O ex-juiz, ex-ministro da Justiça, hoje
pré-candidato à Presidência da República, Sérgio Moro, tem adotado em seus
discursos de campanha duras críticas ao STF. Afirma que as anulações das
condenações da Lava Jato, em especial as de seu provável adversário, o ex-presidente
Lula, seriam um erro. Alega que as práticas de corrupção estariam comprovadas
no processo. E, assim, deixa transparecer ao ouvinte que o STF seria
condescendente com o crime e o criminoso, especialmente se poderoso e/ou
rico.
A fala é traiçoeira, enganadora. Induz o
eleitor desavisado em erro. Visa esconder o verdadeiro responsável pelas
anulações, ele próprio. É natural. Desmascarado, Moro tenta transferir a outros
a sua responsabilidade.
Em primeiro lugar, a convicção pessoal de Moro não
é segurança de que provas de corrupção realmente estejam no processo – e para
concordar ou discordar responsavelmente com essa convicção é preciso ter lido
os autos. Afinal, hoje sabemos que ele era um juiz parcial. Se o juiz é
suspeito, reflexamente, suspeitas são suas decisões.
Em segundo lugar, magistrado que foi, Moro sabe que
o STF nunca entrou no mérito da acusação. Não afirmou ser Lula nem inocente,
nem culpado. O STF afirmou, com razão indiscutível, que as decisões foram
proferidas por juiz processualmente incompetente e comprovadamente parcial. Não
poderiam, obviamente, produzir efeitos práticos. Lastima-se, apenas, que outras
instâncias tenham dado de ombros para tão grave e evidente
transgressão.
O candidato Moro também sabe que essa deformidade
não é uma coisa menor, uma “mera formalidade”, como se esforça, levianamente,
para convencer seus ouvintes. Ora, juiz parcial é a própria negação da Justiça.
Quem aceitaria ser julgado, em qualquer processo, por um juiz que, às
escondidas, troca mensagens íntimas com a outra parte? Ninguém, claro! Leigo,
ou não, todos entendem o absurdo que é um juiz cúmplice de um dos lados. Como
confiar no acerto da decisão de um juiz partidário?
Ao longo dos anos, Moro se mostrou um mau juiz.
Juiz parcial talvez seja a maior desgraça a desonrar a Justiça. Não há como
minimizar a gravíssima perversão. A qualidade primeira que se espera de um juiz
é a imparcialidade, é a independência. Juiz não pode ser “parça” de uma das
partes e combinar estratégias para prejudicar a outra. Além disso, Juiz não
pode desrespeitar as mais básicas regras legais para agarrar-se a processos que
não são seus, apenas para julgar seus inimigos e valorizar-se perante parcela
da opinião pública. Juiz não pode ser exibicionista, pavão, mormente quando
essa necessidade de aparecer esconde as verdadeiras intenções. No caso,
eleitorais.
Moro se mostrou um ministro irrelevante. Não deixou
qualquer legado. Nem a chamada lei “anticrime” – que, apesar do nome, não tem a
capacidade de impedir o crime – é de sua autoria. Embora ele, sorrateiramente,
tenha se empenhado para ser fotografado como “pai da criança”, a verdade é que
a lei se baseia, essencialmente, em projeto apresentado pelo ministro Alexandre
de Moraes. Enfim, o resultado é pífio. Não ofereceu nada no período em que
serviu a Bolsonaro. Aliás, se alguma virtude ele pode alardear é a de que,
apesar de formalmente nomeado Ministro, na prática não participou efetivamente
dessa trágica gestão.
Essa completa inoperância autoriza ao eleitor
atento acreditar nas declarações do seu ex-chefe Bolsonaro, no sentido de que
ele sempre almejou, mesmo, uma vaga no STF – que hoje tanto critica. O
Ministério seria um mero trampolim. Para o bem da Suprema Corte, a estratégia
não vingou. O STF não precisaria incluir, entre os seus defeitos, um juiz
parcial e exibido.
Após deixar o Ministério, Moro ensaiou uma
tentativa de carreira na Advocacia, apesar de publicamente demonstrar profunda
aversão aos profissionais da classe. Mas, ao que tudo indica, o dinheiro falou
mais alto. O problema é que, logo de início, cometeu a maior infração ética que
um advogado pode cometer: o conflito de interesses! Por mais inacreditável que
possa parecer, Moro foi trabalhar para a empresa responsável pela recuperação
judicial da Odebrecht, uma das empresas mais envolvidas nos processos da
Lavajato e que ele contribuiu para quebrar. Surreal. Mas real.
Agora, depois de falhar em todas as funções
anteriores, ele cobiça exercer nada menos que o cargo de comandante do Poder
Executivo do Brasil.
O começo da campanha não parece promissor. Sua
pregação limita-se ao combate à corrupção – a julgar pelo seu histórico, por
meios ilegais -, como se fosse esse o único problema do país. Sobre as muitas
outras questões relevantes, oferece apenas respostas vagas e superficiais, a
escancarar seu absoluto despreparo para a função e a constrangedora ausência de
projeto. Despreparo que não chega a surpreender quando se lembra que, ainda
ministro, não foi capaz de citar, em notória entrevista, um único livro que
tenha lido. Talvez conte que o eleitor tenha a mesma má memória que, na
ocasião, usou como esfarrapada desculpa…
Além da chocante incapacidade, Moro passou a exibir
essa faceta embusteira, propagando ideias falsas – como insinuar que o Supremo
anularia suas decisões por motivos menos nobres e não por conta de seus
indiscutíveis defeitos. Característica essa bem viva no imaginário popular como
marca registrada do tradicional político: ardiloso e oportunista. Essa triste
particularidade parece ter aprendido rapidamente.
De qualquer forma, o eleitor deve ficar alerta para
o óbvio. Ora, se realmente existem no processo as alegadas provas dos crimes de
Lula; se isso não é mera pregação de um Juiz suspeito; o ex-presidente, não
fosse a ganância e vaidade de Moro, a esta altura seguramente estaria condenado
por um juiz competente e imparcial. E, consequentemente, impedido de concorrer.
Ou Moro acredita que apenas ele era capaz de fazer Justiça? Ele pensa que seus
antigos colegas de profissão também eram indulgentes com criminosos
poderosos?
Neste particular não existe terceira via. Das duas,
uma: ou as provas não existem e Moro burlou as regras legais justamente para
condenar seu declarado inimigo; ou as provas existem e um juiz processualmente
competente e isento também o teria condenado, sem margens para anulação,
retirando definitivamente Lula do páreo.
A conclusão categórica que fica, por mais paradoxal
que pareça, é: se realmente Lula é culpado, como concluiu o juiz parcial, só
poderá ser candidato por culpa, exatamente, do próprio Moro.
ZE DUDU
Texto do advogado Sergio Alvarenga, originalmente
publicado aqui.