Militares vigiam buscas a ossadas de desaparecidos da Guerrilha do Araguaia em cemitério de Marabá, em 2009 (Foto: )
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos planeja visitar cinco estados em busca dos restos mortais de vítimas da ditadura. A tarefa está prevista no plano de trabalho que será votado nesta quinta-feira (15), em Brasília. Marabá está no centro dessas buscas, por ter sido um dos locais que abrigou vários guerrilheiros no início da década de 1970.
O grupo pretende fazer diligências em cemitérios de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Pará e Tocantins. Nos últimos dois estados, a intenção é identificar ossadas de combatentes da Guerrilha do Araguaia.
O plano ainda prevê a retomada de exames genéticos para identificar ossadas encontradas numa vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, em Perus, na capital paulista.
De acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), 243 pessoas foram vítimas de desaparecimento forçado na ditadura, o que representa mais da metade das 434 vítimas oficiais do regime.
As primeiras escavações em busca das ossadas foram iniciadas na década de 1980, mas os trabalhos de identificação sempre esbarraram em problemas técnicos e orçamentários. Até hoje, menos de 20 vítimas tiveram os restos mortais identificados e entregues às famílias.
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi extinta no fim do governo de Jair Bolsonaro, que sempre se opôs à investigação dos crimes da ditadura. O grupo foi recriado em julho por decreto do presidente Lula. Após meses de reorganização, deve retomar os trabalhos nas próximas semanas.
Nas décadas de 1990 e 2000, a Comissão Nacional da Verdade fez escavações em Marabá e ouviu vários depoimentos de vítimas da ditadura militar na região. Com apoio do Exército, foram percorridos cemitérios como o da Saudade (Nova Marabá) e São Miguel, o primeiro da cidade.
A LENDÁRIA CASA AZUL
Às margens da Rodovia Transamazônica, em frente ao Fórum da Comarca de Marabá, um local guarda histórias das quais muitos moradores da cidade nunca ouviram falar. O nome Casa Azul pode até parecer um título de contos infantis, mas em nada combina com os horrores vividos por quem passou pelo local na década de 1970.
Utilizada como centro clandestino de tortura e morte na época da ditadura militar, a Casa Azul foi o destino de muitos guerrilheiros que atuaram no Araguaia, além de camponeses. Para dar um ar de legalidade e evitar desconfianças, lá funcionava também o extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Hoje, abriga a sede do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Em um imenso quintal cheio de árvores e sombras, o lugar é um complexo de pequenas casas espalhadas em um terreno. Uma, especificamente, foi apontada por sobreviventes como o local da maioria das torturas. Em 2014, ela estava abandonada e lacrada quando, na segunda quinzena de setembro, a Comissão Nacional da Verdade veio a Marabá fazer uma de suas últimas diligências na região do Araguaia. Foi preciso arrombar o portão de grades para entrar. A poeira e as teias de aranha nas janelas azuis dividiam espaço com entulho em alguns cômodos.
Depois de décadas, Raimundo de Sousa Cruz, mais conhecido como Barbadinho, entrou novamente nas salas em que levou choques elétricos, tapas e chutes. Acompanhando a Comissão, o senhor de 84 anos que era dono de uma pequena mercearia se emocionou. Na época, Barbadinho não sabia direito porque apanhava, mas quando foi questionado pelos militares, confirmou ter conversado com pessoas que o regime classificava como terroristas. “Eu levei choque demais ali. Empurrão, pontapé. Eles perguntavam se eu conhecia alguém, eu dizia: ‘Conheci sim’. Aí eu contei a história de 6h da manhã até 23h30 da noite”. Dentro da pequena sala, ele tremia, e a voz ficava embargada.
Comissão da Verdade