Por Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro (Foto: )
As denúncias de violência contra
pessoas idosas representavam, em 2019, 30% do total de denúncias de violações
de direitos humanos recebidas pelo canal telefônico Disque 100, disponibilizado
pelo governo federal, o que somava em torno de 48,5 mil registros. Em 2018, o
serviço recebeu 37,4 mil denúncias de crimes contra idosos.
No fim do ano passado, com o
isolamento social imposto pela pandemia de covid-19, o número observado em 2019
aumentou 53%, passando para 77,18 mil denúncias. No primeiro semestre de 2021,
o Disque 100 já registra mais de 33,6 mil casos de violações de direitos
humanos contra o idoso, no Brasil.
Apesar de o Estatuto do Idoso,
instituído pela Lei 10.741/2003, garantir direitos às pessoas com idade igual ou
maior que 60 anos, com frequência se tem notícia de quebra ou não do
cumprimento de direitos básicos, como à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à
liberdade, à dignidade, à convivência familiar e comunitária.
O Estatuto do Idoso descreve a
violência contra o idoso como qualquer ação ou omissão, praticada em local
público ou privado, que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou
psicológico.
Medo ou vergonha
Muitos idosos, porém, não denunciam a
violência sofrida por medo ou por vergonha, uma vez que, na maioria das vezes,
as agressões ocorrem já há bastante tempo e dentro do próprio domicílio. Por
isso, o número de denúncias feitas por meio do Disque 100 não corresponde
inteiramente à verdade - é subnotificado.
A presidente da Câmara de Títulos de
Especialização em Gerontologia, da Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia (SBGG), e professora da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), a assistente social Naira Dutra Lemos, não vê o Dia Mundial de Conscientização
da Violência contra a Pessoa Idosa, que ocorre hoje (15), como uma
data de comemoração, mas de alerta. “Acho que é um dia para a gente pensar
sobre o assunto, para dar visibilidade sobre o tema. Um dia para a gente parar,
refletir e mobilizar nossas forças para pensar sobre isso”, disse Naira à Agência
Brasil.
A SBGG lançou a campanha Junho
Violeta e espalhou mensagens para os serviços de assistência social,
atendimento à saúde e universidades, incentivando alunos, profissionais e
idosos a usar o laço roxo. “É uma mobilização que tem de ser de todos”. Naira
defendeu também que os idosos devem ser tratados com respeito pelos mais
jovens, que devem se conscientizar de que não terão 20 anos para sempre e
envelhecerão do mesmo modo. Para Naira Lemos, o 15 de junho é
importante ainda para mostrar à população que a pandemia revelou um grande
número de casos de violência contra idosos e mulheres no âmbito familiar.
Uma ação de proteção aos idosos é
a Recomendação 46, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alertando
os serviços notariais e de registro do Brasil a adotarem medidas preventivas
para coibir a prática de abusos contra pessoas idosas, especialmente
vulneráveis, durante a pandemia. O objetivo da recomendação, divulgada
em 22 de junho de 2020, era evitar violência patrimonial ou
financeira ao idoso nos casos de antecipação de herança, movimentação indevida
de contas bancárias, venda de imóveis, tomada ilegal, mau uso ou ocultação de
fundos, bens ou ativos e qualquer outra hipótese relacionada à exploração
inapropriada ou ilegal de recursos financeiros e patrimoniais sem o devido
consentimento do idoso.
Ações
A Secretaria Municipal do
Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida (SEMESQV) do Rio de
Janeiro recebe denúncias de violações contra a pessoa idosa de vários
órgãos, entre eles a Ouvidoria da prefeitura (1746), o Ministério Público, a
Defensoria Pública, Delegacia do Idoso, o Juizado Criminal e outras ouvidorias.
Por meio de uma visita à residência do idoso, a secretaria verifica a
procedência da denúncia e emite um parecer técnico, disse à Agência
Brasil a assistente social do Núcleo de Assistência de Promoção e
Proteção Social da Secretaria, Sandra Polo.
Com o envelhecimento da população,
muitos familiares não sabem como lidar com os seus idosos e recebem orientação
do órgão municipal. “Há situações que são mais de conflito familiar e vão para
a esfera pública quando se referem ao privado”. Quando os casos precisam de desdobramento,
a secretaria faz o encaminhamento necessário, trabalhando no sentido de acabar
com a violação ou trabalhar numa ótica de prevenção”, firmou Sandra.
No fim do ano, a secretaria traça uma
espécie de perfil da violência. Esse perfil dá aos profissionais condições de
saber quais foram as maiores violações e abusos praticados contra os idosos. O
último balanço, feito em 2019, mostrou que a violência mais comum na capital
fluminense foi a questão da negligência, seguindo-se a violência psicológica e
moral, que envolve xingamentos e impedimento de o idoso receber visitas,
abandono, abuso financeiro, com apropriação de um bem do idoso e, às vezes, até
uma forma de convencimento do idoso de assinar documentação. A maior parte das
pessoas idosas, vítimas de agressões em 2019, era de mulheres (71%), enquanto
os maiores agressores, por grau de parentesco, eram filhos (50%) e em 40% dos
casos, o idoso residia com o agressor.
A secretaria tem também projeto de
transferência de renda para idosos em situação de vulnerabilidade social. “A
gente concede um benefício para esses idosos a fim de ajudar na questão
financeira deles e da família, para que possam permanecer na comunidade onde
residem, mantendo os vínculos. O objetivo é evitar maiores agravos.
A secretaria se preocupa também
em reconhecer o potencial e a experiência dessas pessoas. “Porque a gente
sabe que quando se chega a uma faixa etária mais adiantada, há a questão muito
forte da discriminação. As pessoas com mais de 60 anos foram as que mais saíram
do mercado de trabalho com essa história da pandemia. Foi o segmento mais
afetado no sentido de contrair da doença. Tem maior risco de contaminação.
Então, você acirra um preconceito que já existe com relação às pessoas maiores
de 60 anos”.
Projeto de trabalho
A secretaria coloca essas pessoas
fazendo acolhimento em hospitais, em visitas guiadas em museus e bibliotecas,
trabalhando em outros equipamentos da prefeitura na parte administrativa.
Sandra destacou que, no momento, devido à pandemia, esse projeto está parado,
aguardando a vacinação do maior número de pessoas para evitar contágio. Redes
sociais de apoio e a questão da convivência são também trabalhados pela equipe,
para evitar o isolamento e a autonegligência dos idosos.
Hoje (15), em conjunto com a Secretaria
Municipal de Transportes, a Secretaria de Envelhecimento Saudável promove ação
na Praça Saens Peña, na Tijuca, zona norte do Rio, para orientar os motoristas
de ônibus e garantir transporte urbano adequado aos idosos. A iniciativa
percorrerá shoppings das zonas norte e sul da cidade com o mesmo objetivo.
Cartazes serão colocados na prefeitura, enquanto vídeos serão divulgados nas
redes sociais da administração municipal.
Envelhecimento
Segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil mantém a tendência de envelhecimento
da população. Em 2019, os idosos somavam 32,9 milhões de pessoas, 6 milhões a
mais que as crianças de até 9 anos de idade (26,9 milhões). Naquele ano, os
idosos representavam 15,7% da população, enquanto as crianças até 9 anos de
idade respondiam por 12,8%.
A primeira vez que o número de idosos
superou o de crianças foi em 2014: 13,5% da população tinham menos de 9 anos de
idade, enquanto 13,6% tinham mais de 60 anos. A partir daí, a diferença foi se acentuando.
A estimativa do IBGE é que, em 2060, um em cada quatro brasileiros terá
mais de 65 anos de idade.
O médico Paulo Renzo, da Coordenação
de Emergência Regional (CER) Ilha do Governador, do Hospital Municipal Evandro
Freire, no Rio de Janeiro, destacou que o isolamento provocado pela
pandemia, além de agravar as violações aos direitos dos idosos, favorece a
ocorrência de acidentes domésticos e o consequente atendimento de fraturas
nos hospitais a essa parcela da população.
Perdas
"O confinamento, principalmente
em relação aos idosos, causa impacto direto no aumento de
acidentes domésticos. A nova condição de isolamento social, sem os devidos
cuidados para manter a sanidade física e mental, contribui muito para isso. Os
idosos deixaram de realizar suas atividades fora de casa e, consequentemente,
perdem condicionamento físico e mental. Ganham em ansiedade e depressão",
explicou o médico. Entre os casos mais frequentes que chegam à Emergência do
Evandro Freire estão idosos com fraturas e contusões, em geral ocasionadas por
quedas da própria altura.
Paulo Renzo
disse ter percebido também o aumento de casos de inapetência,
depressão e ansiedade nesses tempos de pandemia, o que fragiliza e até pode
gerar acidentes. Ele lembrou que o cuidado com o ambiente onde a pessoa idosa
vive é muito importante. Deve-se eliminar do caminho qualquer objeto que possa
servir de vetor para acidentes., como tapetes e móveis em excesso.
Renzo observou que a melhor
maneira de manter as pessoas idosas longe das situações de risco é dando
atenção a elas, considerando, porém, todos os cuidados necessários ao
enfrentamento da pandemia. O médico destacou a necessidade de se reservar um
tempo para ouvir os idosos, porque “eles têm muita sabedoria, histórias de vida
e, certamente, amam compartilhar e reviver suas memórias".
Edição: Graça Adjuto