Brasília – Se depender do
presidente Jair Bolsonaro (sem partido) do projeto de lei de combate às
notícias falsas (PL 2.630/2020), não vai vingar e será integralmente vetado. A
declaração foi feita a apoiadores, nesta quarta-feira (1º), na porta do Palácio
do Alvorada. Ele disse que: “O projeto não vai vingar”. O texto ainda precisa
passar pela Câmara e foi aprovado na terça-feira (30), no Senado.
“Acho que, na Câmara, vai ser difícil aprovar.
Agora, se for, cabe a nós ainda a possibilidade do veto. Acho que não vai vingar
este projeto não”, disse o presidente em transmissão em vídeo feita por um
apoiador.
Em uma derrota para o governo, o Senado aprovou
nesta terça-feira o projeto por 44 votos a 32. Houve 2 abstenções. O governo
orientou seus aliados pelo voto contrário.
Após longa negociação, os senadores votaram uma
versão desidratada em relação à que vinha sendo discutida. O projeto, relatado
pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), foi acelerado na esteira do inquérito que
apura a divulgação de notícias falsas e ameaças contra ministros do STF
(Supremo Tribunal Federal). Uma CPI mista do Congresso investiga também a
prática de fake news.
“Tem que ter liberdade. Ninguém mais do que eu é
criticado na internet, e nunca reclamei. No meu Facebook, quando o cara faz
baixaria, eu bloqueio. É um direito meu”, afirmou Bolsonaro.
O texto aprovado pelo Senado manteve a retirada de
um ponto polêmico debatido pelos senadores nas últimas semanas: a exigência de
documentos (como CPF, identidade e passaporte) e número de telefone celular para
abertura de contas em redes sociais.
Pela proposta, a identificação dos usuários irá
ocorrer sob responsabilidade das plataformas apenas em casos suspeitos.
As plataformas devem, segundo o projeto,
identificar os conteúdos impulsionados e publicitários cujo pagamento pela
distribuição foi feito ao provedor de redes sociais.
Os senadores aprovaram a exigência de guarda dos
registros da cadeia de reencaminhamentos de mensagens no WhatsApp para que se
possa identificar a origem de conteúdos ilícitos.
O armazenamento de registros se dará apenas em
mensagens que tenham sido reencaminhadas mais de cinco vezes, o que
configuraria viralização. Os dados armazenados sobre a cadeia de encaminhamento
só serão acessíveis por meio de ordem judicial e quando as mensagens atingiram
mil ou mais usuários.
Pelo projeto, ficaram proibidos o uso e a
comercialização de ferramentas externas aos serviços de mensagens privadas e
por eles não certificadas voltadas ao disparo em massa.
A matéria isentou a disseminação de fake news de
penalizações criminais, retirando da versão debatida o financiamento de redes
de fake news das leis de organização criminosa e lavagem de dinheiro. O texto
final ainda excluiu a obrigatoriedade das empresas de identificação prévia no
uso de pseudônimos para a inscrição em redes sociais.
Ficou de fora também um artigo sobre a remuneração
por uso de conteúdos jornalísticos, artísticos e outros por redes sociais.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra
(MDB-PE), afirmou que o Palácio do Planalto procurou chegar a um texto de
consenso.
Segundo ele, no entanto, o projeto, da forma como
ficou, é prejudicial aos investimentos no país, o que poderia causar prejuízos
à economia. “O governo, embora reconheça o esforço feito, entende que a versão
final não atende aos interesses nacionais”, disse.
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho
do presidente, foi um dos contrários ao projeto.
O relator, Angelo Coronel, entregou o texto aos
senadores na noite desta segunda-feira (29). Foi a quarta versão do relatório
elaborada pelo parlamentar em 11 dias, a fim de que se chegasse a um consenso
para a apreciação.
De acordo com o texto votado, o acesso aos dados de
identificação somente poderá ocorrer para fins de constituição de prova em
investigação criminal e em instrução processual penal, mediante ordem judicial.
As plataformas de redes sociais deverão ter sede e
representante legal no Brasil, sem a obrigatoriedade de um banco de dados no
país.
A proposta estipulou que os serviços de mensagens
devem suspender as contas de usuários cujos números forem desabilitados pelas
operadoras de telefonia. A medida não se aplica aos casos em que as pessoas
tenham solicitado a vinculação da conta para novo número de telefone.
Pouco antes do início da votação, o relator ainda
acatou novas alterações no texto. Uma delas foi para reforçar que as medidas
previstas atingirão apenas os números celulares cujos contratos forem
rescindidos ou pelo usuário ou pela plataforma.
Outra mudança garantiu o direito de resposta e a
remoção imediata de conteúdos em situações graves, como de violação a direitos
de crianças e adolescentes, que havia ficado de fora.
Preconceitos por questões de raça, etnia e
procedência nacional, orientação sexual e de gênero, origem e religião já
estavam contemplados.
O texto também prevê a aplicação de multa para as
plataformas caso não cumpram as regras de identificação dos responsáveis pela
disseminação de fake news. A punição, neste caso, pode chegar a até 10% do
faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício. Poderá haver
ainda suspensão das atividades.
Os valores serão destinados ao Fundeb (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação).
O líder do governo Bolsonaro no Senado, Fernando
Bezerra Coelho (MDB-PE), chegou a afirmar que a proposta traria perdas
econômicas ao país ao limitar a atuação de redes sociais. O PSL também foi
contrário.
“Meu objetivo sempre foi vencer o anonimato. Não é
admissível que a sociedade se veja refém daqueles que usam de perfis falsos
para disseminar ameaças e mentiras. O anonimato é o caminho pelo qual crimes
estão sendo cometidos nas redes sociais”, disse o relator, em defesa do
projeto.
O texto determina a criação de uma instituição de
autorregulação das plataformas, que seria responsável por elaborar regras e
adotar medidas como rotular e colocar advertências em conteúdo caracterizado
como fake news.
O projeto também diz que as contas de redes sociais
de funcionários públicos, como ministros e secretários, e ocupantes de cargos
eletivos serão consideradas de interesse público, tendo de respeitar os
princípios da administração pública, além de listar regras de transparência
para publicidade estatal, proibindo a veiculação em determinados sites que promovem
a violência, por exemplo.
Segundo o texto aprovado, as contas de detentores
de mandatos, ministros e secretários não poderão bloquear o acesso de usuários
às suas publicações.
Para viabilizar a votação, o relator retirou toda a
parte que tratava de eleições. Com isso, ficou de fora, por exemplo, a
determinação para o pagamento de multa de até R$ 1 milhão a candidatos que se
beneficiarem com propaganda com conteúdo manipulado para atacar os adversários
durante as eleições.
Facebook, Google, Twitter e WhatsApp, em análise
enviada a senadores, caracterizaram a legislação como “um projeto de coleta
massiva de dados das pessoas resultando no aprofundamento da exclusão digital e
pondo em risco a privacidade e segurança de milhares de cidadãos.”
Reportagem: Val-André
Mutran – Correspondente de Brasília.