Deputada Alice Portugal (PCdoB/BA) enfrenta o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Psol, PDT e PCdoB, fizeram de tudo para obstruir a votação, mas foram derrotados (Foto: )
Com modificações pontuais no
texto aprovado no Senado, os deputados federais aprovaram, na sessão
deliberativa da terça-feira (9), o projeto de lei que muda alguns pontos da
reforma do ensino médio (Lei n° 13.415/2017) com o objetivo de adequar à
realidade das escolas as alternativas de formação apresentadas aos estudantes.
A proposta será enviada à sanção presidencial. Na mesma sessão, foi aprovada a
urgência para a votação do projeto de lei complementar (PLP nº 68/2024) —
coração da regulamentação da Reforma Tributária. A votação terá início na manhã
desta quarta-feira (10).
O texto novo ensino médio
aprovado, é um substitutivo do relator, deputado Mendonça Filho (União-PE) para
o Projeto de n° Lei 5.230/2023, do Poder Executivo. O substitutivo mantém o
aumento da carga horária da formação geral básica previsto no projeto original,
de 1.800 para 2.400 horas (somados os três anos do ensino médio) para alunos
que não optarem pelo ensino técnico.
A carga horária total do ensino
médio continua a ser de 3.000 horas nos três anos (5 horas em cada um dos 200
dias letivos anuais).
Para completar a carga total nos
três anos, os alunos terão de escolher uma área para aprofundar os estudos com
as demais 600 horas. A escolha poderá ser entre um dos seguintes itinerários
formativos:
• linguagens e suas tecnologias;
• matemática e suas tecnologias;
• ciências da natureza e suas tecnologias; ou
• ciências humanas e sociais aplicadas.
Atualmente, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB) define um total de 1.800 horas para a formação geral
básica, direcionando 1.200 horas para os itinerários de formação, após a
reforma do ensino médio de 2017. Mendonça Filho era ministro da Educação à
época e propôs essa reforma.
Ensino noturno
Uma das mudanças vindas do Senado
determina que os estados deverão manter, na sede de cada um de seus municípios,
pelo menos uma escola de sua rede pública com oferta de ensino médio regular no
turno noturno. Esse ponto foi mantido no texto aprovado hoje no Plenário da
Câmara.
A exigência dependerá de haver
demanda manifestada e comprovada pela matrícula nesse turno, na forma da
regulamentação do respectivo sistema de ensino.
Outra mudança acatada prevê apoio
do Ministério da Educação aos sistemas estaduais de educação para o
estabelecimento de políticas, programas e projetos de formação continuada dos
docentes que incluam orientações didáticas e reflexões metodológicas relacionadas
ao novo formato do ensino médio.
Formação técnica
No caso da formação técnica e
profissional, um dos itinerários possíveis para as escolas ofertarem aos
estudantes, a formação geral básica será de 1.800 horas. Outras 300 horas, a
título de formação geral básica, poderão ser destinadas ao aprofundamento de
estudos em disciplinas da Base Nacional Comum Curricular diretamente
relacionadas à formação técnica profissional oferecida.
Como esses dois módulos totalizam
2.100 horas, outras 900 horas ficarão exclusivamente para as disciplinas do
curso técnico escolhido pelo aluno quando ofertado pela escola, totalizando
assim 3.000 horas.
Segundo o texto aprovado, o
ensino médio será ofertado de forma presencial, mas será admitido,
excepcionalmente, que ele seja mediado por tecnologia, na forma de regulamento
elaborado com a participação dos sistemas estaduais e distrital de ensino.
Ao contrário do texto original do
governo, continua na lei a permissão para contratar profissionais de notório
saber reconhecido pelos sistemas de ensino para ministrar conteúdos na educação
profissional técnica de nível médio, mesmo que sua experiência tenha sido em
corporações privadas
Itinerários
Os sistemas de ensino deverão
garantir que todas as escolas de ensino médio ofertem o aprofundamento integral
de todas as áreas de conhecimento, exceto o ensino profissional. Deverá haver,
no mínimo, dois itinerários formativos de áreas diferentes.
Como os itinerários são
formatados de acordo com o contexto local e as possibilidades dos sistemas de
ensino, o estudante poderá optar por uma complementação com itinerários focados
em duas áreas diferentes: matemática e ciências da natureza, por exemplo; ou
linguagens e ciências humanas.
A montagem dos itinerários
dependerá de diretrizes nacionais a serem fixadas pelo Conselho Nacional de
Educação com a participação dos sistemas estaduais de ensino, reconhecidas as
especificidades da educação indígena e quilombola.
Esses sistemas, por sua vez,
deverão apoiar as escolas para a realização de programas e projetos destinados
a orientar os alunos no seu processo de escolha dos itinerários
Carência de escolas
Do total de municípios
brasileiros, 51% (2.831) possuem apenas uma escola pública de ensino médio, e a
maior parte delas está em cidades com os menores níveis para o Indicador de
Nível Socioeconômico do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep).
Segundo o Ministério da Educação
(MEC), em 2022, 48% das unidades federativas não haviam iniciado a
implementação do novo ensino médio nas turmas de Educação de Jovens e Adultos
(EJA), 15% declararam que não iniciaram nas turmas do ensino noturno e 22% não
o fizeram em escolas indígenas.
O projeto surgiu de consultas
públicas do MEC junto às escolas e à sociedade organizada em razão das
dificuldades de infraestrutura para ofertar os itinerários formativos.
Por outro lado, em estados nos
quais a mudança foi implementada, houve casos da oferta de 33 trilhas de
aprofundamento nas áreas de conhecimento, provocando um excesso de
diversificação que poderia agravar a desigualdade.
Ensino técnico
Quanto ao ensino técnico, o texto
aprovado prevê sua oferta por meio de cooperação técnica entre as secretarias
estaduais de Educação e as instituições credenciadas de educação profissional,
preferencialmente públicas.
Na versão anterior da proposta, o
ensino técnico teria de ser previamente aprovado pelo Conselho Estadual de
Educação, homologado pela Secretaria de Educação e certificado pelos sistemas
de ensino.
Disciplinas
Em relação às disciplinas que o
projeto original pretendia garantir na formação geral básica, o substitutivo de
Mendonça Filho especifica que elas integrarão o ensino médio dentro da base
comum curricular nas quatro áreas de conhecimento.
No entanto, o espanhol continuará
a ser disciplina não obrigatória, que poderá ser ofertada como outra língua
estrangeira preferencial no currículo de acordo com a disponibilidade dos
sistemas de ensino.
Para comunidades indígenas, o
ensino médio poderá ser ministrado nas suas línguas maternas.
Com a nova redação proposta, não
constará mais da LDB a obrigatoriedade de ensino de língua portuguesa e de
matemática nos três anos do ensino médio, tema que será tratado na Base Comum
Curricular.
Propostas pedagógicas
Segundo o projeto, as escolas
deverão montar suas propostas pedagógicas considerando elementos como promoção
de metodologias investigativas no processo de ensino e aprendizagem e conexão
dos processos de ensino e aprendizagem com a vida comunitária e social.
Deverá haver ainda reconhecimento
do trabalho e de seu caráter formativo e uma articulação entre os diferentes
saberes a partir das áreas do conhecimento.
Aprendizagens e competências
Em regime excepcional, para fins
de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio em regime de tempo
integral, os sistemas de ensino poderão reconhecer aprendizagens, competências
e habilidades desenvolvidas pelos estudantes em experiências extraescolares.
Para isso, deverá haver formas de
comprovação definidas por esses sistemas de ensino, considerando, por exemplo:
• a experiência de estágio,
programas de aprendizagem profissional, trabalho remunerado ou trabalho
voluntário supervisionado;
• a conclusão de cursos de qualificação profissional com certificação; e
• a participação comprovada em projetos de extensão universitária, iniciação
científica ou atividades de direção em grêmios estudantis.
No planejamento da expansão das
matrículas de tempo integral, deverão ser observados critérios de equidade para
assegurar a inclusão dos estudantes em condição de vulnerabilidade social, da
população negra, dos quilombolas, dos indígenas, das pessoas com deficiência e
da população do campo.
Transição
O substitutivo prevê a formulação
das novas diretrizes nacionais para o aprofundamento das áreas de conhecimento
até o fim de 2024 e a aplicação de todas as regras pelas escolas a partir de
2025.
Alunos que estiverem cursando o
ensino médio na data de publicação da futura lei contarão com uma transição
para as novas regras.
Ensino superior
A partir de 2027, o processo
seletivo para o ensino superior deverá considerar as diretrizes nacionais de
aprofundamento definidas. O estudante terá o direito de optar por uma das áreas
de conhecimento, independentemente do itinerário formativo cursado no ensino
médio.
Assim, por exemplo, o itinerário
poderá ser linguagens mais matemática e suas tecnologias, e o aluno escolher
ciências naturais e suas tecnologias no vestibular.
Escola do campo
No texto aprovado, o deputado
Mendonça Filho aceitou emendas para incluir benefícios a estudantes do ensino
médio de escolas comunitárias que atuam no âmbito da educação do campo.
Assim, esses alunos se juntarão
àqueles de baixa renda que tenham cursado todo o ensino médio em escola pública
no acesso aos benefícios de bolsa integral no Prouni para cursar o ensino
superior em faculdades privadas e à cota de 50% de vagas em instituições
federais de educação superior.
Poderão contar ainda com a
poupança do ensino médio (Programa Pé de Meia).
Pronatec
Mudança do Senado aprovada pela
Câmara concede, para escolas que ofertem matrículas de ensino médio articulado
com educação profissional e tecnológica, prioridade no recebimento de recursos
federais no âmbito do Programa Escola em Tempo Integral. A prioridade deverá
ocorrer por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
(Pronatec).
A matrícula nesses cursos será
considerada ainda critério para escolha do aluno para receber a poupança do
programa Pé de Meia.
Cooperação técnica
A Câmara aprovou trecho do texto
dos senadores para determinar aos entes federados que promovam cooperação
técnica no âmbito da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica a fim de estimular a oferta desse tipo de curso em articulação com
o ensino médio.
Espanhol
Para o deputado Jorge Solla
(PT-BA), o Brasil precisa incorporar capacidade de interlocução com países da
América Latina e, por isso, seria necessário o ensino de espanhol obrigatório.
“Se o objetivo é fazer com que, no ensino médio, se tenha a oportunidade de ter
educação profissional, o acesso às duas línguas [espanhol e inglês] é
imprescindível para qualquer qualificação”, declarou.
O deputado Felipe Carreras
(PSB-PE) ressaltou que o espanhol não é uma imposição de língua obrigatória,
mas apenas uma opção em relação ao inglês. “Não estamos obrigando os estudantes
a escolher a língua espanhola: 70% dos estudantes que fazem o Enem escolhem o
espanhol”, afirmou.
Para a deputada Adriana Ventura
(Novo-SP), não há sentido tornar o espanhol obrigatório, a “não ser atender
demanda e lobby para dar obrigatoriedade a uma coisa que o mercado não pede”.
Ela também defendeu a manutenção do notório saber como critério para
contratação de profissionais para os cursos técnicos.
Para o relator, deputado Mendonça
Filho, o espanhol pode ser obrigatório, desde que a rede estadual adote isso.
“Não dá para impor essa regra ao Brasil todo”, afirmou. Ele lembrou que nenhum
país sul-americano adota o português como segunda língua, além do inglês.
Registre-se que, liderados pelos
deputados do Psol, o PDT e PCdoB, fizeram de tudo para tumultuar a sessão e
anular a votação, atitude rechaçada pelo presidente da Câmara, que não acolheu
as artimanhas do “kit de obstrução” utilizados pelos três partidos. Ao fim,
foram votos vencidos, conseguindo apenas pouco mais de 100 votos contra a
aprovação da matéria.
* Reportagem: Val-André
Mutran – Correspondente do Blog do
Zé Dudu em Brasília.