Senadores Esperidião Amin (PP-SC), Sergio Moro (União-PR), Tereza Cristina (PP-MS), Margareth Buzetti (PSD-MT), Eduardo Girão (Novo-CE), Eliziane Gama (PSD-MA) e Zenaide Maia (PSD-RN) durante votação do PL 2.903/2023 (Foto: )
Nesta
quarta-feira (27), a base de apoio do governo no Senado não teve força para
derrotar a aprovação, por 16 votos a favor contra 10, o relatório do senador
Marcos Rogério (PL-RO) ao projeto de lei (PL n° 2.903/2023), que define o ano
de 1988, quando a Constituição foi promulgada, como marco para demarcação de
terras indígenas. O colegiado aprovou também um pedido de urgência para a
votação do projeto no Plenário do Senado. A bancada ruralista tenta acordo para
que isso aconteça ainda hoje.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que irá colocar a
urgência do marco temporal para ser votada em plenário ainda hoje e que há a
possibilidade de votar o mérito, na sequência.
O relator
Marcos Rogério (PL-RO) e a senadora Tereza Cristina (PP-MS), oposicionistas,
comemoram a aprovação do PL
‘’Vamos
avaliar se há condições de votar o projeto, mas o compromisso foi cumprido em
relação a esse tema. Foi submetido às comissões. Agora é o papel do plenário e
que vença a maioria’’, disse Pacheco. Ele negou que a aprovação da medida pelo
Congresso seja uma afronta ao STF.
‘’É natural
o Congresso Nacional possa decidir a esse respeito. Isso pode, inclusive,
subsidiar o Supremo Tribunal Federal em relação ao entendimento quanto a esse
tema. Não há nenhum tipo de adversidade ou de enfrentamento com o Supremo. É
apenas uma posição do Congresso, considerando que nós reputamos que temas dessa
natureza devem ser deliberados no Congresso Nacional’’, amenizou Pacheco.
Após quatro
horas de reunião, o relatório do senador Marcos Rogério (PL-RO) foi aprovado.
Ele rejeitou, em seu complemento ao voto, todas as 39 emendas apresentadas por
senadores governistas que são contra a aprovação a matéria e manteve o texto na
forma enviada pela Câmara dos Deputados. O mesmo ocorreu na aprovação do PL na
Comissão de Agricultura (CRA), em agosto. Para o relator, o projeto é de
interesse nacional: ‘’Não é um tema do governo ou da oposição, é um tema de
interesse nacional. Nós temos posições que podem até divergir, mas há uma
compreensão de que esse é um tema do Brasil’’, destacou.
Relatório elenca critérios
para demarcações de novas Terras Indígenas
De acordo
com o projeto, para que uma terra seja considerada “área tradicionalmente
ocupada” pelos indígenas, será preciso que, além de comprovar que vinha sendo
habitada pela comunidade indígena em 5 de outubro de 1988, era usada de forma
permanente e utilizada para atividades produtivas. Também será preciso
demonstrar que essas terras eram necessárias para a reprodução física e
cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários
ao seu bem-estar.
Para o
líder do governo no Senado, senador Jaques Wagner (PT-BA), há dificuldade em
identificar as terras ocupadas naquela época. Wagner encaminhou a base
governista a votar contra o relatório de Marcos Rogério.
Destaque
O projeto
prevê que o Estado só pode ter contato com indígenas isolados para prestar
auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública. O Partido
dos Trabalhadores (PT) pediu destaque (votação separada) do trecho para retirar
a “intermediação estatal de utilidade pública” e exigir que o auxílio médico
seja apenas em risco iminente, em caráter excepcional e mediante plano
específico elaborado pela União. A alteração foi rejeitada pelo colegiado.A
emenda proposta também esperava retirar do projeto a previsão de que entidades
particulares, internacionais ou nacionais, poderiam ter contato com essas
comunidades, caso sejam contratadas pelo Estado.
Placar
final da votação
Votos em separado
Senadores
contrários ao texto acusam a proposta de diminuir direitos indígenas e de ser
inconstitucional. Alguns apresentaram votos em separado, que não chegaram a ser
votados. O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou substitutivo (texto
alternativo ao projeto), mas, com a aprovação do relatório de Marcos Rogério, a
proposta alternativa foi prejudicada. A emenda substitutiva previa a necessária
consulta prévia das comunidades indígenas em assuntos de seu interesse e a
transparência dos processos demarcatórios.
‘’A primeira premissa [errada] é
que a Constituição criou direitos em favor dos indígenas, anulando justos
títulos preexistentes sobre suas terras. Há aqui uma nítida inversão. Os
direitos dos indígenas são originários, isso é, precediam qualquer titulação sobre
suas terras. Os títulos dados sobre o que já pertencia a outros são nulos de
pleno direito’’, afirmou Alessandro.
O voto em
separado do senador Fabiano Contarato (PT-ES) pela rejeição do projeto também
foi prejudicado. Segundo o líder do PT no Senado, a proposta, da forma como foi
aprovada, altera a posição do Estado com relação aos indígenas que vivem sem
contato com a civilização e trará riscos a essas populações.
‘’Esse
projeto não trata apenas do marco temporal. Ele fala em aculturamento da
comunidade indígena. Ele assegura o contato com os povos isolados. Isso é um
risco para a saúde e a vida dos indígenas que ali estão. Isso é um verdadeiro
ataque aos povos indígenas. Respeitar os povos indígenas é dizer ‘não’ a esse
marco temporal, à aculturação, ao contato aos povos isolados’’, protestou o
senador capixaba.
Para o
senador Dr. Hiran (PP-RR), no entanto, o isolamento agrava as condições de
saúde dos indígenas, como no caso de reservas indígenas no Norte que possuem “a
maior área endêmica de uma filariose [doença parasitária] que é oncocercose,
que causa cegueira irreversível aos índios que lá estão”, avaliou.
Queda de braço
Em junho, a
Câmara dos Deputados aprovou a urgência do projeto de lei que estabelece o
marco temporal para demarcação de terras indígenas. O assunto voltou a ser
debatido a partir de requerimentos apresentados por partidos da oposição e o
resultado da votação foi comemorado pela bancada ruralista. A deputada Célia
Xakriabá (PSOL-MG) foi ao microfone e chamou os parlamentares da bancada
ruralistas de ‘’assassinos do povo indígena’’. Em resposta, foi chamada de
‘’imbecil’’ por vários membros da bancada do agro. Na sequência, parlamentares
aprovaram o projeto em plenário.
A votação
da urgência para o marco temporal gerou uma crise entre integrantes da
esquerda, já que o governo liberou a sua bancada para votar como quisesse.
Partidos de centro, que possuem cargos no primeiro escalão, foram favoráveis ao
marco temporal. A justificativa oficial dos governistas foi de que a liberação
ocorreu porque as legendas de centro já seriam favoráveis ao marco temporal, de
qualquer maneira.
Nos
bastidores, políticos do PSOL diziam que a liberação ocorreu por um acordo
firmado no alinhamento de forças pelo Arcabouço Fiscal, aprovado na véspera: o
governo conseguiu os apoios necessários no que dizia respeito ao Arcabouço e
deixou, como moeda de troca, que os demais partidos votassem como quisessem na
questão que envolve a demarcação de terras.
Congresso só muda a tese se
aprovar uma PEC
Ao
consultar vários especialistas, a reportagem do Blog do Zé Dudu já havia antecipado que
qualquer comemoração em relação à aprovação do projeto de lei (PL n°
2.903/2023) será um vitória de Pirro. O STF já decidiu a questão e o Congresso
só pode mudá-la via emenda constitucional (PEC).
Reservadamente,
conversou com membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) que, na
condição do anonimato disseram não ser possível cravar que a bancada ruralista
tenha os dois terços dos votos, na Câmara e no Senado para aprovar uma PEC com
esse conteúdo.
“Talvez, e
isso precisa de tempo, se conseguirmos reunir o apoio da bancada evangélica e
católica e a bancada da segurança pública (apelidada de bancada da bala),
conseguiríamos os votos’’, concluiu a fonte.
Já o
senador Zequinha Marinho, que é vice-presidente da FPA, falou com a reportagem
sem pedir reservas.
‘’Essa
questão do Marco Temporal muita gente acha que é uma briga da oposição contra a
situação, contra o governo. Não existe nada disso. Que seria uma briga da
direita contra a esquerda, também não tem nada disso. É uma luta do produtor
rural contra os indígenas, também não. Não queremos briga com ninguém. Nós
queremos paz, e o Marco Temporal vai trazer paz no campo. O Marco é uma
ferramenta muito importante para garantir segurança jurídica e assegurar o
direito de propriedade no Brasil. Atualmente, são destinados 14% do território
nacional para uma população de indígenas que não chega a 1% da população
brasileira. Se o Marco não for estabelecido já, dos atuais 14% podemos passar
para 26%, asfixiando os não-indígenas e dificultando a produção e a vida desse
país’’, explicou o senador paraense.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente
do Blog do Zé Dudu em Brasília.