Barrado nas urnas e inconformado com sua derrota, o deputado Hildo Rocha (MDB-MA) entrou na justiça (Foto: )
Brasília – O choro
é livre nos corredores do Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas
estaduais e do Distrito Federal. Tudo porque mudanças nas regras adotadas este
ano para a disputa das vagas nas Casas legislativas, ou seja, nas eleições
proporcionais, deixaram de fora candidatos bem votados e elegeram outros com
menos votos. O resultado das urnas provocou críticas entre deputados que não
conseguiram se reeleger, mesmo com votações expressivas – uma contradição, uma
vez que foram os próprios parlamentares que aprovaram as mudanças na legislação
eleitoral.
Como em casos semelhantes, a caça ao culpado
começou logo após o resultado da apuração das urnas, ainda no domingo, 2 de
outubro. O vilão foi identificado e responde pelo nome de quociente eleitoral,
como explica o deputado federal Ronaldo Martins (Republicanos-CE). Ele recebeu
104 mil votos, mas seu partido, o Republicanos, teve um total de 179 mil votos
e não atingiu o quociente eleitoral no Ceará, o que fez com que ficasse sem
nenhum representante do estado na Câmara. Inconformado, Ronaldo Martins pediu a
revisão das regras.
“Infelizmente não conseguimos a eleição, mesmo
tendo uma votação expressiva. Muitas pessoas têm me perguntado, mas por que,
mesmo você sendo o décimo-quinto mais votado, não conseguiu a eleição? Faço
este apelo a esta casa, ao Congresso Nacional, para que possa se debruçar na
legislação eleitoral e poder rever esta questão da legislação eleitoral,”
apelou. “Realmente não é justo uma pessoa ser bem votada, ser escolhida pelo
povo e entrar uma pessoa com muito poucos votos”.
O quociente eleitoral é o número que determina
quantas vagas determinado partido terá no estado. Para chegar a ele é feito um
cálculo matemático: divide-se o número de votos válidos pelo número de vagas a
que determinado estado tem direito na Câmara.
No caso do Ceará, que tem 22 vagas, o quociente
eleitoral foi de 232 mil. Ou seja, faltaram pouco mais de 50 mil votos para que
o partido do deputado tivesse direito a uma cadeira. Ainda no estado, outros
partidos, como o PDT e o PL, pelo mesmo cálculo tiveram direito a cinco
deputados cada um, já que se leva em conta a soma dos votos de todos os
candidatos.
A deputada veterana Perpétua Almeida (PC do B-AC)
também não conseguiu se reeleger, com base nos mesmos critérios. A soma dos
votos de todos os candidatos da federação formada por PC do B, PT e PV no Acre
não atingiu o quociente eleitoral, que no estado foi de 54 mil votos. A
parlamentar, que teve quase 15 mil votos, pede mudança nas regras e diz que o
sistema atual prejudica os pequenos partidos.
“Agora mais uma vez eu fui a deputada federal mais
votada da nossa federação. E devo lamentar que, com as novas regras que esta
casa aprovou, com apoio incisivo dos grandes partidos, eu não estarei no
Plenário desta casa na próxima legislatura. São regras injustas? Eu diria que
sim. São regras injustas para retirar deste Plenário os partidos pequenos,”
protestou.
O que não falta são reclamações. A deputada Joenia
Wapichana (Rede-RR) tem história parecida: ela teve pouco mais de 11 mil votos,
mas a federação formada pela Rede e o Psol somou menos de 14 mil, enquanto o
quociente eleitoral no estado foi de 36 mil. Para ela, a regra reduz a
representatividade de minorias. A parlamentar não explica, porém, como
candidatos do seu partido, como Guilherme Boulos, com mais de um milhão de
votos, foi eleito com folga em São Paulo. Trata-se, evidentemente, de ter ou
não ter votos, porque o quociente eleitoral é válido para todos os partidos,
sem distinção de tamanho ou federação.
Mas, mesmo inconformada, a deputada que
representava a luta indígena enviou mensagem ao seu eleitorado: “Agradeço os
11.121 votos. Fui a sexta mais votada do meu estado, uma colocação muito
expressiva. Infelizmente, pelas novas regras eleitorais, pela legislação que
aprovamos aqui, não permitiu que eu atingisse esse quociente eleitoral exigido
por esta legislação eleitoral. Infelizmente, as minorias e as diversidades,
sejam culturais ou sociais, foram excluídas no nosso estado de Roraima,”
lamentou.
Regras
A regra do cálculo do quociente eleitoral foi
criada para dar peso aos votos dos partidos, e não apenas aos votos
individuais, para definir quem é eleito para a Câmara dos Deputados. Mas as
regras são ainda mais complexas.
Depois de divididas as vagas à Câmara entre os
partidos, com base no quociente eleitoral, geralmente sobram vagas, já que o
resultado do cálculo raramente é um número inteiro. Nesses casos, as vagas que
sobraram são distribuídas com base em outro cálculo: a divisão do total de
votos válidos que o partido obteve pelo número de cadeiras que ele obteve mais
1. O partido que apresentar o resultado maior leva a cadeira. Repete-se o
procedimento enquanto houver cadeiras a distribuir, até preencher o total da
bancada de cada estado e do DF.
Mudanças
Foram os próprios deputados que aprovaram as regras
para o pleito de 2022, que se tornaram um verdadeiro tiro no pé, a depender de
cada partido. Este ano entraram em vigor duas cláusulas de barreira para as
sobras: só participam da distribuição das sobras os partidos que tiverem
alcançado ao menos 80% do quociente eleitoral; e o candidato tem que ter obtido
ao menos 20% do mesmo quociente.
O deputado Hildo Rocha (MDB-MA), eleito suplente,
reclama que, no caso dele, o cálculo feito pelo Tribunal Superior Eleitoral foi
errado. No Maranhão, o MDB teve direito a apenas uma cadeira para a Câmara, com
base no quociente eleitoral. Mas o partido recorreu do resultado, como explica
Hildo Rocha:
“Mesmo tendo sido o 12º deputado federal mais
votado, teve deputado com quase a metade dos votos que eu obtive que se
consagrou deputado federal. Mas o nosso partido, o MDB, entrou com uma
representação por entender que dessa forma como está construído o algoritmo
pelo tribunal, não respeita o princípio da proporcionalidade”.
O caso do deputado Hildo Rocha ilustra como a
questão não deve ser tratada como simples preconceito para com os partidos
nanicos, afinal, o seu partido, o MDB, é uma dos maiores, mais antigos e
tradicionais legendas do país. No seu estado, o Maranhão, deu as cartas na
política por décadas, sob a vara curta do clã Sarney, atualmente em baixa no
gosto dos eleitores, revelando os ciclos de poder da política nacional.
Outra regra também aplicada nestas eleições é a
chamada cláusula de barreira individual, que impede a eleição de candidatos a
deputado que não atingirem 10% do quociente no estado. No Ceará, por exemplo,
isso impediu a eleição de quem teve menos de 23 mil votos, número parecido com
o calculado no Pará, embora a bancada tenha cinco deputados a menos.
Por Val-André
Mutran – de Brasília