Brasília – A “onda”
conservadora que elegeu o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018 não
se repetiu nas principais capitais brasileiras, após o resultado do primeiro
turno das eleições municipais deste ano. Somente três dessas candidaturas
saíram vitoriosas no primeiro turno e nove vão disputar o segundo. As demais
obtiveram colocações que vão do terceiro lugar até o último na contagem dos
votos.
A expectativa de repetir nas eleições de 2020 o
fenômeno conservador que levou a vitória em 2018 candidatos que se declararam
evangélicos, militares e policiais, mostrou-se frustrada nesse ano.
Foram costuradas dobradinhas em 45 candidaturas
para disputar a prefeitura de 21 capitais brasileiras. O que se viu nesse
primeiro turno, no último dia 15, foram candidatos a prefeito evangélicos, usando
títulos como “pastor”, pastora”, “missionária” e “apóstolo”, em muitos casos
com vices ligados ao Exército e às polícias, usando “capitão”, “coronel” e
“delegado” antes de seus nomes. Há também o oposto, em que os evangélicos
aparecem como vice. E candidatos que, embora não se declarem oficialmente como
evangélicos, têm o apoio dessas igrejas e suas lideranças.
Os resultados sugerem o arrefecimento da onda
conservadora que não durou dois anos. E mais do que isso, o desgaste,
principalmente nas capitais, do discurso antidemocrático que ganhou força com
o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e culminou na chegada de
Jair Bolsonaro ao poder.
Eleitorado
nacional se reposicionou
Os ataques à democracia seguiam com força nas redes
sociais de apoiadores de Bolsonaro e em atos promovidos por bolsonaristas, como
os que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF). “Mesmo com o
Exército ‘batendo cabeça’ e desdenhando da pandemia e da doença junto com
governo, a onda antidemocrática prosseguia. A derrota de Donald Trump nas
eleições dos Estados Unidos acendeu o “sinal vermelho”. O impacto foi tão
grande que na semana passada tinha militar querendo abafar as falas de
Bolsonaro nesse sentido,” disse o sociólogo Paulo Niccoli Ramirez, professor da
Sociologia e Política – Escola de Humanidades (antiga Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo).
Segundo Ramirez, a força da pandemia, com mais de
166 mil mortos e quase 6 milhões de infectados no Brasil, enfraqueceu as
promessas dos pastores neopentecostais em relação à cura da Covid-19, e também
a confiança no presidente Bolsonaro. Líderes evangélicos aliados ao governo e
sua política, ou com a aliança estremecida, pregaram que Jesus pode curar a
doença. Ou passaram a comercializar nas igrejas produtos “consagrados”, capazes
de derrotar o novo coronavírus.
Democracia
é o caminho
“Mesmo com tudo isso, os fiéis viam familiares,
parentes e amigos sendo afetados, muitos de maneira grave, com morte. Isso foi
levando todo apoio ao colapso. Ficou claro para essas pessoas que a democracia
é o caminho, e não a religião,” afirmou ainda.
Na avaliação do sociólogo, são grandes as chances
de, a exemplo de Trump, Bolsonaro vir a ser derrotado pela pandemia. O discurso
presidencial insiste que a retomada das restrições já está sendo considerada
pelos governos estaduais. “O discurso era de que tudo estava sob controle, que
havia exageros quanto a medidas preventivas e que era preciso aumentar a
flexibilização. Ficou claro que o aumento do contágio é fruto da política de um
governo que não se preocupa com a saúde da população. Além disso, Bolsonaro não
está vinculado a nenhum partido. Há a possibilidade de quando chegar 2022 não
ser aceito em nenhuma legenda,” alertou.
A avaliação de Ramirez diverge, em parte, da
avaliação da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), um dos principais nomes do
bolsonarismo. Após o resultado das urnas, a parlamentar fez uma análise de como
foi o primeiro turno das eleições municipais: de acordo com ela, as eleições
trouxeram muitas surpresas. “A gente viu baixo número de conservadores sendo
eleitos. (…) Eu vejo assim: a eleição municipal não reflete a eleição federal.
Nos municípios, as pessoas votam mais de acordo com quem vai resolver problemas
práticos da cidade,” ponderou.
O
ambiente político em 2020
O estudo “Lideranças evangélicas nas eleições
municipais de 2020: mapeando as candidaturas”,
publicado em 22 de setembro pelo Núcleo de Estudos sobre a Democracia
Brasileira (Nudeb/UFRJ), laboratório de pesquisa
vinculado ao Departamento de Ciência Política (DCP) do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
apontou que a influência dos evangélicos na política tem crescido a cada eleição.
Os evangélicos têm forte presença no legislativo, visto que a frente
parlamentar evangélica que é composta por 195 deputados, representando 38% do
total de deputados no Congresso Federal, e que agora, com Bolsonaro e Crivella,
vem construindo influência no executivo.
A novidade desta eleição é a existência do fenômeno
político do bolsonarismo. No Rio de Janeiro, por exemplo, Crivella em 2016
apresentava-se unicamente como um candidato evangélico e defensor da família. O
mesmo se deu em São Paulo, com Russomano. “Em 2020 será fundamental entender
como esses candidatos de uma direita mais conservadora – e também aqueles da
direita liberal – se relacionarão com o presidente,” diz trecho do estudo
publicado antes das eleições.
As
candidaturas evangélicas nas eleições municipais de 2020
A eleição de Bolsonaro em 2018, com forte apoio da
ala evangélica, expõe a força política que este grupo vem desempenhando no
Brasil. Sendo assim, o estudo mapeou todas as capitais das unidades federativas
para analisar a influência em cada estado, exibindo as chapas com candidatos
assumidamente evangélicos e observando se este grupo reivindicará o
bolsonarismo para se eleger, defendendo uma pauta moral e de segurança pública.
Outra questão que se relaciona com a vitória bolsonarista
de 2018 é a proliferação de candidaturas evangélicas em 2020. Na pesquisa do
estudo, foi encontrada candidaturas evangélicas em 24 das 26 capitais, sendo
que em várias delas apresentam-se mais de um candidato deste campo
político.
O único estado que não teve candidatura evangélica
oficial foi na capital da Paraíba, João Pessoa. Sendo assim, foram
contabilizadas pelo estudo 39 candidaturas evangélicas e 8 candidaturas com
apoio expressivo da ala, totalizando 47 candidaturas.
Belém
Na capital do Pará, com 11 candidaturas ao pleito
do executivo, três foram com candidatos evangélicos. O Republicanos lançou Vavá
Martins, 38 anos, que atualmente cumpre o primeiro mandato de Deputado Federal
pelo Pará, é pastor licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, radialista
e apresentador de TV de programas ligados à entidade religiosa. O candidato a
vice-prefeito foi o Sargento Gonçalves, da Polícia Militar. O PTC lançou o
Pastor Guilherme Lessa como candidato à prefeito. Lessa é pastor evangélico,
locutor, escritor, cantor gospel e assessor parlamentar. Em 2018 foi candidato
a deputado federal, porém não se elegeu. O candidato a vice na chapa foi o
Major Diamantina. O MDB escolheu José Priante como candidato a prefeito e a
Pastora Patrícia Queiroz (PSC) a vice.
Aprovado
em primeiro turno
A chapa José Priante (MDB)/Pastora Patrícia Queiroz
(PSC) ficou em terceiro lugar com 123.808 votos (17.03%).
Haverá segundo turno em Belém, e a esperança do
bolsonaristas é a eleição do segundo colocado no primeiro turno, Delegado
Federal Eguchi (Republicanos), que disputará o pleito em 29 de novembro com o
candidato Edmilson Rodrigues (PSOL), vencedor do primeiro turno.
Por Val-André
Mutran – de Brasília