A greve dos servidores do Ibama completou 120 dias (Foto: )
Os
prejuízos de vários setores da economia nacional não sabem mais o que fazer,
porque estão reféns do governo federal, que não consegue negociar com várias
categorias federais que estão em estado permanente de greve, ocasionando
bilhões de prejuízos ao setor produtivo.
Empresas
estão de mãos atadas por conta de paralisações de carreiras ligadas ao setor
público. No caso do setor de energia, especificamente na produção de petróleo,
os custos da greve já ultrapassam os R$ 2,2 bilhões.
Há pelo
menos 15 categorias de funcionalismo atualmente com movimentos cuja pauta de
reivindicações o governo ou não atende, ou atende parcialmente. Há negociações
simultâneas com o governo há meses, algumas demandas foram atendidas, porém,
continuam sem acordos funcionários ligados a CVM (Comissão de Valores
Mobiliários), CGU (Controladoria Geral da União), Tesouro Nacional, Susep
(Superintendência de Seguros Privados), Ibama (Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), e profissionais da educação de
universidades e institutos federais, entre outras.
Processo de licenças
paralisados há meses
Sem
renovações e novas licenças de instalação e operação das autoridades ambientais
há mais de 120 dias — recorde estabelecido pelo governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) —, a demora para resolver o problema intriga os
envolvidos, uma vez que o Partido dos Trabalhadores tem como bandeira a defesa
dos trabalhadores e é recompensado com votos, nas eleições nas quais disputa
por esse segmento do funcionalismo público.
A situação
escalou da preocupação para o caos. O setor de petróleo e gás contabiliza
perdas de cerca de R$ 2,250 bilhões, segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo
e Gás (IBP). Roberto Ardenghy, presidente da entidade, diz que as empresas da
área vêm deixando de produzir 40 mil barris de petróleo diariamente por conta
da operação do Ibama, o que impacta não só os negócios como também a balança
comercial, o PIB e a arrecadação de tributos, uma vez que deixam de ser
recolhidos royalties sobre a extração dos insumos. O valor aumenta a cada hora.
O volume de
produção não será compensado posteriormente, afirma ele, uma vez que é
impossível aumentar a capacidade de extração diária. “Uma das nossas associadas
teve de devolver uma sonda que veio do exterior porque estava sem licença de
produção e demitiu 20 funcionários, já que o equipamento só poderá voltar daqui
a um ano”, diz Ardenghy. “O processo só se agrava à medida que o tempo passa
porque as empresas são obrigadas a postergar decisões de investimentos.”
Além do
impacto na atividade em si, o setor também vem sendo afetado por atrasos em
pesquisas feitas por universidades públicas. Por lei, as empresas de óleo e gás
têm de investir 1% do lucro bruto em desenvolvimento de novas tecnologias, o
equivalente a US$ 2 bilhões anuais, que chegam a 148 universidades. “É um crime
que esteja tudo parado”, diz ele.
Outras
atividades, como mineração e energia também têm sido afetadas pela paralisação
de atividades de campo do Ibama. Segundo a Ascema Nacional (Associação Nacional
dos Servidores Especialistas em Meio Ambiente), o número de licenças
concedidas, que somou 180 no primeiro quadrimestre do ano passado, está em 69
no mesmo período de 2024. Apenas no setor elétrico, foram afetados quatro
processos de termoelétricas que somam 5.970 MW de capacidade e 3 eólicas que
somam 934,8 MW, entre outros.
Também
tiveram análises e emissões de autorizações interrompidas projetos ligados à
mineração. Mas, segundo o Ibram, que representa as mineradoras, não houve
reclamação dos associados até o momento.
De acordo
com a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), há
hoje 30 mil veículos aguardando liberação ambiental em portos. Além de atrasar
entregas de carros no mercado nacional, principalmente vindos da Argentina e da
China, o movimento tem afetado também parte das exportações. Para a entidade,
as empresas do setor acabam se adaptando ao ritmo mais lento de liberação. O
processo, que levava entre 15 e 20 dias, aumentou para 60 dias, segundo a
Ascema Nacional.
A
paralisação acontece, porém, pouco antes do aumento de carga tributária para
veículos híbridos e elétricos importados, previsto para julho. Montadoras,
principalmente chinesas, organizaram-se para trazer um volume maior de carros
ao País, antes da majoração da alíquota e não têm conseguido internalizar os
veículos.
Sindicatos
O impacto
pode ficar ainda maior caso o movimento radicalize em categorias que hoje fazem
apenas paralisações, diz Rudinei Marques, presidente da Fonacate (Fórum
Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado), que reúne 36 entidades,
das quais 22 de âmbito federal. “Ainda não há acordo para os fiscais
agropecuários, que respondem por toda fiscalização sanitária do agronegócio e
cujo movimento pode escalar, por exemplo”, diz Marques. “A situação no Tesouro
também pode comprometer a vida do governo, já que em junho há transferência de
emendas parlamentares a municípios no valor de R$ 8 bilhões.” Com isso, diz
ele, fazer o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) em agosto se tornaria
impraticável.
Sem
reajustes há seis anos, os servidores foram estimulados às paralisações pelo
próprio presidente Lula, diz Marques. “O reajuste emergencial de um terço dos
salários que conseguimos nesta gestão foi completamente insuficiente para
estancar as perdas”, afirma. “O presidente Lula disse para fazermos
paralisações para pressionarmos por condições melhores e é o que estamos
fazendo.”
Segundo
Marques, a entidade está acostumada às negociações travadas por questões
ligadas à responsabilidade fiscal. Porém, o governo tem tido uma postura
“perdida”, diz ele, por ter mudado três vezes a estratégia de negociação. A
mais recente consiste em mesas de negociação com cada uma das categorias. Foram
20 mesas de setembro para cá, algumas das quais ainda sem conclusão. “Há mais
60 mesas requeridas, que eles esperam encerrar até julho”, diz. “Isso não vai
acontecer.”
Meio ambiente ameaçado pelo
Ibama
O órgão
federal responsável pela proteção do meio ambiente brasileiro agora assumiu o
papel de vilão e seus servidores não trabalham há 120 dias (4 meses). A
paralisação de atividades de campo do Ibama, responsável pelas maiores perdas
corporativas até agora, tem ainda impactos não contabilizados no meio ambiente.
Os autos de infração na Amazônia Legal caíram 82% e as atividades de prevenção
de incêndios e catástrofes naturais estão praticamente sem ser realizadas. “A
retomada do protagonismo brasileiro na pauta ambiental não se refletiu na
valorização dos servidores da área”, diz Binho Zavaski, presidente da Ascema
Nacional.
As demandas
da categoria, praticamente destruída na gestão Jair Bolsonaro, diz ele, vão bem
além de aumento de salário. Os funcionários querem a reestruturação da
carreira, com a parametrização aos funcionários da Agência Nacional de Águas
(ANA), redução do fosso salarial entre cargos, reivindicação de atividades de
risco para áreas conflagradas e inclusão das carreiras na lei de fronteiras.
Também a recomposição dos quadros das entidades, que hoje têm 45% dos postos em
aberto.
Atualmente,
as entidades trabalham numa contraproposta ao que foi oferecido pelo governo.
“Esperamos haver uma saída negociada com governo sem paralisação geral, o que
seria cenário muito ruim”, afirma.
Sergio
Lazzarini, professor do Insper e especialista em estratégia e organização no
setor público, diz que uma boa alternativa às negociações seria avançar em
discussões além da recomposição salarial. Incluir nos debates avaliações de
desempenho e qualidade de serviços prestados, como determina a Constituição.
Algo que jamais foi regulado. “Há várias iniciativas que poderiam caminhar no
sentido da construção de um Estado mais moderno”, diz ele. “Esse poderia ser um
bom momento para trazer essa pauta à mesa.”
Na sombra
de todo esse quadro sombrio há o fantasma de uma Reforma Administrativa que
começa a ganhar cada vez mais apoio para que saia da geladeira e modernize o
setor público brasileiro. “Se servidores concursados pudessem ser demitidos por
abandono de emprego porque é o que se vê agora, esse caos não estaria
acontecendo”, disse um deputado federal ao Blog do Zé Dudu.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente
do Blog do Zé Dudu em Brasília.