Árvore e moedas nas mãos. Conceitos de dinheiro e meio ambiente como forma de preservar o mundo investindo em negócios como o mercado de carbono (Foto: Jornal O Niquel)
Com um olho
no meio ambiente e outro nos negócios, a Câmara dos Deputados aprovou, na
sessão da quinta-feira (21), a proposta que regulamenta o mercado de carbono no
Brasil, que trata o projeto de lei (PL n° 2.148/2015). O texto cria o Sistema Brasileiro de Comércio de
Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que estabelece tetos para emissões e
um mercado de venda de títulos. A matéria será analisada no Senado no ano que
vem, uma vez que nesta sexta-feira (22), se encerra o ano legislativo.
O relator,
deputado Aliel Machado (PV-PR), propôs um texto que une projetos discutidos na
Câmara a uma proposta já aprovada pelo Senado, o Projeto de Lei n° 412/2022. O projeto retorna ao Senado para análise das
mudanças feitas pelos deputados.
O texto faz
parte da pauta verde aprovada neste ano, que inclui a exploração
de energia eólica no mar (PL n° 11.247/2018) e a produção de hidrogênio verde (PL n° 2.308/2023).
Limites e
compensação
A ideia do projeto é criar um limite de emissões de gases do efeito estufa para
as empresas. Aquelas que mais poluem deverão compensar suas emissões com a
compra de títulos. Já as que não atingiram o limite ganharão cotas a serem
vendidas no mercado.
Em seu
texto, o relator explicou que o projeto é inspirado em experiências
internacionais bem-sucedidas. Nesse modelo, empresas ambientalmente mais
eficientes terão uma fonte extra de recursos com títulos. E o agente mais
poluente, que ultrapassou seu limite de emissões, terá uma nova fonte de
despesas com a necessidade de compra de títulos compensatórios. “O resultado
disso é uma vantagem competitiva para quem mais contribuiu com o meio ambiente
sadio”, disse.
O deputado,
que é um dos líderes da bancada ambientalista na Câmara, destacou que o Brasil
é, atualmente, um dos maiores emissores de gases de efeito estufa: cerca de 2
bilhões de toneladas de gás carbônico por ano. O objetivo da proposta é criar
incentivos para frear as emissões e os impactos climáticos das empresas.
“Criamos
mecanismos para incentivar, orientar e auxiliar os agentes econômicos a se
conduzir de forma coerente com essa necessidade global, pela inibição de
emissões de gases de efeito estufa nos processos produtivos ou, quando não for
possível a inibição de novas emissões, pela compensação”, explicou.
Na última
fase de negociações, Aliel Machado atendeu a pedidos da Frente Parlamentar
Agropecuária para excluir da regulamentação setores do agronegócio, como a
produção de insumos ou matérias-primas agropecuárias (fertilizantes, por
exemplo).
Durante a
discussão em Plenário, foi incluída a previsão de compensação ambiental de
emissão de gases por veículos automotores, com a compra de créditos de carbono
pelos proprietários de veículos. Caberá aos órgãos de trânsito dos estados e do
Distrito Federal regulamentar a regra.
O acordo
também prevê a inclusão dos assentados da reforma agrária nas mesmas regras dos
povos indígenas e originários, a pedido do PT.
Geração de
títulos
Poderão
gerar créditos, entre outras ações:
• a recomposição, a manutenção e a
conservação de áreas de preservação permanente (APPs), de reserva legal ou de
uso restrito e de unidades de conservação;
• as unidades de conservação
integral ou de uso sustentável com plano de manejo e
• os
projetos de assentamentos da reforma agrária.Povos indígenas e comunidades
tradicionais serão autorizados a entrar no mercado por meio de associações.
Mercado
regulado
A proposta
estabelece um mercado regulado de títulos de compensação e geração de créditos
por emissões de gases de efeito estufa. Esse mercado será vinculado ao Sistema
Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que será
desenvolvido em cinco fases ao longo de seis anos.O sistema negociará cotas
brasileiras de emissão (CBE) e certificados de redução ou remoção verificada de
emissões (CRVE). Cada cota ou CRVE representará uma tonelada de dióxido de
carbono equivalente (tCO2e). Assim, cada certificado de redução ou remoção
permite cancelar uma cota de emissão de gases.A ideia é que, após um tempo de
adaptação, as atividades econômicas com mais dificuldades de reduzir emissões
por processos tecnológicos comprem cotas para poluir e certificados que atestem
a captação do que foi liberado na atmosfera, zerando a emissão líquida.
Quem será
regulado
Terão algum
tipo de controle as atividades que emitem acima de 10 mil toneladas de dióxido
de carbono equivalente por ano.Empresas com emissões entre 10 mil tCO² e 25 mil
tCO² deverão submeter ao órgão gestor do SBCE um plano de monitoramento das
emissões, enviar um relato anual de emissões e remoções de gases e atender a
outras obrigações previstas em decreto ou ato específico desse órgão
gestor.Atividades com emissões acima de 25 mil tCO² e por ano terão ainda a
obrigação de enviar anualmente ao órgão gestor um relato de conciliação
periódica de obrigações.Esses patamares de emissão poderão ser aumentados
levando-se em conta o custo-efetividade da regulação e o cumprimento dos
compromissos assumidos pelo Brasil perante a Convenção-Quadro das Nações Unidas
sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês).
Governança
e transparência
O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE)
terá um órgão gestor, um órgão deliberativo e um comitê consultivo permanente.O
projeto obriga a realização de consulta pública sobre propostas de normas e
parâmetros técnicos sobre procedimentos de mensuração, relato e verificação das
emissões; sobre conciliação periódica de obrigações; e sobre o plano nacional
de alocação de cotas de emissão.O texto ainda direciona recursos do SBCE para o
Fundo Geral do Turismo (Fungetur) aplicar em atividades de turismo sustentável;
e para fundo privado a ser criado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) para financiar pesquisa ligada à tecnologia de
descarbonização.
Mercado
voluntário
A proposta
também aplica aos créditos de carbono, comercializados fora do mercado
regulado, regras criadas para os certificados de redução ou remoção de gases
(CRVEs).Assim, os créditos de carbono poderão ser gerados por projetos ou
programas de preservação e reflorestamento ou outros métodos de captação de
gases do efeito estufa. Os rendimentos obtidos com eles serão tributados pelas
mesmas regras dos certificados.A conversão dos créditos atuais em CRVE, no
entanto, só será autorizada mediante comprovação da efetiva redução ou remoção
de carbono segundo metodologia credenciada. Eles também deverão estar inscritos
no registro central do SBCE.Quando ocorrer uma compensação voluntária de
emissões, ou seja, fora do ambiente regulado do SBCE, o certificado usado
deverá ser cancelado no registro central.
CNI apoia
regulamentação
Em live há
duas semanas, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) consignou o apoio à
regulamentação de um mercado regulado de carbono no Brasil por meio da criação
de um sistema de comércio de emissões no modelo cap and trade, em
que é definida uma quantidade máxima de emissões de gases de efeito estufa aos
agentes regulados e são emitidas permissões de emissão equivalentes. As
permissões são distribuídas gratuitamente ou via leilões e podem ser
comercializadas entre empresas.Durante alive a CNI lançou o estudo “Mercado de
Carbono: análise de experiências internacionais”, abordando iniciativas da
União Europeia, do México, do Western Climate Initiative (WCI) no Canadá e
Califórnia, do Japão e da Coreia do Sul. O objetivo é apontar elementos comuns
desses sistemas que possam ser úteis para a reflexão sobre a governança de um
mercado de carbono no Brasil.“A Indústria brasileira é aliada essencial no
cumprimento das metas climáticas”, disse o presidente da CNI, Robson Braga de
Andrade, salientando que o mercado regulado de carbono é mais adequado que
mecanismos de taxação porque estimula o ambiente de negócios, a inovação e
competitividade das empresas, sem aumentar a carga tributária.Conforme estudo
da CNI, a precificação de Carbono e os Impactos na Competitividade da Cadeia de
Valor da Indústria, o cumprimento do Acordo de Paris no Brasil está fortemente
ligado ao controle dos índices de desmatamento ilegal.Segundo a CNI, a
efetividade do mercado de carbono no Brasil será bastante limitada se não for
acompanhada de uma estratégia mais ampla para o combate às mudanças climáticas,
como o controle do desmatamento ilegal, expansão de renováveis e fortalecimento
da política nacional de biocombustíveis.
Além disso,
o estudo mostrou que o mercado de carbono tem impactos macroeconômicos menores
que a taxação de carbono. “A taxação do carbono resultaria em cumulatividade na
cadeia produtiva, gerando perdas de competitividade econômica”, complementa
Robson Andrade.Estudo do Banco Mundial State and Trends of Carbon
Pricing 2021 aponta que em países desenvolvidos evidências sugerem que
a precificação de carbono aumentou a produtividade e inovação. Por isso, cada
vez mais empresas e governos têm integrado precificação de carbono em suas
estratégias climáticas. No Brasil, empresas têm considerado a questão em suas
estratégias, principalmente aquelas que já se comprometeram publicamente com a
meta de neutralidade de carbono até 2050.
Mercado de
carbono deve garantir competitividade da indústria brasileira
Para a
efetividade do mercado regulado de carbono, é fundamental que haja alto nível
de governança por parte do governo, para planejar e implementar um sistema
adaptado ao contexto nacional. O setor industrial defende ainda que o mercado
interno de carbono deve garantir a competitividade das empresas brasileiras no
exterior e deve contemplar todos os setores emissores de gases de efeito
estufa.
Também
propõe uma fase inicial de aprendizado e a utilização dos recursos financeiros
da comercialização de permissões de emissões de gases de efeito estufa para
reinvestimento em tecnologia de baixo carbono. Além disso, a indústria quer que
a regulamentação do mercado de carbono contemple a geração de créditos de
carbono em diversas frentes, como pela conservação e restauração florestal,
projetos de eficiência energética e investimentos em energias renováveis.Outro
ponto defendido é a implementação de um sistema robusto de mensuração, relato e
verificação de emissões e remoções de gases de efeito estufa. Segundo a CNI,
isso é a base para que o sistema funcione.
Histórico
de debates sobre mercado de carbono no Brasil
Entre os
anos de 2016 e 2020, a CNI, federações de indústrias, associações setoriais e
empresas participaram do projeto Partnership for Market Readiness (PMR
Brasil). A iniciativa, coordenada pelo governo brasileiro em parceria com o
Banco Mundial, tinha o objetivo de estudar os impactos econômicos e sociais da
implementação de sistemas de precificação de carbono no Brasil. O PMR é um
programa global que já apoiou 23 países na avaliação de instrumentos de
precificação de carbono.
O projeto
PMR Brasil finalizou em dezembro de 2020, com recomendação para a adoção do
mercado regulado de carbono, ou seja, um sistema de comércio de emissões no
modelo cap and trade, para apoiar o cumprimento das metas
estabelecidas pelo Brasil no Acordo de Paris.Para dar continuidade aos estudos
sobre a implantação desse mercado no Brasil a indústria aguarda a implementação
do projeto PMI (Partnership for Market Implementation), que foi
recentemente anunciado pelo Ministério da Economia, que seria uma segunda fase
do PMR, em que seria avaliada a implementação do sistema de comércio de
emissões.
Tendências
sobre o mercado de carbono
Em todo o
mundo, duas têm sido as estratégias mais comuns para promover ações de
mitigação de emissões de gases de efeito estufa, para o cumprimento das
políticas climáticas adotadas pelos países no Acordo de Paris. A primeira é por
meio de instrumentos não econômicos, com foco em políticas de comando e
controle. Já a segunda é via instrumentos econômicos, por meio da adoção de
incentivos e subsídios e da precificação de carbono, que consiste na atribuição
de um preço sobre as emissões geradas a partir de queima de combustíveis
fósseis de uma determinada instalação.São três os instrumentos econômicos mais
discutidos: taxação de carbono, em que o preço a ser pago por unidade de
emissão de gases de efeito estufa contribua para que a meta de redução de
emissões seja atingida; mercados de carbono, em que ocorre interação entre
agentes do mercado por meio de compra e venda de direitos de permissão de
emissões; e sistemas híbridos, com existência simultânea de instrumentos de
taxação e de mercado de carbono.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente
do Blog do Zé Dudu em Brasília.