A difusão de conteúdos
distorcidos sobre tributação no Brasil tem sido uma das formas
historicamente utilizadas por aqueles que pagam proporcionalmente menos
tributos para legitimar a desigualdade produzida pelo Sistema Tributário
Brasileiro.
No primeiro
semestre, a Câmara dos Deputados votou a reforma tributária, agora no
Senado, que incide sobre o consumo, e a próxima etapa da reforma deverá
tratar da tributação sobre a renda.
O Imposto sobre a
Renda da Pessoa Física (IRPF) é o tributo mais importante para
implementar a justiça fiscal de acordo com a capacidade de pagamento do
contribuinte, segundo a Teoria de Tributação Equitativa.
Apesar de apenas 15%
da população brasileira declarar o IRPF, os dados revelam a desigualdade
de renda. Vejamos: analisando as declarações de renda de 2021, calendário
2020, fica explícita a geração da desigualdade e o descumprimento da
Constituição Federal de 1988. Do total dos 31.634.843 declarantes
analisados em Salários Mínimos (SM) revelam que no Brasil, contribuintes
que recebem até 30 SM ao mês, à medida que a renda cresce, também cresce
a alíquota efetiva paga, atingindo o valor máximo de 10,6%. No entanto,
os declarantes que recebem acima de 30SM, à medida que a renda cresce,
pagam proporcionalmente menos IRPF.
Por exemplo, os dados
mostram que um contribuinte que recebe mais de 320 SM ao mês, contribui
com apenas, 2,1% da sua renda, ao passo que contribuintes com renda
mensal entre 5 e 7 SM pagam proporcionalmente mais (3,87%). Estes dados
mostram que o IRPF fere o critério de progressividade, previsto no artigo
153 da Carta Magna de 1988, pois quem ganha mais paga proporcionalmente
menos imposto.
Além disso, os dados
revelam que, à medida que aumenta a renda do contribuinte, maior é a
parcela de sua renda isenta de tributação. Assim, àqueles contribuintes
com renda superior a 320 SM mensais, que são apenas 28 mil brasileiros, e
que representa 0,01% da população de 206 milhões (IBGE, 2023), têm
aproximadamente 70% de suas rendas isentas de IRPF. Pagam imposto apenas
sobre 30% do que ganham.
Ao mesmo tempo, os
contribuintes com renda mensal entre 5 e 7 SM têm em torno de 15% de
renda isenta ou não tributável, pagando IRPF sobre 85% dos ganhos. Este
cenário que beneficia os contribuintes com as maiores rendas, decorre
principalmente da aprovação da Lei nº 9.249/1995, que isentou de IRPF as
rendas advindas de lucros e dividendos, norma esta que trata
desigualmente as rendas provenientes do trabalho (salários) das rendas do
capital (lucros e dividendos), fere o princípio da universalidade e
contribui para que o país seja um dos mais desiguais do mundo.
Esta medida
amparou-se na Teoria da Tributação Ótima, escrita nos anos 1970 por
teóricos como Mirrles que, ao constatarem que resultava em aumento da
desigualdade, os mesmos autores reescreveram os novos postulados desta
teoria nos anos 2010 e passaram a defender a tributação sobre estas
rendas advindas de lucros e dividendos. No mundo, apenas o Brasil e
a Estônia ainda não corrigiram esta distorção.
Estas rendas historicamente
não tributadas transformam-se em patrimônio. E neste sentido, os dados da
DIRF em análise mostram que somente os declarantes que recebem mais de
160 SM por mês (72.336 pessoas) têm patrimônio acima de R$ 10 milhões.
Estes dados apontam o caminho para o cumprimento do artigo 11 da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF/2000): “Constituem requisitos essenciais da
responsabilidade da gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva
arrecadação de todos os tributos de competência constitucional do Ente da
Federação”. É da União a competência para instituir, prever a arrecadar,
o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), ainda não regulamentado após 23
anos de vigência da LRF, tributo que outros países desenvolvidos já
adotaram visando o cumprimento das funções econômica, distributiva e
fiscal do tributo.
A desigualdade não é
um fato natural conforme aponta o economista Thomas Piketty em seu
livro Capital e Ideologia. Decorre de decisões econômicas,
políticas e institucionais tomadas ao longo do processo histórico. Por
que a desigualdade existe e por que ela é suportada, em especial por
aqueles que mais pagam tributos? Ou, em outras palavras, qual é a
ideologia utilizada ao longo do tempo para legitimar a desigualdade? O
autor aponta pelo menos quatro regimes e narrativas utilizadas para
legitimar a desigualdade, entre as quais o Regime Tributário.
Portanto, a reforma
tributária sobre a renda que entrará em pauta a seguir no país, precisa
alterar esse fator central na geração de extremos entre pobres e ricos para
evitar que o Brasil siga na “mudança que não muda”. É necessário, no
mínimo, que corrija estas iniquidades.
Esperamos que esta
análise de dados oficiais contribua para iluminar as mudanças e impedir
que os contribuintes com as menores rendas sigam pagando
proporcionalmente mais tributos no Brasil. Como acréscimo, faz-se
necessário exercer a cidadania e fortalecer a correlação de forças
políticas no Parlamento em favor da redução das desigualdades que
fragilizam a democracia e a retomada do crescimento econômico.
(*) Rosa Angela Chieza
é Professora dos Programas de Pós-graduação em Economia Profissional
e em Política Social e Serviço Social, ambos na UFRGS e Integrante do
Instituto Justiça Fiscal/IJF.
Dieick Fabricio Klock é economista e
internacionalista formado pela UFRGS.
Referências
CHIEZA, Rosa Angela et al. Tributação e
Desigualdade ampliada em tempos de pandemia: uma alternativa. p. 414-433.
In: DESIGUALDADES: visões do Brasil e do mundo. MATTOS, Fernando
Augusto Mansor, NETO, João Hallak e SILVEIRA, Fernando Gaiger (orgs)
Editora Hucitec. São Paulo, 2022a
KLOCK ,Dieick Fabricio
e CHIEZA, Rosa
PIKETTY, Thomas. Capital e Ideologia. Editora
Intrínseca, Rio de Janeiro, 2020.
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