Tiba falava sobre sua vida na Turquia em seus vídeos — Foto: @Tiba99 via YouTube (Foto: )
Por Gem O'Reilly
Jovem, vibrante e alegre, a
youtuber iraquiana Tiba al-Ali se tornou um sucesso com seus vídeos divertidos
sobre sua vida.
Ela lançou seu canal após se
mudar de seu país natal, o Iraque, para a Turquia, aos 17 anos, em 2017.
Na plataforma, falava sobre sua
independência, seu noivo, maquiagem e outros assuntos. Tiba parecia feliz e
seus vídeos tinham dezenas de milhares de visualizações.
Em janeiro deste ano, ela voltou
ao Iraque para visitar a família — e foi assassinada pelo pai.
No entanto, o assassinato não
foi considerado "premeditado", e o seu pai foi condenado a apenas
seis meses de prisão.
A morte de Tiba provocou
protestos em todo o Iraque sobre leis envolvendo os chamados "crimes de
honra".
Também lançou luz sobre como as
mulheres são tratadas num país ainda extremamente conservador.
'Estrangulada durante o sono'
Tiba conquistou uma base de
seguidores online de mais de 20 mil assinantes — um número que vem aumentando
desde sua morte.
Ela postava vídeos diariamente e
parecia gostar do novo estilo de vida que passou a ter na Turquia.
Em seu primeiro vídeo, em
novembro de 2021, ela diz que se mudou para o país para aprimorar seus estudos,
mas acabou ficando por lá porque gostava de sua nova vida.
Segundo relatos, seu pai, Tayyip
Ali, não concordou com a decisão dela de se mudar de país — nem de se casar com
seu noivo nascido na Síria, com quem Tiba morava em Istambul.
Acredita-se que a youtuber se
envolveu numa briga quando regressou ao Iraque para visitar a sua família em
Diwaniya, em janeiro.
Tayyip Ali teria estrangulado
sua filha até a morte enquanto ela dormia em 31 de janeiro. Mais tarde, se
entregou à polícia.
Um integrante do governo local
da província onde Tiba foi morta disse que Ali foi condenado em abril a uma
curta pena de prisão.
Após o assassinato da youtuber,
centenas de mulheres saíram às ruas no Iraque para protestar contra a
legislação envolvendo "crimes de honra".
O Código Penal Iraquiano permite
que crimes desse tipo tenham pena reduzida se cometidos com base em provocação
ou se o acusado tiver "motivos honrosos".
O porta-voz do Ministério do
Interior do Iraque, general Saad Maan, afirmou à BBC: "Um acidente
aconteceu com Tiba al-Ali. Na perspectiva da lei, é um acidente criminoso e, em
outras perspectivas, é um acidente de crimes contra honra".
O general acrescentou que Tiba e
seu pai tiveram uma discussão acalorada durante a estada dela no Iraque.
Também disse que um dia antes do
assassinato da youtuber, a polícia tentou intervir.
Quando questionado sobre a
resposta das autoridades ao crime, Maan respondeu: "As forças de segurança
lidaram com o caso com os mais elevados padrões de profissionalismo e aplicaram
a lei".
"Iniciamos uma investigação
preliminar e judicial, reunimos todas as provas e encaminhamos o processo ao
Judiciário para a sentença."
'Misoginia'
O assassinato de Tiba e a
sentença branda que seu pai recebeu provocaram indignação no Iraque sobre as
lacunas da legislação em relação à proteção das mulheres vítimas de violência
doméstica.
Por exemplo, no Artigo 41 do
Código Penal do Iraque, a "punição de uma esposa pelo seu marido" e
"a disciplina pelos pais... de crianças sob a sua autoridade dentro de
certos limites" são consideradas direitos legais.
O artigo 409, por sua vez,
afirma: "Qualquer pessoa que surpreender sua esposa em ato de adultério ou
encontrar sua namorada na cama com seu amante e matá-los imediatamente ou a um
deles, ou agredir um deles de modo que ele ou ela morra ou seja deixado para
sempre deficiente, é punível com pena de detenção não superior a três
anos".
Leyla Hussein, ativista dos
direitos das mulheres, disse à BBC: "Esses assassinatos estão
frequentemente enraizados na misoginia e no desejo de controlar os corpos e o
comportamento das mulheres".
"Usar o termo 'crimes de
honra' pode ser prejudicial para as vítimas e suas famílias", explicou
ela.
"Isso reforça a ideia de
que as vítimas são de alguma forma responsáveis por suas próprias mortes, por
fazerem algo errado ou vergonhoso."
A ONU estima que 5.000 meninas e
mulheres em todo o mundo são assassinadas por familiares todos os anos em
"crimes de honra".
'Chega!'
Vinte manifestantes ficaram do
lado de fora do Conselho Superior da Magistratura do Iraque no domingo após
morte de Tiba — Foto: Reuters
Cinco dias após a morte de Tiba,
as forças de segurança iraquianas impediram que 20 ativistas se manifestassem
diante do Conselho Judicial Supremo na capital Bagdá.
Eles seguravam cartazes dizendo
"Pare de matar mulheres" e "Pare com o [artigo] 409", e
gritavam: "Não há honra no crime de matar mulheres".
Ruaa Khalaf, ativista iraquiana
e defensora dos direitos humanos, disse: "A lei iraquiana precisa muito de
ser aprimorada, modificada e alinhada com as convenções internacionais".
Segundo Khalaf, a sentença
recebida pelo pai de Tiba foi "injusta" e que ela viu tais casos como
prova de "disposições e legislações que violam os direitos das
mulheres".
Hanan Abdelkhaleq, outra
defensora iraquiana dos direitos das mulheres, afirma: "Eles precisam
encontrar uma solução. Isto tem de parar. Matar mulheres tornou-se muito
simples”.
"Estrangulamento,
esfaqueamento. Tornou-se fácil. Esperamos que a lei pare o artigo 409, o
cancele."
Outras ativistas nas redes
sociais também notaram que o assassinato de Tiba não foi um incidente isolado e
que muitos "crimes de honra" não foram notificados.
O assassinato gerou conversas
sobre leis mais rígidas para proteger as mulheres no país e fora dele.
Ala Talabani, que lidera o bloco
da União Patriótica do Curdistão no Parlamento iraquiano, disse: "As
mulheres nas nossas sociedades são reféns de costumes atrasados devido à
ausência de impedimentos legais e medidas governamentais, que atualmente não
são proporcionais à dimensão de crimes envolvendo violência doméstica".
Ela fez um apelo a outros
parlamentares para que aprovassem o projeto de Lei Antiviolência Doméstica, que
protege explicitamente os membros da família de atos de violência, incluindo
homicídios e danos físicos graves.
Para a Missão de Assistência da
ONU para o Iraque (Unami), o "assassinato abominável" de Tiba foi uma
"lembrança lamentável da violência e da injustiça que ainda existe contra
mulheres e meninas no Iraque hoje".
A Unami também fez um apelo ao
governo iraquiano para "apoiar leis e políticas para prevenir a violência
contra mulheres e meninas, tomar todas as medidas necessárias para combater a
impunidade, garantindo que todos os perpetradores de tais crimes sejam levados
à justiça e os direitos das mulheres e meninas sejam protegidos".
Para muitos, a história de Tiba
evidenciou as leis ultrapassadas que não protegem as mulheres dos danos e da
violência baseada no gênero em todo o mundo.
Mas, para outros, ela é apenas
mais um exemplo do que é frequentemente encoberto e das milhares antes dela que
nunca tiveram a sua história contada.
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Esta reportagem foi originalmente publicada em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cjjzy054pzno