Três ações diretas de inconstitucionalidade em análise na Corte questionam critério aplicado pela primeira vez na última eleição que muda distribuição de vagas entre partidos, favorecendo siglas maiores (Foto: )
Brasília – Uma
confusão política de grandes proporções pode se estabelecer em todo o país,
caso as duas ações impetradas no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Podemos,
PSB e Rede Sustentabilidade, que questionam a constitucionalidade de mudança
aprovada no Código Eleitoral pelo Congresso em 2021, seja acatada pela corte
superior. De imediato, sete deputados federais perderiam seus mandatos, com
impacto nas bancadas eleitas em três estados e no Distrito Federal e que pode
atingir também, deputados estaduais eleitos.
Os reclamantes alegam que não foi observado o que
determina o Código Eleitoral, que tornou mais rígida a distribuição das
chamadas “sobras”, vagas restantes nas eleições proporcionais após a definição
dos nomes e partidos mais votados, em modificação aprovada pelo Congresso em
2021.
Como a norma questionada vale para todas as
eleições proporcionais, a composição dos legislativos estaduais definida em
outubro passado também pode mudar e o clima festivo se tornou de apreensão para
vários deputados já diplomados, mas que ainda não tomaram posse, o que só deve
ocorrer no dia 1º de fevereiro de 2023.
Sete deputados federais que tomam posse em 1º de
fevereiro para a próxima legislatura da Câmara podem acabar perdendo seus
mandatos por causa de duas ações que tramitam no STF.
Como a notícia pegou o mundo político de surpresa,
ainda não está claro quem “fica” ou “sai” eleito após o anúncio dos vencedores
feito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Um observador da política em
Brasília, definiu a situação da seguinte forma: “Esse país acompanha,
estarrecido, a interferência e judicialização de toda a vida nacional. A
interferência do judiciário em matéria política virou uma fulanização da
democracia”, resumiu.
Várias reclamações estão sendo publicadas nas redes
sociais. Se prosperar o pedido dos três partidos, metade da bancada eleita pelo
Amapá pode mudar se a Corte julgar procedentes as ações, com impacto também nas
bancadas de Tocantins, Rondônia e Distrito Federal. Estão em jogo os mandatos
de Sílvia Waiãpi e Sonize Barbosa (ambas do PL), Professora Goreth (PDT) e Dr.
Pupio (MDB) no Amapá, além de Lazaro Botelho (PP), no Tocantins, Lebrão (União
Brasil), em Rondônia e Gilvan Máximo (Republicanos), no Distrito Federal.
Indignada, a deputada eleita Sílvia Waiãpi, de
origem indígena disse: “Essa é uma tentativa discriminatória de depor uma
deputada eleita e diplomada”, reclamou. A primeira das ações, entretanto, da
Rede, foi protocolada em agosto, antes das eleições. A segunda, de Podemos e
PSB, é posterior à eleição dos deputados federais e estaduais, mas não cita
ninguém nominalmente.
Como é o cálculo
No sistema proporcional, os eleitos são escolhidos
a partir dos votos atribuídos não apenas a cada candidato, mas também aos
partidos. A definição dos eleitos se dá com o cálculo, nessa ordem, do
quociente eleitoral, do quociente partidário e das “sobras” dessa conta, agora
alvo de contestação no STF. O quociente eleitoral é a divisão do total de votos
válidos pelo número de cadeiras em disputa (na Câmara são 513), desprezando
frações iguais ou menores que 0,5. Já o quociente partidário é a divisão dos
votos válidos atribuídos à legenda e aos candidatos de uma mesma sigla pelo
resultado do quociente eleitoral, desprezadas as frações.
A lei contestada no Supremo determina que apenas
partidos e candidatos que alcançaram um percentual mínimo do quociente
eleitoral podem disputar as vagas que sobram por causa dessas frações e do
processo completo de cálculo, que considera ainda a cláusula de barreira,
válida desde 2015. Essa cláusula determina que, para ser eleito, um candidato
tem de obter o mínimo de 10% do quociente eleitoral.
Por exemplo, o quociente para deputado federal em
São Paulo (são 70 cadeiras reservadas ao Estado — a maior bancada federal do
país) foi de 332.671 votos. Para obter uma vaga, a sigla como um todo precisou
conquistar pelo menos esse piso de votos. Aplicada a cláusula de barreira,
apenas os candidatos desse partido que somaram 10% desse total (33 mil votos)
disputam entre si aquela vaga.
Alvo das ações, a norma de 2021 limita a partidos e
candidatos que alcançaram pelo menos, respectivamente, 80% e 20% do quociente
eleitoral o direito de disputar as vagas remanescentes. “O percentual para
atingimento da cadeira na ‘sobra’ é o dobro do que se exige para o candidato
ser eleito”, afirma Luiz Paulo Franqui, advogado especialista em direito
eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político
(Abradep). “Candidatos de partidos menores ou que não tiveram votações tão
robustas ficam praticamente de fora desse cálculo”. Na prática, a regra
favorece partidos maiores.
Outra parlamentar que pode perder a vaga por causa
das ações, Professora Goreth destaca o “tom antidemocrático” nas ações que
correm no STF. “Num momento de reafirmação da nossa democracia, não cabe
retrocesso no movimento de fortalecimento dos partidos”. Ela se refere ao
objetivo original dos congressistas ao aprovar esse item da lei de 2021, alvo
dos processos: a restrição visa ajudar a limitar o número elevado de partidos
no País: mais de 30.
Cálculo das “sobras”
• Depois que as vagas são preenchidas pelos
partidos que receberam um número de votos maior do que o quociente eleitoral,
restam algumas vagas, chamadas de “sobras”;
• Essas vagas são distribuídas apenas entre os partidos que tenham atingido
mais de 80% do quociente. Quem não chegou a esse número, fica de fora;
• Definidos os partidos, podem assumir as cadeiras das ‘sobras’ apenas os seus
candidatos que tenham atingido pelo menos 20% do quociente eleitoral e
• Esse percentual estabelecido para o candidato da “sobra” é o dobro do que se
exige dos candidatos da primeira leva. Quando o partido atinge o quociente
eleitoral, o candidato precisa ter uma quantidade de votos de pelo menos 10% do
quociente.
AGU se manifesta
A Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou
sobre as duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e remitiu parecer
contrário. O órgão negou a inconstitucionalidade e argumentou que houve
respeito ao “princípio da anterioridade” — ou seja, a nova regra foi
estabelecida com a antecedência necessária para organização das eleições. Os
dois processos, sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, devem receber
parecer da Procuradoria-Geral da República nos próximos dias. A partir daí, ele
deverá decidir se suspende a lei enquanto tramitam as duas ações.
Na prática, não há prazo para que esse julgamento
ocorra, mas a expectativa é que não demore, já que os novos mandatários tomam
posse na próxima semana.
Já há manifestações de vários advogados que militam
no direito eleitoral achando “extremamente improvável” que as ações sejam
julgadas procedentes. A tese é que não haveria nenhum impeditivo para que se
mude a porcentagem do cálculo das sobras, desde que respeitada a anterioridade.
Já houve mudanças bem mais significativas e importantes na legislação, sem que
isso importasse em inconstitucionalidade.
Reportagem: Val-André
Mutran – Correspondente do Blog
do Zé Dudu em
Brasília.