Planta de cannabis medicinal já
está regulamentada. STF quer avançar na descriminalização e permitir o cultivo
de até 6 plantas fêmeas, para uso de viciados
A maioria formada na terça-feira
(26), em julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que aprovou a
descriminalização da maconha (cannabis sativa) teve péssima repercussão na
Bancada do Pará no Congresso Nacional. Embora parte da composição seja de partidos
que se posicionam como aliados do governo, individualmente, os 17 deputados
federais e três senadores do Pará, são majoritariamente contra a decisão da
Corte Suprema.
Congressistas paraenses se
posicionaram contra a decisão do STF. Primeiro, porque o julgamento foi visto
como inapropriado, uma vez que tramita no Congresso Nacional um Projeto de
Emenda à Constituição (PEC), já aprovado no Senado Federal, de autoria do presidente
da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que proíbe qualquer quantidade de
droga ilícita, seja ela qual for, vetando também sua descriminalização.
A decisão majoritária dos
ministros da mais alta instância judicial do país deixou lacunas sobre quem,
afinal, poderá ser preso e punido penalmente por carregar a droga. A principal
definição pendente é sobre a quantidade máxima que diferenciará um usuário, que
não será mais fichado como criminoso, do traficante, que continuará sujeito a
penas que variam de 5 a 15 anos de reclusão.
A tendência é que fique em 40
gramas, quantidade considerada despropositada pelos deputados e senadores de
praticamente todas as bancadas partidárias com assento no Congresso Nacional.
Mas isso, por si só, não será suficiente para a distinção. Uma pessoa flagrada
pela polícia com menos que isso poderá responder por tráfico se forem
identificados instrumentos que indiquem a venda, como balança, cadernos de
anotação, celulares com contatos de compra e venda, especialmente nos casos de
“delivery”, bem como circunstâncias e locais de apreensão – uma boca de fumo,
por exemplo, evidencia o tráfico.
Já uma pessoa com a quantidade
além do limite a ser definido poderá se livrar da punição penal como traficante
se provar que a maconha era para consumo próprio. “Inverte o ônus da prova”,
explicou o ministro Alexandre de Moraes, cujo voto guiou boa parte dos
ministros.
Mas ainda não há consenso sobre a
quantidade. Cristiano Zanin e Kassio Nunes Marques, que votaram por manter o
porte como crime, disseram que fixariam em 25 gramas, caso vencidos – mesmo
limite de Luís Roberto Barroso, que votou a favor da descriminalização e disse
estar disposto a mudar o limite. Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Cármen
Lúcia e Rosa Weber, cujo voto foi depositado antes de sua aposentadoria,
defenderam 60 gramas, mas também sinalizaram que podem baixar para 40g. Já
Edson Fachin, Dias Toffoli, Luiz Fux e André Mendonça disseram que a tarefa
deveria ficar com Congresso ou Anvisa, órgão do Executivo.
Isso ficará mais claro na sessão
desta quarta-feira (26), quando os ministros voltam a se reunir no plenário
para discutir o tema e tentar chegar a um acordo, para que o resultado seja
então proclamado por Barroso, presidente da Corte. Durante todo o julgamento,
ele e outros ministros tentaram convencer que são contra as drogas e não
estariam atropelando o Congresso, que decidiu manter a posse para consumo como
crime na Lei de Drogas em 2006 e, desde então, recusou propostas para
descriminalizar a conduta.
“Não estamos liberando”, disse
Barroso. “O tribunal considera que o consumo de drogas ilícitas é uma coisa
ruim e que o papel do Estado é combater o tráfico e tratar os dependentes.
Estamos apenas tratando da melhor forma de debelar essa epidemia que existe e
que as estratégias atuais não estão funcionando, pois o consumo vem crescendo e
o tráfico também”, frisou, no final da sessão do julgamento na terça-feira.
O discurso ecoa a preocupação com
uma proposta de emenda constitucional (PEC), já aprovada no Senado e encampada
pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, que reforça que “a lei considerará
crime a posse e o porte, independentemente da quantidade”.
Se aprovada na Câmara, em
princípio derrubaria a decisão do STF, mas nada impede que partidos favoráveis
à descriminalização acionem a Corte, desta vez para derrubar a futura emenda
constitucional. Nesse cenário, se o tribunal a anulasse, o confronto entre os
Poderes se agravaria. Se o STF recuasse e deixasse valer a futura emenda, seria
a admissão de uma derrota humilhante e de fraqueza institucional. “Está,
portanto, apresentado as armas”, disse um deputado paraense ao Blog.
Daí a defesa, por vários
ministros, de que o próprio Congresso defina a quantidade, numa tentativa de
conciliação. Mas como a propensão atual do Legislativo é confirmar a
criminalização, essa hipótese é remota. Por isso, os ministros vão definir o
limite da quantidade de drogas para que a decisão não seja inócua.
O argumento central dos ministros
favoráveis à descriminalização é o de que a polícia distingue usuários de
traficantes de forma arbitrária e discriminatória, em prejuízo de negros e
pobres. “Agora, o negro, de 18 a 26 anos, o analfabeto, é condenado [por
tráfico] com 20 gramas. O branco com ensino superior, com 57 ‘gramas”, disse
Alexandre de Moraes, baseando-se em dados de uma pesquisa em São Paulo. “Os
juízes, não tendo havido a definição precisa, passaram a viver cenário de
arbítrio. A ausência de lei levou a esse cenário no qual se podia ter a escolha
do critério, que foi pela droga e quantidade, segundo preconceitos”,
acrescentou Cármen Lúcia.
Quem fiscaliza?
Outra questão ainda não definida
é sobre qual autoridade fiscalizará a aplicação das sanções administrativas a
serem aplicadas a quem porta maconha para consumo pessoal. A todo momento, os
ministros deixaram claro que o ato continua sendo ilícito e sujeitará o
infrator a punições de advertência, comparecimento a programa educativo e
talvez à prestação de serviços à comunidade.
São consequências já previstas na
lei, mas que passariam de punições penais a administrativas. Com a mudança,
porém, a rigor, não caberia à polícia e a juízes criminais determinar e
monitorar o cumprimento dessas medidas. A dúvida é se isso ficará a cargo de um
juiz em âmbito cível, ou caberá a alguma autoridade governamental.
O defensor público de São Paulo
Rafael Muneratti, autor da ação em julgamento no STF e que pediu a
descriminalização do porte para consumo, cogita a possibilidade de o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) definir essa competência.
“Há uma sugestão do ministro
Toffoli, de que enquanto não haja transição para Justiça administrativa,
continuar com a Justiça penal. Mas a ideia é que provavelmente o próprio CNJ
determine que os tribunais criem varas especializadas para esse ilícito”, afirmou
Muneratti após a sessão.
Uma objeção, notada pelo ministro
Cristiano Zanin, contrário à descriminalização, é que a Lei de Drogas manda
aplicar disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.
Uma das punições previstas, no
entanto, ainda pode cair: a prestação de serviços à comunidade. Por ser de
natureza tipicamente penal, por impor uma obrigação física ao infrator, alguns
ministros consideram que deve ser eliminada, de modo a sujeitar o usuário
apenas à advertência e ao comparecimento a programa educativo.
Para evitar desgastes, os
ministros, no entanto, querem mais: forçar o governo a aplicar mais recursos em
campanhas antidrogas. Já existe maioria para proibir contingenciamento do Fundo
Nacional Antidrogas, gerido pelo Ministério da Justiça, e que acumula R$ 1
bilhã
Não se sabe exatamente quanto
deverá ser aplicado na campanha e quanto sobrará para tratamento de dependentes
químicos e repressão ao tráfico. Procurado, o ministro da Justiça e Segurança
Pública, Ricardo Lewandowski, até dias atrás, ministro do STF, disse que só vai
se manifestar quando o julgamento for concluído e não quis responder sobre os
recursos acumulados no Fundo Nacional Antidrogas.
Quanto à fiscalização da posse,
dúvidas ainda permanecem. Os ministros insistiram que o consumo em locais
públicos continua ilícito. Mas se a polícia flagrar um usuário consumindo na
rua, que procedimento deverá adotar? Questões assim podem acabar tendo de ser
esclarecidas em recursos, chamados embargos de declaração, que poderão ser
apresentados ao STF futuramente, para esclarecer obscuridades, contradições ou
omissões da decisão final do STF.
O mesmo se dá em relação à outra
permissão tácita do STF: a possibilidade de usuários plantarem 6 mudas fêmeas
da cannabis sativa em casa. Como não será mais crime plantar essa quantidade em
casa, não há clareza sobre como será feito esse controle.
Enquanto o STF não esclarece
essas lacunas, avança no Congresso uma tentativa de reação. Depois de mais de
um mês parada, a PEC das Drogas voltará a tramitar com a criação de uma nova
comissão especial. As decisões do Parlamento devem criar novos choques com o
Supremo em breve.
Leia mais na Coluna Direto de
Brasília que será publicada na sexta-feira (28/6).
* Reportagem: Val-André
Mutran – Correspondente do Blog do
Zé Dudu em Brasília.