos”. E o que se vê neste primeiro momento é que
o tema deve avançar lentamente, sem grandes vitórias para o Planalto.
As duas
medidas editadas e assinadas na última segunda-feira, foram defendidas pelo
governo como formas de deixar o sistema tributário mais isonômico, menos
regressivo e com novas fontes de arrecadação, entretanto, os textos não devem
ter vida fácil.
Em meio a
um Congresso com parlamentares de perfil conservador e o risco de
judicialização de alguns pontos, a expectativa de especialistas é de
tramitações lentas e mudanças nas propostas que podem levar a um resultado
aquém do que o governo espera. “Na discussão das duas propostas o Congresso vai
desidratar o texto”, prevê a fonte consultada pela reportagem.
Quebra de palavra
As duas
propostas apresentadas pelo governo são, na verdade, criação de novos impostos,
o que foi veementemente negado. Mas, contra fatos, as narrativas não se
sustentam. A MP assinada por Lula prevê a cobrança de 15% a 22,5% sobre
rendimentos de fundos exclusivos, aqueles em que há um único cotista. A
proposta, que ganhou o apelido de “MP dos Super-ricos”, determina que a cobrança
será realizada duas vezes ao ano, no formato conhecido como “come-cotas”,
diferentemente do que ocorre atualmente, em que a tributação é realizada apenas
no resgate.
Já o PL
das offshores e trusts estabelece a
tributação anual de rendimentos de capital aplicado no exterior, com alíquotas
progressivas de zero a 22,5%. As regras atualmente estabelecem que o capital
investido no exterior é tributado apenas quando resgatado e remetido ao Brasil.
O governo, inclusive, incluiu na medida, a título de “estimular” a adesão, um
desconto de 10% do imposto criado e agora devido, aos titulares que anteciparem
o pagamento das alíquotas em 2023.
De acordo
com os cálculos do governo, apontam que a “MP dos Super-ricos” pode resultar em
uma arrecadação de cerca de R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026, enquanto o PL
das offshores e trusts tem potencial de
arrecadação da ordem de R$ 21 bilhões entre 2024 e 2026. A expectativa é de que
esses valores abram caminho para compensar a decisão de ampliar a faixa de
isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 2.640 por mês, dos
atuais R$ 1.903. Mas, se continuar a sangria dos saques iniciados na
segunda-feira, não vai sobrar um centavo para o governo taxar, independente dos
dois projetos serem aprovados ou não no Congresso.
Esses
números, porém, dependem da manutenção dos textos como eles foram escritos pela
equipe econômica, algo visto como difícil pelos especialistas.
No caso da
MP dos fundos exclusivos, tributaristas já levantaram como ponto polêmico e
passível de questionamentos na Justiça o fato de ele taxar o estoque de
rendimentos, tudo o que foi acumulado desde a constituição do fundo até o final
deste ano. Essa possibilidade representa uma fonte de insegurança jurídica,
considerando que muda regras estabelecidas no passado no meio do caminho. “Vejo
com muita preocupação quando qualquer governo busca alterar regras para
investimentos, é ruim institucionalmente, porque acaba afastando quem quer
fazer investimentos no país”, afirma um advogado especialista em investimentos
e mercado.
Já se está
questionando os efeitos fiscais da medida. Ainda que possa gerar uma forte
arrecadação em um primeiro momento, o efeito da tributação dos estoques deve se
esvair ao longo do tempo. E os investidores devem se movimentar em busca de
aplicações isentas ou com impostos menores. “O investidor vai se adaptar ou vai
procurar outros regimes de tributação de investimentos”, preveem tributaristas.
Um ponto
considerado preocupante na MP por Ricardo Bolan, sócio tributário do Lefosse
Advogados, é que ela não exclui fundos de investimento de baixíssima liquidez,
como é o caso de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs)
fechados. “Se esse ponto não for corrigido, deve gerar um desincentivo a
investimentos nesses fundos e, por consequência, uma diminuição das fontes de
financiamento das empresas brasileiras”, diz ele em nota.
O texto do
PL das offshores e trusts também não escapa
de críticas. Entre os pontos destacados por Bruno Habib, sócio da área
tributária do Veirano Advogados, está o fato de o texto não ter tratado de
forma específica da não tributação de ganhos não realizados. O governo colocou
uma alternativa que permite ao investidor optar por declarar os ativos como se
fossem detidos pela offshore, passando a oferecer somente os ganhos
efetivamente realizados à tributação.
“Isso pode
ser explorado por algum contribuinte que eventualmente não faça esta opção,
opte por continuar com offshore, com todos os efeitos fiscais, e
questione algum ganho não realizado de longo prazo, como um ganho de venture
capital”, diz Habib.
O sócio do
Veirano destaca também um trecho que abre caminho para a tributação de ganhos com
variação cambial, algo que o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur
Lira (PP-AL), disse que não pode constar num texto que trate da taxação
de offshores.
Jogo duro no Congresso
Se os
textos da MP e do PL já estão passando pelo escrutínio dos tributaristas, e
começam a ganhar algumas críticas e sugestões de alteração, a expectativa é a
de que eles também não sejam completamente bem recebidos no Congresso.
“Essa é uma
agenda mais identificada com a esquerda e o perfil do Congresso é de centro-direita”,
diz Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria. “E é
uma agenda que mobiliza os grupos econômicos que têm voz com as lideranças, o
que aumenta os riscos.”
Os
primeiros sinais de dificuldades já começaram a aparecer. Em encontro com
investidores promovido pelo Santander Brasil, na semana passada, o relator da
Reforma Tributária na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), se mostrou
reticente em avaliar questões relacionadas à tributação de renda e patrimônio
neste momento.
Aliado de
Lira, ele disse que o tema da taxação de fundos exclusivos, do jeito que estava
sendo conduzido até aquele momento, resultava na migração de recursos para fora
do País. “O Congresso é a favor da justiça tributária, é o pensamento da
maioria dos líderes, mas isso deve ser feito de forma inteligente”, afirmou.
Além da
questão ideológica, o projeto também entra na disputa de poder entre Executivo
e Legislativo, quando partidos do chamado Centrão buscam mais espaço no
governo.
Para
Cortez, o sucesso dependerá também de o Planalto fazer concessões a esses
grupos, com mobilização de cargos e nacos do Orçamento. Junto com o apelo do
discurso de taxar os super-ricos, o governo Lula pode conseguir, no fim, passar
os projetos. “Acho que o governo não vai ser derrotado, mas terá de aceitar
textos menos ambiciosos”, afirma.
Corrida para saques
Os fundos
fechados exclusivos ou reservados a poucos investidores tiveram neste ano,
saídas líquidas de R$ 71,4 bilhões. É mais da metade dos quase R$ 125 bilhões
que deixaram a indústria no período. Em 2022 como um todo, ano em que o setor
em geral não teve bom desempenho, os veículos fechados tiveram uma subtração de
R$ 21,9 bilhões, para resgates de R$ 113,2 bilhões no conjunto.
O
patrimônio dessas carteiras, normalmente destinadas à gestão de famílias
endinheiradas, alcançava R$ 966,2 bilhões em julho, um aumento de 10,6% em
relação a dezembro de 2022, pelo efeito da valorização dos ativos. No total, o
setor de fundos encerrou julho beirando os R$ 8 trilhões.
É na parte
do bolso dos super-ricos que o governo está de olho para engordar as suas
fontes de receitas e fazer frente ao aumento de despesas sem desandar as contas
públicas. Pelo desenho da Medida Provisória (MP nº 1.184/2023), enviada ao Congresso, se o texto for aprovado
pelo Legislativo como está, o “come-cotas”, o imposto semestral, que incide em
fundos abertos de renda fixa, multimercados e cambiais, vai se estender para
outros veículos fechados, que hoje só pagam imposto quando são liquidados ou
nas amortizações anuais.
No radar
estão, inclusive, fundos de ações, de participação em empresas (FIP) e de recebíveis.
Até os imobiliários, queridinhos dos brasileiros, vão ter de atender a
determinados requisitos para escapar do Leão.
No mercado,
estima-se que os fundos exclusivos fechados e reservados usados para gestão
patrimonial reúnam cerca de R$ 600 bilhões — no segmento de private
banking eram R$ 203,7 bilhões ao fim de junho, segundo a Anbima.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente
do Blog do Zé Dudu em Brasília.