Segundo Nota Técnica do Banco Central, brasileiros gastam em média R$ 20 bi por mês com apostas online (Foto: )
Considerado um programa exitoso de distribuição de renda
direta, criado no governo FHC e turbinado nas gestões petistas, as regras do
Bolsa Família estão na mira do governo, após Nota Técnica do Banco Central (BC)
revelar que, em agosto passado, 5 milhões de pessoas de famílias beneficiárias
do programa enviaram R$ 3 bilhões, via Pix, a plataformas de apostas. O
relatório do BC, divulgado nesta terça-feira (24), analisou dados do mercado de
apostas online no país.
O valor mediano transferido por beneficiário é de R$ 100.
Entre os apostadores, 70% são chefes de família – ou seja, aqueles que de fato
recebem o benefício – e enviaram R$ 2 bilhões (67%) para as bets.
O Banco Central utilizou para a pesquisa o número de cadastrados de dezembro de
2023, dentre os quais 17% apostaram.
Em agosto, o Bolsa Família repassou R$ 14,1 bilhões para
mais de 20,7 milhões de famílias, com valor médio de R$ 681 por família. Isso
significa que 21% do valor pago pelo governo foi transferido via Pix a empresas
de apostas, segundo a instituição.
“Esses resultados estão em linha com outros levantamentos
que apontam as famílias de baixa renda como as mais prejudicadas pela atividade
das apostas esportivas. É razoável supor que o apelo comercial do
enriquecimento por meio de apostas seja mais atraente para quem está em
situação de vulnerabilidade financeira,” diz o BC.
“O BCB está atento ao tema e precisa ainda de mais dados e
tempo para avaliar com maior robustez suas implicações para a economia, a
estabilidade financeira e o bem-estar financeiro da população,” diz a nota
técnica, elaborada pelo BC após solicitação do senador Omar Aziz (PSD-AM).
Mais cedo, o presidente do Banco Central, Roberto Campos
Neto, mostrou preocupação sobre o assunto. “É um tema muito relevante e que tem
sido falado, sobre o comprometimento da renda das famílias nesses sites de
apostas”, disse durante a Brazil Conference, em São Paulo.
De acordo com Campos Neto, o crescimento dessas casas de
apostas é uma questão que preocupa o Banco Central. Ele reforçou, no entanto,
que o trabalho no BC nesta questão deve se limitar a ajudar o governo e o
Congresso com dados.
Brasileiros gastam cerca de R$ 20 bi por mês com apostas
No estudo, o BC estima que o volume mensal de transferências
via Pix de pessoas físicas para empresas de apostas online variou entre R$ 18
bilhões e R$ 21 bilhões de janeiro a agosto. O número não considera pagamento
por meio de outras modalidades, como cartões de crédito, débito, ou
transferências via TED.
Em agosto, por exemplo, foram transferidos via Pix R$ 21,1
bilhões para as empresas de jogos de azar e apostas, enquanto as loterias
tradicionais da Caixa arrecadaram R$ 1,9 bilhão.
O BC estima que cerca de 24 milhões de pessoas físicas
participaram de jogos de azar e apostas, realizando ao menos uma transferência
via Pix para essas empresas durante o período analisado, de janeiro a agosto.
Em relação ao perfil dos apostadores, a maioria tem entre 20
e 30 anos. Segundo o estudo, o valor médio mensal das transferências aumenta
conforme a idade: para os mais jovens, gira em torno de R$ 100; enquanto para
os mais velhos, ultrapassa R$ 3 mil, segundo dados de agosto.
O BC destacou que a análise sobre esse mercado apresenta
muitos desafios, “já que muitas das empresas que operam jogos de azar e apostas
online o fazem sob nomes que não correspondem aos divulgados na mídia, e várias
delas não estão corretamente classificadas no setor econômico apropriado”, diz
a nota.
Em agosto, por exemplo, o BC identificou 520 empresas da
área que estavam enquadradas no setor econômico (CNAE) adequado. Elas, no
entanto, movimentaram um valor pequeno: R$ 300 milhões. Por outro lado, foram
identificadas 56 companhias que não estavam no CNAE apropriado, mas foram
localizadas “com base em citações na internet e na aplicação de filtros com
características típicas de transferências de apostas”. Juntas, essas receberam
um montante muito superior: R$ 20,8 bilhões em transferências em agosto.
“Com base nas transferências que são feitas dessas empresas
para pessoas físicas, estimamos que aproximadamente 15% do que é apostado seja
retido pelas empresas, com o restante distribuído aos ganhadores a título de
prêmio”, diz o BC, embora ressalte que “este valor de retenção pode estar
subestimado”.
O mercado de apostas online está em processo de
regulamentação pelo Ministério da Fazenda. A pasta já publicou portarias com
diretrizes, mas as regras só entrarão em vigor a partir de janeiro de 2025 –
entre elas a proibição de apostas com cartão de crédito. A partir do mês que
vem, porém, só poderão operar empresas que pediram autorização para a Fazenda.
O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban),
Isaac Sidney, vem defendendo a proibição imediata do uso do cartão para apostas
– que para ele assumira proporções “gigantescas e alarmantes”.
Governo analisa medidas
O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, cuja
pasta é a responsável pela gestão do Bolsa Família, solicitou informações ao
Ministério da Fazenda sobre os dados divulgados pelo BC.
“Como é do conhecimento público, há proposta em andamento
para regulamentação das bets e certamente a situação das pessoas mais
vulneráveis e outros aspectos sociais serão considerados quando da
regulamentação”, disse o ministro.
“O Bolsa Família transfere um dinheiro livre para a família
e tem por objetivo combater a fome e atender a necessidades básicas de pessoas
em situação de insegurança alimentar e outras vulnerabilidades. Tudo faremos
para manter estes objetivos”.
Por Val-André Mutran – de
Brasília