A governança criminal sob o território, diz o relatório, é expressa em pichações com ordens e penas para a comunidade. Em algumas delas, os criminosos determinam que “é proibido roubar” ou “a cada fofoca, 15 pauladas”. Nem mesmo as crianças e jovens são poupados. Uma das imagens trazidas pelo estudo mostra a inscrição de uma facção na parede de uma escola pública de Marabá (PA). As facções disputam espaço também nas redes sociais, por meio dos “proibidões”, músicas que ostentam a dinâmica dos grupos e fazem apologia à violência.
O levantamento aponta uma tendência de estabilização em alguns dos conflitos entre facções. Dos 260 municípios com presença dos grupos, 130 são controlados pelo CV, 28 pelo PCC e os demais por grupos menores. Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, explica que a facção fluminense tem uma forte presença nos estados da Amazônia Legal desde 2017, quando perdeu suas rotas de escoamento da droga na fronteira com o Paraguai e se consolidou na Região Norte.
— O Comando Vermelho foi engolindo as facções locais, como a própria Família do Norte (FDN). Seu modelo de negócios menos hierárquico, que privilegia a parceria, fez com que ele se aproximasse das facções locais e fosse se fortalecendo em função disso — afirmou Lima. — Boa parte do dinheiro que circula na região hoje é do crime. Em termos etnográficos, é possível dizer que o crime organizado é o principal empregador na região amazônica.
Segundo Lima, assim como o PCC, o CV passou a ter características parecidas com uma organização mafiosa e atualmente controla o esquema do tráfico de ponta a ponta. Ele ressalta que faixas importantes do território do Peru estão sob o comando do CV para a produção da folha de coca, matéria-prima da cocaína.
— Hoje, no mercado da droga, o CV e o PCC são produtores, distribuidores e varejistas. E isso muda completamente o patamar das duas organizações — avaliou.
O conflito por territórios e pelo uso do solo é o principal indutor da violência nos estados da Amazônia Legal, de acordo com a pesquisa. A ação de facções ocupa um lugar central não apenas em função da dinâmica do narcotráfico, mas também em conexão com o avanço do desmatamento, de outros crimes ambientais e com disputas fundiárias.
— As organizações passaram a explorar todo e qualquer produto que gere retornos muito altos, que tenham como fundamento a questão do controle do território. Para ter essa força, elas precisam ter controle do território, seja na comunidade do Rio de Janeiro, seja na quebrada de São Paulo, seja na selva. No caso da Amazônia, é preciso ter o controle da rota toda da droga. Com esse controle da rota, começam a explorar o uso da terra, a abrir pasto para atividades de loteamentos clandestinos, trazer gado, explorar o ouro. O eixo estruturador é o território — concluiu.
A hegemonia do CV, de acordo com Lima, é parte da explicação para a queda de 6,2% na taxa de mortes violentas intencionais entre 2021 e 2023 nos nove estados da Amazônia Legal, redução superior a do cenário nacional. O índice passou de 34,4 mortes por cem mil habitantes para 32,3 no triênio. Mortes violentas intencionais é uma categoria criada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública que inclui homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes em decorrência de intervenção policial.
Outra razão para a queda, explica Lima, é a implementação de políticas públicas bem-sucedidas na região. Entre elas, a articulação entre as instituições de segurança pública estaduais e federais, como a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco), liderada pela Polícia Federal. E iniciativas inovadoras no plano subnacional, como a Operação Curupira, que converge ações das Secretarias de Meio Ambiente e Segurança Pública e Defesa Social do Pará para implementar uma estratégia integrada entre as forças policiais e os órgãos ambientais estaduais para contenção do avanço do desmatamento — e, por consequência, com impactos em outros crimes.
Apesar da redução, a taxa amazônica foi 41,5% maior que a brasileira em 2023. Enquanto o Brasil registrou 22,8 mortes por cem mil habitantes, a Amazônia Legal teve 32,3.
Fundada em 1991 em torno de um garimpo, a cidade paraense de Cumaru do Norte é a mais violenta da Amazônia Legal, aponta o levantamento. Sua taxa de morte violenta intencional foi de 141,3 mortes a cada cem mil habitantes entre 2021 e 2023. É seis vezes mais do que a média brasileira. Dos 50 municípios mais violentos, 19 estão no Pará. O estado registrou 32,8 mortes por 100 mil habitantes em 2023. A expansão da fronteira com a construção de rodovias, como BR-163 (Santarém–Cuiabá) e a BR-230 (Transamazônica), é uma das principais explicações para os altos índices de violência no estado. Nesses locais, segundo o estudo, conflitos fundiários e exploração de commodities são produtores de violência e violações de direitos territoriais.
Já no sudeste do Pará, onde está Cumaru do Norte, a dinâmica da violência se dá em função dos conflitos entre agropecuaristas e populações tradicionais que brigam pela posse da terra contra o avanço do monocultivo, principalmente da soja.
Fonte: O Globo
Cumaru do Norte, no Pará, é a cidade com a maior taxa de morte violenta da Amazônia Legal
Cumaru do Norte é o município mais violento do Pará e de toda a Amazônia Legal com uma taxa de 141,3 mortes a cada 100 mil habitantes, aponta estudo divulgado nesta quarta-feira (11), pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Entre 2022 e 2023, a cidade teve crescimento de 25% na taxa de violência letal, em contraste com a redução de 14,9% observada entre 2023 e 2021.
A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) informou que "Cumaru do Norte teve redução de 68,1% nos Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI), considerando o ano de 2021/2024. Enquanto que Abel Figueiredo, outro município que consta no relatório, está há mais de 120 dias sem registros de CVLIs".
Cumaru do Norte tem 14.036 habitantes, segundo o Censo 2022. Uma das particularidades geográficas do município é o fato de 12% da Terra Indígena Kayapó, com mais de quatro mil indígenas, ficar localizada dentro da cidade.
Fundado em 1991, o município nasceu em torno de um garimpo de ouro, atraindo trabalhadores que se fixaram na região. Atualmente, o garimpo é o principal "motor" econômico da cidade.
Os conflitos fundiários, especialmente entre garimpeiros e indígenas da TI Kayapó, marcam as dinâmicas violentas do município. A extração de madeira também exerce pressão sobre a TI na disputa pelo recurso natural.