Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2024

Brasil
Publicada em 23/12/23 às 08:32h - 100 visualizações
Aprovado projeto que regulamenta mercado de carbono no Brasil
O tema é central nas discussões ambientais globais e o Brasil pode ser a maior potência mundial desse mercado

Jornal O Niquel

Árvore e moedas nas mãos. Conceitos de dinheiro e meio ambiente como forma de preservar o mundo investindo em negócios como o mercado de carbono  (Foto: Jornal O Niquel)




 


Com um olho no meio ambiente e outro nos negócios, a Câmara dos Deputados aprovou, na sessão da quinta-feira (21), a proposta que regulamenta o mercado de carbono no Brasil, que trata o projeto de lei (PL n° 2.148/2015). O texto cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que estabelece tetos para emissões e um mercado de venda de títulos. A matéria será analisada no Senado no ano que vem, uma vez que nesta sexta-feira (22), se encerra o ano legislativo.

O relator, deputado Aliel Machado (PV-PR), propôs um texto que une projetos discutidos na Câmara a uma proposta já aprovada pelo Senado, o Projeto de Lei n° 412/2022. O projeto retorna ao Senado para análise das mudanças feitas pelos deputados.

O texto faz parte da pauta verde aprovada neste ano, que inclui a exploração de energia eólica no mar (PL n° 11.247/2018) e a produção de hidrogênio verde (PL n° 2.308/2023).

Limites e compensação
A ideia do projeto é criar um limite de emissões de gases do efeito estufa para as empresas. Aquelas que mais poluem deverão compensar suas emissões com a compra de títulos. Já as que não atingiram o limite ganharão cotas a serem vendidas no mercado.

Em seu texto, o relator explicou que o projeto é inspirado em experiências internacionais bem-sucedidas. Nesse modelo, empresas ambientalmente mais eficientes terão uma fonte extra de recursos com títulos. E o agente mais poluente, que ultrapassou seu limite de emissões, terá uma nova fonte de despesas com a necessidade de compra de títulos compensatórios. “O resultado disso é uma vantagem competitiva para quem mais contribuiu com o meio ambiente sadio”, disse.

O deputado, que é um dos líderes da bancada ambientalista na Câmara, destacou que o Brasil é, atualmente, um dos maiores emissores de gases de efeito estufa: cerca de 2 bilhões de toneladas de gás carbônico por ano. O objetivo da proposta é criar incentivos para frear as emissões e os impactos climáticos das empresas.

“Criamos mecanismos para incentivar, orientar e auxiliar os agentes econômicos a se conduzir de forma coerente com essa necessidade global, pela inibição de emissões de gases de efeito estufa nos processos produtivos ou, quando não for possível a inibição de novas emissões, pela compensação”, explicou.

Na última fase de negociações, Aliel Machado atendeu a pedidos da Frente Parlamentar Agropecuária para excluir da regulamentação setores do agronegócio, como a produção de insumos ou matérias-primas agropecuárias (fertilizantes, por exemplo).

Durante a discussão em Plenário, foi incluída a previsão de compensação ambiental de emissão de gases por veículos automotores, com a compra de créditos de carbono pelos proprietários de veículos. Caberá aos órgãos de trânsito dos estados e do Distrito Federal regulamentar a regra.

O acordo também prevê a inclusão dos assentados da reforma agrária nas mesmas regras dos povos indígenas e originários, a pedido do PT.

Geração de títulos

Poderão gerar créditos, entre outras ações:

• a recomposição, a manutenção e a conservação de áreas de preservação permanente (APPs), de reserva legal ou de uso restrito e de unidades de conservação;

• as unidades de conservação integral ou de uso sustentável com plano de manejo e

• os projetos de assentamentos da reforma agrária.Povos indígenas e comunidades tradicionais serão autorizados a entrar no mercado por meio de associações.

Mercado regulado

A proposta estabelece um mercado regulado de títulos de compensação e geração de créditos por emissões de gases de efeito estufa. Esse mercado será vinculado ao Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que será desenvolvido em cinco fases ao longo de seis anos.O sistema negociará cotas brasileiras de emissão (CBE) e certificados de redução ou remoção verificada de emissões (CRVE). Cada cota ou CRVE representará uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e). Assim, cada certificado de redução ou remoção permite cancelar uma cota de emissão de gases.A ideia é que, após um tempo de adaptação, as atividades econômicas com mais dificuldades de reduzir emissões por processos tecnológicos comprem cotas para poluir e certificados que atestem a captação do que foi liberado na atmosfera, zerando a emissão líquida.

Quem será regulado

Terão algum tipo de controle as atividades que emitem acima de 10 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente por ano.Empresas com emissões entre 10 mil tCO² e 25 mil tCO² deverão submeter ao órgão gestor do SBCE um plano de monitoramento das emissões, enviar um relato anual de emissões e remoções de gases e atender a outras obrigações previstas em decreto ou ato específico desse órgão gestor.Atividades com emissões acima de 25 mil tCO² e por ano terão ainda a obrigação de enviar anualmente ao órgão gestor um relato de conciliação periódica de obrigações.Esses patamares de emissão poderão ser aumentados levando-se em conta o custo-efetividade da regulação e o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil perante a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês).

Governança e transparência

O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) terá um órgão gestor, um órgão deliberativo e um comitê consultivo permanente.O projeto obriga a realização de consulta pública sobre propostas de normas e parâmetros técnicos sobre procedimentos de mensuração, relato e verificação das emissões; sobre conciliação periódica de obrigações; e sobre o plano nacional de alocação de cotas de emissão.O texto ainda direciona recursos do SBCE para o Fundo Geral do Turismo (Fungetur) aplicar em atividades de turismo sustentável; e para fundo privado a ser criado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar pesquisa ligada à tecnologia de descarbonização.

Mercado voluntário

A proposta também aplica aos créditos de carbono, comercializados fora do mercado regulado, regras criadas para os certificados de redução ou remoção de gases (CRVEs).Assim, os créditos de carbono poderão ser gerados por projetos ou programas de preservação e reflorestamento ou outros métodos de captação de gases do efeito estufa. Os rendimentos obtidos com eles serão tributados pelas mesmas regras dos certificados.A conversão dos créditos atuais em CRVE, no entanto, só será autorizada mediante comprovação da efetiva redução ou remoção de carbono segundo metodologia credenciada. Eles também deverão estar inscritos no registro central do SBCE.Quando ocorrer uma compensação voluntária de emissões, ou seja, fora do ambiente regulado do SBCE, o certificado usado deverá ser cancelado no registro central.

CNI apoia regulamentação

Em live há duas semanas, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) consignou o apoio à regulamentação de um mercado regulado de carbono no Brasil por meio da criação de um sistema de comércio de emissões no modelo cap and trade, em que é definida uma quantidade máxima de emissões de gases de efeito estufa aos agentes regulados e são emitidas permissões de emissão equivalentes. As permissões são distribuídas gratuitamente ou via leilões e podem ser comercializadas entre empresas.Durante alive a CNI lançou o estudo “Mercado de Carbono: análise de experiências internacionais”, abordando iniciativas da União Europeia, do México, do Western Climate Initiative (WCI) no Canadá e Califórnia, do Japão e da Coreia do Sul. O objetivo é apontar elementos comuns desses sistemas que possam ser úteis para a reflexão sobre a governança de um mercado de carbono no Brasil.“A Indústria brasileira é aliada essencial no cumprimento das metas climáticas”, disse o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, salientando que o mercado regulado de carbono é mais adequado que mecanismos de taxação porque estimula o ambiente de negócios, a inovação e competitividade das empresas, sem aumentar a carga tributária.Conforme estudo da CNI, a precificação de Carbono e os Impactos na Competitividade da Cadeia de Valor da Indústria, o cumprimento do Acordo de Paris no Brasil está fortemente ligado ao controle dos índices de desmatamento ilegal.Segundo a CNI, a efetividade do mercado de carbono no Brasil será bastante limitada se não for acompanhada de uma estratégia mais ampla para o combate às mudanças climáticas, como o controle do desmatamento ilegal, expansão de renováveis e fortalecimento da política nacional de biocombustíveis.

Além disso, o estudo mostrou que o mercado de carbono tem impactos macroeconômicos menores que a taxação de carbono. “A taxação do carbono resultaria em cumulatividade na cadeia produtiva, gerando perdas de competitividade econômica”, complementa Robson Andrade.Estudo do Banco Mundial State and Trends of Carbon Pricing 2021 aponta que em países desenvolvidos evidências sugerem que a precificação de carbono aumentou a produtividade e inovação. Por isso, cada vez mais empresas e governos têm integrado precificação de carbono em suas estratégias climáticas. No Brasil, empresas têm considerado a questão em suas estratégias, principalmente aquelas que já se comprometeram publicamente com a meta de neutralidade de carbono até 2050.

Mercado de carbono deve garantir competitividade da indústria brasileira

Para a efetividade do mercado regulado de carbono, é fundamental que haja alto nível de governança por parte do governo, para planejar e implementar um sistema adaptado ao contexto nacional. O setor industrial defende ainda que o mercado interno de carbono deve garantir a competitividade das empresas brasileiras no exterior e deve contemplar todos os setores emissores de gases de efeito estufa.

Também propõe uma fase inicial de aprendizado e a utilização dos recursos financeiros da comercialização de permissões de emissões de gases de efeito estufa para reinvestimento em tecnologia de baixo carbono. Além disso, a indústria quer que a regulamentação do mercado de carbono contemple a geração de créditos de carbono em diversas frentes, como pela conservação e restauração florestal, projetos de eficiência energética e investimentos em energias renováveis.Outro ponto defendido é a implementação de um sistema robusto de mensuração, relato e verificação de emissões e remoções de gases de efeito estufa. Segundo a CNI, isso é a base para que o sistema funcione.

Histórico de debates sobre mercado de carbono no Brasil

Entre os anos de 2016 e 2020, a CNI, federações de indústrias, associações setoriais e empresas participaram do projeto Partnership for Market Readiness (PMR Brasil). A iniciativa, coordenada pelo governo brasileiro em parceria com o Banco Mundial, tinha o objetivo de estudar os impactos econômicos e sociais da implementação de sistemas de precificação de carbono no Brasil. O PMR é um programa global que já apoiou 23 países na avaliação de instrumentos de precificação de carbono.

O projeto PMR Brasil finalizou em dezembro de 2020, com recomendação para a adoção do mercado regulado de carbono, ou seja, um sistema de comércio de emissões no modelo cap and trade, para apoiar o cumprimento das metas estabelecidas pelo Brasil no Acordo de Paris.Para dar continuidade aos estudos sobre a implantação desse mercado no Brasil a indústria aguarda a implementação do projeto PMI (Partnership for Market Implementation), que foi recentemente anunciado pelo Ministério da Economia, que seria uma segunda fase do PMR, em que seria avaliada a implementação do sistema de comércio de emissões.

Tendências sobre o mercado de carbono

Em todo o mundo, duas têm sido as estratégias mais comuns para promover ações de mitigação de emissões de gases de efeito estufa, para o cumprimento das políticas climáticas adotadas pelos países no Acordo de Paris. A primeira é por meio de instrumentos não econômicos, com foco em políticas de comando e controle. Já a segunda é via instrumentos econômicos, por meio da adoção de incentivos e subsídios e da precificação de carbono, que consiste na atribuição de um preço sobre as emissões geradas a partir de queima de combustíveis fósseis de uma determinada instalação.São três os instrumentos econômicos mais discutidos: taxação de carbono, em que o preço a ser pago por unidade de emissão de gases de efeito estufa contribua para que a meta de redução de emissões seja atingida; mercados de carbono, em que ocorre interação entre agentes do mercado por meio de compra e venda de direitos de permissão de emissões; e sistemas híbridos, com existência simultânea de instrumentos de taxação e de mercado de carbono.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.




















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