Povo Suruí comemora recomendação do MPF (Foto: )
O
Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit) no Pará que conclua o processo de
licitação e inicie, imediatamente, a execução do plano básico ambiental para
mitigação e reparação dos impactos gerados pela pavimentação da Rodovia
Transamazônica à Terra Indígena Sororó, no sudeste do estado. O órgão fixou
prazo de dez dias para que a autarquia inicie a implementação de medidas
emergenciais, e de cinco para a apresentação de um cronograma completo dos
trabalhos.
A obra da
BR-230 teve início na década de 70, antes da instituição da Política Nacional
de Meio Ambiente (Lei 6.938/81) e da exigência de licenciamento ambiental para
atividades ou empreendimentos potencialmente nocivos ao meio ambiente e às
populações tradicionais. Ou seja, mesmo sendo uma das maiores rodovias do país,
com mais de 4 mil quilômetros de extensão, ligando o estado da Paraíba ao
Amazonas, a construção da Transamazônica ocorreu sem a adoção de medidas para
redução ou compensação dos impactos ao meio ambiente e aos ocupantes da área.
Da mesma
forma, apesar de já estar condicionada ao processo de licenciamento, a
pavimentação da rodovia não observou as fases exigidas pela legislação para o
início das obras no trecho da Rota 1, próxima às Terras Indígenas Nova Jacundá,
Sororó e Mãe Maria. Mais uma vez, segundo o MPF, os impactos sobre os povos
originários não foram medidos, reparados ou mitigados. Embora a pavimentação da
rodovia tenha sido concluída na década de 90, o processo ainda está na fase de
licença de instalação, e a aprovação do Componente Indígena do Plano Básico
Ambiental (CI-PBA) ocorreu apenas em 2020.
A
pavimentação da Transamazônica afeta especialmente a Terra Indígena Sororó.
Entre as consequências apresentadas no Estudo de Impacto Ambiental, estão o
aumento da insegurança na BR-153, que corta o território do povo Aikewara;
aumento da pressão de caça por invasores; extração ilegal de madeira;
insegurança alimentar; alteração do calendário ecológico e da dinâmica
socioeconômica regional; aumento de doenças; abertura de novos travessões; e
uso da área para depósito de lixo.
A
recomendação do MPF destaca que, desde a finalização da pavimentação da
rodovia, há mais de 20 anos, as comunidades indígenas têm buscado negociar com
o Dnit pequenas ações para obter a mínima reparação dos impactos decorrentes
das obras. Apesar disso, “o órgão atua perante os povos indígenas como se o
cumprimento dos programas de compensação se tratasse de mera liberalidade”.
Nesse sentido, o MPF enfatiza que o Dnit é responsável, perante o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), pelo
atendimento às condicionantes estabelecidas na licença ambiental.
“Na
qualidade de órgão executor da obra de pavimentação, o Dnit assumiu o ônus de
mitigar os impactos às comunidades tradicionais e povos indígenas afetados
direta ou indiretamente pela obra”, afirma o procurador da República Rafael
Martins. Para ele, nessa qualidade, como qualquer ente público ou privado, cabe
ao Dnit “a imediata execução dos programas previstos no CI-PBA, não apenas
enquanto órgão responsável pelas vias federais, mas sobretudo como parte no
processo de licenciamento ambiental”.
Vistoria
Em reunião
realizada em 2022 com lideranças indígenas, o Dnit informou que a implementação
do Componente Indígena do Plano Básico Ambiental estava em estágio avançado,
com previsão para a conclusão dos editais de licitação ainda no primeiro
semestre daquele ano – o que não ocorreu. Em dezembro de 2023, o órgão assumiu
compromisso de implementar medidas emergenciais, como a recuperação de
vicinais, até a conclusão do processo de licitação, e execução do CI-PBA,
realizando ainda vistorias nas aldeias para identificar demandas emergenciais.
O relatório
sobre a vistoria destacou diversas demandas, como limpeza das vias e adequação
do acesso às aldeias, desassoreamento de açude e instalação de bueiros.
Contudo, posteriormente, o Dnit alegou que, por não estarem previstas no
CI-PBA, as medidas emergenciais estariam fora das atribuições do órgão e da
possibilidade de implementação. Em visita realizada à aldeia Sororó em janeiro
de 2024, o MPF constatou problemas relacionados à segurança alimentar,
saneamento básico e a escassez de recursos hídricos.
Impactos
O
Ministério Público ressalta que, conforme o CI-PBA, o estabelecimento e
execução dos programas previstos no documento têm como objetivo promover, entre
outros aspectos, a segurança alimentar, o fortalecimento de atividades
produtivas sustentáveis, o estímulo à piscicultura para consumo e
comercialização, a melhoria do acesso aos serviços de saúde, o fortalecimento
da cultura Suruí Aikewara e a melhoria do acesso aos serviços de
educação.
Nesse
sentido, a melhoria dos acessos às aldeias, por meio da manutenção das
vicinais, está relacionado diretamente com os programas estabelecidos,
principalmente, por impactar no escoamento da produção, viabilizar a conexão e
o fortalecimento da cultura entre as aldeias, e melhorar o acesso a serviços de
saúde no local.
Conforme a
Política Nacional de Meio Ambiente, que instituiu o licenciamento ambiental, o
CI-PBA deve ser elaborado e implementado como parte do processo de
licenciamento de empreendimentos ou atividades que possam causar mudanças em
terras indígenas. O objetivo é mitigar os impactos negativos e otimizar os
positivos, garantindo a integridade física e cultural das comunidades indígenas
envolvidas e a preservação de suas terras e recursos naturais.