Lula e Guido Mantega (Foto: )
Às vésperas
do fim do mandato do presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, no final deste mês
de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aumentou, nas últimas
semanas, a articulação para emplacar o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega,
na presidência da mineradora, desestatizada em 1997.
Sob a
gestão privada, a Vale se tornou uma das maiores e mais respeitadas empresas de
mineração do mundo, cujo valor de mercado alcança hoje R$ 307 bilhões, o
segundo maior da B3, a Bolsa brasileira, atrás apenas da Petrobras, de acordo
com dados da Elos Ayta Consultoria.
Neste mês o
conselho de administração da mineradora decidirá se reconduz Bartolomeo, que já
declarou ter a intenção de permanecer no cargo.
Desde que
assumiu o terceiro mandato como presidente do Brasil, Lula trabalha para
“compensar” petistas de sua confiança. Conseguiu a nomeação — que parecia pouco
provável — da ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff, para a presidência do
Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como Banco dos Brics, num
movimento que antecipou o fim do mandato do então presidente, o também
brasileiro, diplomata e respeitado professor de economia Marcos Troyjo, que
praticamente foi obrigado a renunciar ao mandato, que ainda tinha dois anos
pela frente.
Não importa
a Lula se a notícia não foi bem recebida na empresa, muito menos se foi má
avaliada pelo mercado, por duas razões básicas: o economista não tem qualquer
experiência no setor de commodities metálicas — onde a ex-estatal é a maior
produtora de minério de ferro da Terra; e a indicação é vista como uma
interferência indevida numa companhia que, ao longo do tempo, após intrincadas
negociações bilionárias, não mais pertence “só ao governo”, que mantém apenas
uma participação — majoritária é verdade —, mas nada que se compare ao arranjo
societário de anos atrás, quando Lula deixou a presidência do Brasil.
Diante do
ambiente pouco receptivo a um economista que foi responsabilizado durante sua
administração de quase “falir” o Brasil, gerando a maior crise econômica vista
em sua história, o que se esperar do destino da Vale diante dos fatos já
comprovados? Perguntam-se os operadores de mercado.
Ainda que a
Vale não tenha um bloco controlador desde 2019, a Previ, fundo de pensão dos
funcionários do Banco do Brasil — hoje dirigida pelo ex-sindicalista João Luiz
Fukunaga, um quadro do PT que tem boa relação com Lula — ainda possui uma fatia
de 8,71% na companhia, a maior entre todos os sócios.
A Previ
pode, portanto, indicar Mantega a qualquer momento, dentro das regras do jogo,
para substituir um dos dois representantes que tem no conselho — o presidente
do órgão, Daniel Stieler, ex-comandante do fundo do Banco do Brasil, indicado
para a instituição no governo Bolsonaro, e o próprio Fukunaga. Mas, ao que se
sabe, se isso realmente se concretizar, só deverá ocorrer depois de o conselho,
composto por 13 integrantes, oito dos quais considerados “independentes”,
decidir se vai renovar ou não por mais um ano, até abril de 2025, o mandato do
atual presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo — um processo que já está em
andamento e deve ser concluído até o fim do mês.
A questão,
mais do que a indicação de Mantega para o conselho, é até que ponto sua
eventual participação no órgão pode influir nos rumos da Vale e na escolha do
nome que assumirá o comando a partir do ano que vem, independentemente de
Bartolomeo continuar ou não agora. Se a eventual participação de Mantega levar
a um “cavalo de pau” na gestão, o cenário será parecido com o que se desenhou
em 2011, no governo Dilma.
Na época, o
então presidente da empresa, Roger Agnelli (1959-2016), que estava no cargo
desde 2001 e fora indicado pela Bradespar, empresa de participações do Grupo
Bradesco, que ainda detém uma participação importante na Vale, acabou deixando
o comando depois de uma longa campanha desferida contra ele desde o segundo
mandato de Lula, sendo substituído pelo executivo Murilo Ferreira, que já
trabalhava no grupo.
Corporation
A Vale,
hoje, é uma “corporation”. Ou seja, tem o seu capital diluído no mercado e não
há um acionista individual com mais de 10% da empresa. O governo, que ainda tem
influência na empresa, dá sinais de concordar num movimento menos agressivo,
revelou uma fonte a par das conversas.
O arranjo
seria manter Bartolomeo na presidência e renovar o seu mandato somento por mais
um ano, até abril de 2025. Mantega, cujo nome Lula tentou emplacar para dirigir
a Vale no ano passado, seria então acomodado em um dos assentos da Previ no
conselho de administração. Apoiar uma recondução de Bartolomeo não é o desejo
da Previ e, por isso, o arranjo governista é uma tentativa de acordo para
contemplar os interesses dos demais sócios na companhia.
Auxiliares
do presidente afirmam que, desde que chegou ao Palácio do Planalto, Lula fala
em retribuir Mantega pelos trabalhos prestados ao PT. O ex-ministro atuou
informalmente na campanha de Lula, em 2022, e integrou por uma semana a equipe
de transição até ser despejado de lá devido a uma ilegalidade que ocorria.
Em 2016,
ele foi inabilitado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a assumir cargos
públicos em razão de sua participação nas “pedaladas” fiscais do segundo
governo Dilma Rousseff e que levaram a então presidente ao impeachment. No ano
passado, porém, a decisão foi suspensa pelo TRF-1 (Tribunal Regional Federal).
A saída de Mantega, foi o primeiro vexame do terceiro governo Lula.
Mas, nenhum
desses percalços fez Lula desistir de sua determinação de arrumar um prêmio
para Mantega. Se a investida prosperar, o ex-ministro terá uma remuneração
aproximada de R$ 100 mil por mês. O trabalho prevê uma reunião ordinária mensal
e a atuação obrigatória em dois comitês internos, caso Mantega seja
efetivamente nomeado para o conselho da Previ. Todos sabem qual é o objetivo
final do presidente nesse movimento.
A fórmula
A fórmula
que inclui Mantega e Bartolomeo deseja acomodar ainda um nome da Cosan, que
também é acionista da Vale, no comando da companhia. O intento é colocar Luis
Henrique Guimarães no grupo de executivos que administram a Vale, possivelmente
como um dos vice-presidentes, ainda que ele tenha estatura para ser o titular.
Luis
Henrique presidiu a Cosan até novembro, quando deixou o cargo. Em Brasília, o
movimento foi interpretado como um sinal de que o executivo tem pretensões de
assumir um posto na Vale. O executivo não comenta o assunto.
As
tratativas dependem, porém dos demais acionistas. O sócio com maior
participação é a Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil,
por meio do qual o governo exerce a sua influência na Vale. Depois dela estão a
Mitsui, a Blackrock e a Cosan.
O quadro é
bastante diferente do vivido por Lula durante seus dois primeiros mandatos,
quando a companhia era comandada por um bloco de controle integrado por Previ,
Bradespar e BNDESpar. Durante a gestão Jair Bolsonaro, em 2021, o banco estatal
se desfez da participação na Vale e a Bradespar tem hoje menos de 5%.
A Previ tem
dois assentos do total de 13 posições no conselho de administração. A Mitsui
tem um, a Bradespar, um e os funcionários da empresa, um. Os demais são
independentes e foram eleitos para um mandato de dois anos que começou em maio
de 2023. Três deles são estrangeiros, o que reflete a presença de capital
externo na companhia, que é uma das maiores mineradoras do mundo, com ações
entre as mais negociadas na Bolsa de Nova York.
Um dos
conselheiros que atuam fora da zona de influência do governo relatou, sob
reserva, para um jornal de São Paulo, que o entendimento majoritário hoje entre
os acionistas é o de continuidade da atual gestão. Bartolomeo tem o trabalho
bem avaliado e, no currículo, a solução do imbróglio provocado pelo desastre de
Brumadinho. Ele assumiu a presidência em 2019, poucos meses após o rompimento
da barragem em Minas Gerais e, em 2021, formalizou um acordo de reparação com o
governo do Estado.
Bartolomeo
também formou um time de executivos que entregou aumento de produção, de
dividendos e a previsão de três grandes investimentos no Pará e em Minas, além
de novos materiais. Um dos destaques nesse time é Gustavo Pimenta, atual CFO
(vice-presidente financeiro) e considerado o “vice-presidente” da empresa.
Na direção
oposta, descreve outro conselheiro, Bartolomeo tem como maior debilidade a
fragilidade nas relações institucionais, com o governo e com as comunidades
onde a Vale atua. Esse ponto ganhou relevo principalmente após a eleição de
Lula e a intenção de Brasília de ter a empresa como parceira em projetos de
interesse do governo.
A avaliação
de auxiliares de Lula é que a Vale é uma empresa que pode ajudar a fazer
investimentos, num momento de restrição de caixa da União, e a apoiar
iniciativas da transição ecológica, colocada em marcha pelo ministro da
Fazenda, Fernando Haddad.
Entre
conselheiros não governistas, a visão é a de que é preciso criar um “ambiente
colaborativo” com Brasília, que hoje não existe, e que atrapalha o desempenho
da Vale. A empresa pode cooperar com o crescimento econômico, com a transição
energética e com a pauta ambiental, desde que mantendo a independência
institucional de uma empresa privada, sem a pressão do governo no comitê
executivo.
Traduzindo
para a vida real, pode-se contar com a arrecadação de tributos e com a geração
de reservas cambiais da Vale, mas não com o pagamento da renovação da concessão
ferroviária que o Ministério dos Transportes reclama e que poderia drenar quase
R$ 30 bilhões da companhia.
Dessa
forma, o nome de Mantega poderia ser “útil” na mediação, disse um deles, para
levar a agenda da Vale para o governo, e não só funcionando na direção oposta.
Há, porém,
questões estatutárias a serem dirimidas nesta articulação. Formalmente, o
mandato do presidente é de três anos. Mas não se vê entre os conselheiros
oposição a uma negociação que leve a uma interrupção antes do prazo.
A “não
perenização” do presidente, que está no cargo há quatro anos, é uma ideia que
sensibiliza os representantes dos acionistas, assim como a necessidade de se
criar uma alternativa que não provoque a ruptura dos objetivos traçados para a
companhia. Além disso, como a Vale é uma empresa privada, o entendimento é o de
que o assunto pode ser resolvido no conselho de acionistas.
Outra
questão é o mandato dos conselheiros. Os dois nomes da Previ estão no meio do
mandato (válido até maio de 2025), e a troca, ainda que caiba ao próprio fundo
de pensão, também terá que passar pela aprovação dos demais conselheiros. O
mais antigo no posto é Daniel Stieler, que chegou à posição ainda na gestão
Jair Bolsonaro e hoje preside o conselho de administração da Vale. O outro é o
atual presidente da Previ, João Fukunaga.
Neste
momento, os conselheiros estão fazendo uma avaliação do trabalho de Bartolomeo
à frente da Vale. Há uma reunião prevista para o próximo dia 31, mas não se
descarta uma reunião antes disso para tratar da sucessão.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente
do Blog do Zé Dudu em Brasília.