(Foto: Tânia Rego) (Foto: )
O direito
constitucional à inviolabilidade do lar não é respeitado nos processos
relacionados ao tráfico de drogas, mostra pesquisa do Núcleo de Justiça Racial
e Direito (NJRD) da Fundação Getúlio Vargas. A partir da análise de 1,8 mil
acórdãos, decisões judiciais de segunda instância, o estudo mostra que a
polícia entra rotineiramente em residências sem autorização prévia da Justiça.
Foram
analisados casos de sete estados brasileiros: Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro,
Paraná, Goiás e Pará. Em todos os processos, a entrada nas residências
aconteceu após uma abordagem policial. A ação dos policiais foi motivada,
segundo o relato dos agentes, por denúncias anônimas em 60% dos casos, em
decorrência de “patrulhamento rotineiro” em 31% dos casos e por denúncias de
transeuntes ou vizinhos em 9%.
Denúncia
anônima sem averiguação
São
justificativas que, na avaliação da pesquisadora Amanda Pimentel, do NJRD,
abrem espaço para atuação arbitrária das forças policiais. “A polícia não chega
muitas das vezes a averiguar o real conteúdo da denúncia e utiliza a questão da
denúncia anônima, sem uma averiguação real do seu conteúdo, sem nenhum tipo de
outra diligência que possa vir a confirmar o conteúdo dessa denúncia, para
adentrar a casa dessas pessoas,” destaca.
As buscas
residenciais que começam a partir da abordagem nas ruas também tendem, segundo
a especialista, a passar por cima de direitos. “Aponta para uma narrativa
policial que é muito imprecisa e vaga”, enfatiza Amanda. “Eles abordam uma
pessoa em função de acharem que ela estava em uma atitude suspeita, que ele era
uma pessoa suspeita e, em geral, essa ideia de suspeição que eles mobilizam
nesse momento. É uma ideia de suspeição que está muito baseada ou no
comportamento da pessoa, ela estava nervosa, ou por exemplo a vida pregressa da
pessoa,” acrescenta.
Racismo
Essas ações
abrem espaço, de acordo com a pesquisadora, para uma atuação racista por parte
da polícia. “Para nós, existe uma relação muito direta entre a fundada suspeita
e o perfilamento racial, na medida em que são características racializadas,
como a imagem, o comportamento e a vida pregressa do indivíduo, que levam essa
pessoa a ser abordada. E não elementos mais objetivos ligados à existência de
um ilícito,” diz.
Está em
análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF) um processo a respeito das
abordagens baseadas na cor da pele. No depoimento, os policiais citam
explicitamente que o suspeito era uma pessoa negra que estaria “em cena típica
do tráfico de drogas”, em pé, junto ao meio-fio, em via pública, próximo a um
veículo parado.
Apesar da
fragilidade das provas, em 94% dos casos as condenações foram mantidas em
segunda instância. A maior parte das evidências são depoimentos, sendo que 69%
das testemunhas são policiais. Nos processos analisados, em 97% dos casos a
defesa solicitou a nulidade das provas obtidas por violação do domicílio dos
réus.
“A gente vê
que o judiciário pouco contesta a narrativa policial e acaba, ao contrário, não
só acreditando nisso, como sobrevalorizando a palavra policial e não à toa que
esse é o conjunto probatório, o testemunho policial, que embasa essa decisão
judicial final,” critica Amanda.
A questão
está também ligada, na avaliação da pesquisadora, à forma como o Brasil trata o
tema das drogas. “Principalmente o fato, por exemplo, da nossa legislação não
definir de modo objetivo o que seria um usuário, o que seria um traficante,
deixa nas mãos dos policiais para que eles resolvam isso na sua prática
cotidiana. Então, isso encontra um reforço muito grande, a ideia da suspeição,
portanto, de quem vai ser abordado, de quem pode ser preso ali em flagrante,
com essas vaguezas e incompreensões que a nossa legislação sobre drogas traz”.
(Agência Brasil)