Brasília – O
deputado federal Mendonça Filho (UB-PE), protocolou na Mesa Diretora da Câmara
dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP nº
1/2023), que proíbe financiamentos a projetos no exterior
por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A
proposta aguarda despacho do presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL),
que deve designar o relator da matéria.
Mendonça Filho não está sozinho. O colega, deputado
Kim Kataguiri (UB-SP) também apresentou proposta na mesma direção — o PLP nº
10/2023, altera a Lei Complementar nº 101, de 2000 (Lei
de Responsabilidade Fiscal), a Lei nº
4.131, de 1962, Lei 1.079, de 1950 (Lei de
crimes de responsabilidade) e a Lei 8.429, de 1992 (Lei
de Improbidade), para vedar que a União ou empresas públicas por ela
controladas façam empréstimos a países que não saldaram suas dívidas com o
Brasil ou suas empresas públicas.
As duas iniciativas, segundo os seus autores, visam
preservar os recursos do Tesouro Nacional da sanha do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), que em mandatos anteriores, utilizou politicamente o BNDES,
cujos recursos são oriundos do Tesouro Nacional, portanto fruto do suor do
contribuinte brasileiro que paga um dos impostos mais altos do mundo.
Lula, de acordo com os dois deputados, quer
financiar países ideologicamente alinhados com os planos de poder do PT, com
recursos do povo brasileiro e ao mesmo tempo destruir as indústrias nacionais.
Em sua volta à Presidência, Luiz Inácio Lula da
Silva promete recuperar a força do BNDES, mesmo que sob outras bases. “Quero
dizer para vocês que as empresas públicas brasileiras serão respeitadas”, disse
Lula após sua eleição. “O BNDES, o BRB [Banco de Brasília] e o Basa [Banco da
Amazônia] voltarão a ser banco de investimento, inclusive para pequenos e
médios empreendedores.”
Segundo os dois autores dos projetos para blindar o
BNDES dos planos do presidente, Lula parece não ter se dado conta de que o
cenário hoje mudou radicalmente.
Depois de um hiato de sete anos sem o PT no poder,
não apenas o BNDES perdeu relevância em relação ao passado, contando com menos
recursos, como o mercado de capitais preencheu o vácuo de financiamento, de
forma mais eficiente, ao passar a conceder mais crédito para a iniciativa
privada.
Criado durante o governo de Getúlio Vargas, o banco
nasceu a partir de uma visão do Estado como principal indutor da economia. Em
2010, com valores corrigidos pelo IPCA, desembolsou 322 bilhões de reais,
atingiu um pico de ativos de 1,3 trilhão em 2014, e depois murchou.
Em 2021, sob a gestão de Gustavo Montezano, os
financiamentos somaram apenas 64 bilhões de reais e os ativos caíram para 737
bilhões de reais. “O BNDES nunca mais terá a dimensão de cinquenta anos atrás,
porque tudo está privatizado”, diz o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros,
presidente da instituição durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. “Nos
últimos quatro anos, o BNDES diminuiu em termos de volume de operações e a
economia andou sem sentir a sua falta.”
A visão de Barros é respaldada por números
inquestionáveis. Com escolhas melhores para a aplicação de seus recursos e sem
comprometer as contas públicas, o mercado de capitais atingiu, no ano passado,
558 bilhões de reais em 2 .254 operações, quadruplicando de tamanho em ambas as
métricas, em comparação com 2012.
Em 2022, segundo a Associação Brasileira das
Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o volume financeiro
alcançou, até outubro, 423 bilhões de reais, mesmo em um ano sem abertura de
capital na bolsa de valores. Afinal, os últimos doze meses trouxeram imensas
incertezas na economia local e internacional, com eleições presidenciais, alta
de juros e guerra na Ucrânia.
Porto de Mariel, em Cuba, cujas obras foram
financiadas por ordem do governo Lula com recursos do banco brasileiro e
resultaram em calote bilionário. Os cubanos proporem pagar parte do débito com
charutos cubanos
Piada de botequim
O caso do empréstimo do Porto de Mariel, em Cuba, é
um caso clássico de calote bilionário que o país tomou, se transformando em
anedota de botequim se o assunto não fosse da mais alta gravidade, uma vez que
os cubanos, cinicamente, prometeram pagar parte do calote, quando foram
cobrados, com charutos cubanos. “Nem em 20 anos eles conseguiriam essa proeza”,
disseram os deputados autores do PLPs.
No projeto de Mendonça Filho, o texto em análise na
Câmara dos Deputados modifica a Lei
5.662/1971, que enquadrou o antigo BNDE, atual BNDES, como
empresa pública.
“Nesses casos, o contribuinte brasileiro acaba
sendo penalizado, pagando por uma obra que não beneficiou diretamente o País”,
afirmou o autor da proposta, na justificativa que acompanha o texto.
Remessas ao exterior
Na mesma linha, o PLP 10/23, do deputado Kim
Kataguiri (União-SP) altera, entre outras normas, a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF) e a Lei 4.131/62, que trata das remessas, por quaisquer empresas
públicas, de valores para o exterior.
“Foram oferecidas generosas linhas de crédito, em
geral por meio do BNDES, a países completamente insolventes e com péssimo
desempenho econômico”, criticou Kim Kataguiri. “Espero dar fim ao nefasto
hábito de emprestar dinheiro com base em critérios ideológicos, em detrimento
de critérios técnicos”, disse.
Recursos do Tesouro
Já o PLP nº
13/2023, da deputada Greyce Elias (Avante-MG), proíbe o
uso de recursos do Tesouro Nacional, por meio de bancos públicos, em
financiamentos a projetos no exterior, bem como transferências voluntárias ou
eventual concessão de subsídio, aval ou garantia. O texto altera a Lei de
Responsabilidade Fiscal.“Foi anunciado que o Brasil, por meio do BNDES, voltará
a financiar projetos de engenharia em outros países”, afirmou Greyce Elias. “É
um equívoco destinar recursos brasileiros a obras e empreendimentos em outros
países enquanto a infraestrutura nacional necessita urgentemente de
investimentos”, disse.
Tramitação
As propostas ainda serão despachadas para análise
das comissões permanentes e do Plenário da Câmara dos Deputados, onde aguardam
designação de relatores para iniciar a tramitação.
Quem vive de passado é museu
Caso essa realidade de voltar a utilizar o BNDES
como catalisador de riquezas para países estrangeiros se imponha diante das
ideias fixas e antiquadas de parte dos integrantes do novo governo petista, a
atuação do banco de fomento tende a ser algo mais pontual. Gustavo Montezano,
ex-presidente do BNDES no governo Bolsonaro, defende a ideia de que o banco
atue mais como um estruturador de projetos e entre com apenas parte dos
financiamentos. Isso pode ser especialmente importante em iniciativas
resultantes do Marco Legal do Saneamento Básico, aprovado em 2020, que facilita
atuação privada no setor.
Montezano também buscou redirecionar financiamentos
a empresas menores, algo com o qual o novo governo Lula parece concordar. Uma
das promessas de campanha é conceder crédito a juros baixos para as micros, pequenas
e médias. “O grande risco seria subsidiar demais setores que não sejam de
infraestrutura e o BNDES começar a competir com outros bancos”, diz Daniel
Lemos, da gestora de recursos Riza.
Isso poderia gerar o efeito de afastar o capital
privado, o que costuma acontecer quando uma ação do governo influencia muito a
oferta ou a demanda do mercado. “Mas não parece que vá acontecer”, completa
Lemos. Afinal, não é possível ignorar o fato de a iniciativa privada já ter
preenchido em grande parte o espaço ocupado no passado pelo BNDES, e o governo
não contar com a mesma folga fiscal de antigamente. Quanto antes o novo governo
assumir essa realidade, melhor utilizará os recursos do BNDES e estimulará o
mercado a contribuir para o desenvolvimento da economia do país.
Reportagem: Val-André
Mutran – Correspondente do Blog
do Zé Dudu em
Brasília.