Deputado Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados (e). Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal (d) (Foto: l)
Brasília – A
divergência entre os presidentes do Senado Federal, que também preside o
Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e Arthur Lira (PP-AL), da
Câmara dos Deputados, que não se falam há um mês, tem como pano de fundo a
recusa de Lira em ceder na disputa com Pacheco sobre a tramitação de Medidas
Provisórias enviadas ao Congresso pelo Poder Executivo.
Nos bastidores do Congresso o desentendimento está
rendendo uma grande dor de cabeça ao Palácio do Planalto. Enquanto os dois não
se entendem, nada menos que 26 Medidas Provisórias aguardam votação. O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva já baixou 11 MPs. Nenhuma avançou. O tempo
passa… e nada de acordo.
Tudo começou com a insatisfação dos deputados que
não querem a volta para o sistema anterior que era praxe antes da pandemia e
funcionava da seguinte forma: o presidente da República assinava a Medida
Provisória e enviava ao Congresso Nacional, até aí nenhuma novidade. Ocorre que
a tramitação tinha início em uma comissão mista de 12 senadores e 12 deputados.
Porém, os deputados não querem mais que seja dessa forma. Ou seja, querem a
volta das Comissões Mistas para analisar Medidas Provisórias.
Com a pandemia, houve uma costura com o STF e as
MPs passaram a entrar todas pela Câmara. Vão diretamente para o plenário,
recebem emendas e depois seguem para o Senado. Os senadores reclamam por
ficarem a reboque da outra Casa. A comissão mista determinada pela Constituição
é vista como desproporcional pela Câmara. Os deputados acham que é insuficiente
12 deputados para representar todos os 513. Além disso, quem comanda o processo
é o Senado, pois o presidente da Casa acumula o comando do Congresso e, assim,
fica responsável pela instalação dessa comissão.
Para piorar o clima, Lira critica Pacheco por ter
segurado 24 das 26 medidas provisórias que tramitam atualmente, sem
despachá-las para a Câmara. Alguns aliados do senador, por sua vez, dizem que
as comissões mistas de MPs deveriam ter voltado assim que o Ministério da Saúde
decretou o fim da emergência sanitária da covid-19, em abril de 2022.
Vai se criando uma situação complexa e delicada
para o Planalto, que pode perder o prazo para aprovar várias MPs. O clima vai
deteriorar um pouco mais antes de melhorar. Na undécima hora, alguma solução
vai aparecer. Caso contrário o circo vai pegar fogo.
A Constituição Federal estabelece que no sistema
constitucional de votação de projetos de lei ordinária e complementar (e também
de medidas provisórias) vigora, como registra o prof. Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, o chamado bicameralismo mitigado, em que a casa iniciadora termina por
ter mais poder que a casa revisora. Nesse contexto, o constituinte originário
terminou por gerar um indesejado desequilíbrio entre as Casas do Congresso
Nacional, ao estabelecer que os projetos de lei de autoria do Presidente da
República devem ter início sempre pela Câmara dos Deputados, daí o incômodo dos
senadores e do próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Ora, ao se considerar a taxa de dominância do Poder
Executivo em relação ao total de leis aprovadas, verifica-se que, em mais de
80% das leis, quem atuou como casa iniciadora foi a Câmara dos Deputados, o que
termina por agravar esse desequilíbrio de papeis entre as Casas congressuais.
Para resolver essa distorção, o senador Cid Gomes
(PDT-CE) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que visa
a alterar os artigos 60, 61, 62 e 64 da Constituição Federal (CF), prevendo que
as proposições de iniciativa do Presidente da República devem ter início alternadamente
entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. “Além de resolver o
desequilíbrio já́ registrado, trata-se de solução que está longe de ser
inédita, já́ que se inspira no tratamento que é dado pelo Regimento Comum do
Congresso Nacional (art. 142) aos projetos de lei oriundos de comissões
mistas”, diz trecho da justificativa da PEC do senador cearense.
A propósito, Cid Gomes, diz em relação às PECs,
“que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal já́
considera que podem ser apresentadas pelo Presidente em qualquer Casa (Parecer
no 692, de 1995). Agora se está estendendo aos projetos de lei e às medidas
provisórias não apenas essa prerrogativa, mas verdadeiramente estabelecendo-se
uma salutar e democrática alternância entre as Casas do Legislativo”, avalia. O
líder do PDT no Senado, Cid Gomes, já colheu, até o momento, mais de 50
assinaturas de apoiamento à PEC de sua autoria.
Clima pesado
O fato é que o clima entre Lira e o presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco, está péssimo. Há, ainda, a expectativa pela decisão
relativa ao mandado de segurança que o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE)
impetrou no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo a retomada imediata das
comissões mistas. A relatoria foi distribuída para o ministro Nunes Marques.
Articuladores de Lula e líderes entraram em campo para tentar apagar o
incêndio.
Ganhou força a ideia de aprovar uma PEC (proposta
de emenda à Constituição) acabando com as comissões mistas de MPs. A tramitação
das medidas começaria alternadamente nos plenários da Câmara e do Senado.
Agrada tanto ao Planalto quanto a Lira.
Até mesmo o senador Renan Calheiros (MDB-AL), maior
rival político do atual presidente da Câmara, dá abertura à mexida na
Constituição. “Qualquer acordo que nos leve ao cumprimento da Constituição é
válido. O que não podemos fazer é abrir mão da competência constitucional do
Senado”, disse na semana passada.
Lira abordou o assunto na sessão da Câmara na
sessão de quarta-feira (15). “Há de se encontrar uma maneira racional de se
evitar a volta das comissões mistas, porque elas eram antidemocráticas com os
plenários da Câmara e do Senado. E nós vamos encontrar uma maneira, nem que
seja fazendo alteração constitucional, para ajustar esse tema”, declarou.
Reportagem: Val-André
Mutran – Correspondente do Blog
do Zé Dudu em
Brasília.