Rio Essequibo, zona de disputa há quase dois séculos entre Guiana e Venezuela onde um helicóptero caiu na quarta-feira (8), matando cinco militares de alta patente guianenses (Foto: )
O
presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou nesta quinta-feira (7), que os
exercícios militares dos Estados Unidos na Guiana são uma “provocação”. Nesta
manhã, o governo americano havia anunciado que faria manobras conjuntas com o
Exército guianês pela região de Essequibo, rica em petróleo, que Caracas deseja
anexar após um plebiscito realizado no último domingo (3), numa manobra
política do ditador sul-americano um ano antes das eleições presidenciais no
país.
“Esta
infeliz provocação dos Estados Unidos em favor da ExxonMobil [empresa
norte-americana de petróleo] na Guiana é mais um passo na direção errada.
Alertamos que não seremos desviados de nossas ações futuras para a recuperação
do Essequibo”, disse, ameaçador, Vladimir Padrino López, ministro do Poder
Popular para a Defesa.
As
manobras, segundo a Embaixada dos Estados Unidos na Guiana, acontecerão em
parceria com a Força Aérea guianesa e fazem parte das operações de rotina da
parceria, que ambos os países mantêm desde 2022. Washington também estuda a
construção de uma base militar em Essequibo.
Um outro
ator que pode entrar na ciranda de instabilidade criada na região pelo ditador
venezuelano é o Reino Unido. Após a independência da Guiana — antiga Guiana
Inglesa —, foi assinada uma cláusula de proteção à antiga colônia, nos termos
de um Tratado de Proteção e Defesa conjuntos, o que lembra a intervenção armada
britânica na invasão argentina às Ilhas Malvinas, desastrada manobra da Junta
Militar que governava a Argentina em 1982, resultando na morte de 649 soldados
argentinos, 255 britânicos e 3 civis das ilhas Falkland (Malvinas, em
castelhano).
Ingressos antecipados até amanhã sábado só R$ 50,00 depois 80,00
Delírio de um ditador para
se manter no poder
Analistas
internacionais atribuem a ideia do referendo popular na Venezuela a uma
distração política urdida pelo ditador venezuelano com vistas às eleições
presidenciais do ano que vem. Maduro quer se manter no poder a qualquer custo.
Após a
vitória do “sim” na consulta popular de domingo, o presidente da Venezuela
cumpre um roteiro previamente planejado. Na terça-feira (5), Maduro propôs a
criação de uma província venezuelana em Essequibo, na Guiana. Atualmente, a
área corresponde a 74% do território guianês e é reivindicada por Caracas.
Em sessão
na Assembleia Nacional, o presidente apresentou um projeto de lei que
regulamentará a criação do Estado da Guiana Essequiba e permitirá a execução
das decisões aprovadas pela população em um referendo realizado no domingo (3).
Os deputados da Casa deliberaram sobre a proposta na quarta-feira (6), e, como
já era previsto, aprovaram o projeto.
O movimento
de apropriação e possível invasão da Guiana conta com outros atos. Para
convalidar internamente seus planos, o presidente venezuelano também ordenou
que a PDVSA — estatal petroleira venezuelana — conceda licenças para exploração
de petróleo e gás na região.
Confira algumas das medidas
propostas por Maduro:
• Concessão
para licenças de exploração de gás e petróleo em Essequibo e a criação de um
setor na PDVSA para a região;
• Criação
do Alto Comissariado para a Defesa da Guiana Essequiba;
•
Publicação e divulgação do novo Mapa da Venezuela em escolas e universidades do
país;
• Criação
da Zona de Defesa Integral da Guiana Essequiba;
• Nomeação
do deputado Alexis Rodríguez Cabello como a autoridade única da Guiana Esequiba
de forma provisória;
• Programa
de assistência social à população de Essequibo e a expedição de uma nova
carteira de identidade para os cidadãos.
Maduro
propõe província em Essequibo, área da Guiana, e mostra ‘novo mapa’ da
Venezuela | Foto: (Zurimar Campos/Presidência da Venezuela/AFP)
Em seu
perfil no X (ex-Twitter), Maduro publicou o que chamou de “novo mapa da
Venezuela”, onde a região de Essequibo aparece como parte do país.
Contrariado
De
temperamento explosivo, Nicolás Maduro fica colerizado quando contrariado. Foi
assim que reagiu quando soube do primeiro movimento do Exército americano após
o referendo de domingo (3), fato noticiado em novembro pelo Blog do Zé Dudu (aqui), a
respeito da anexação de Essequibo, território atualmente controlado pela
Guiana, que equivale a dois terços do país, mas que o governo venezuelano reivindica
como seu.
Logo depois
do resultado positivo do referendo, Maduro anunciou um “novo mapa” da sua
nação, com a incorporação da região guianesa. As tensões na região ofuscam
a Cúpula do Mercosul, em curso na cidade do Rio de Janeiro sob a
presidência do Brasil até o final do ano, enquanto o presidente brasileiro,
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aliado de Maduro, continua sem se pronunciar
sobre o grave atrito.
O anúncio
das manobras conjuntas dos exércitos norte-americanos e guianense também
acontece um dia depois de um helicóptero do Exército da Guiana com sete pessoas
a bordo, incluindo cinco militares de alta patente, desaparecer perto da
fronteira com a Venezuela.
Os
militares fariam uma inspeção dos soldados situados na área de fronteira. Na
manhã desta quinta, autoridades do país ainda investigavam as causas do
desaparecimento, e afirmaram que Washington iriai ajudar nas buscas.
O
helicóptero desaparecido na Guiana foi encontrado nesta quinta-feira (7),
informou a Agência Associated Press (AP), após cerca de um dia desaparecido, a
queda matou cinco militares de alta patente. Outros dois sobreviveram,
reproduzindo anúncio das Forças Armadas do país. Até o momento, não há
indicativos de envolvimento da Venezuela no caso.
Os
sobreviventes foram identificados como o tenente Andio Michael Crawford e o
cabo Wayne Jackson. O local do acidente foi encontrado nesta manhã, e uma
equipe chegou na área por volta das 14h30.
A missão do
grupo era resgatar os sete passageiros da aeronave. No local, foram encontrados
já mortos o sargento Jason Khan, o coronel Michael Shahoud, o tenente-coronel
Michael Charles, o tenente-coronel Sean Welcome e o brigadeiro Gary Beaton.
‘’A próxima
fase da operação envolve a extração da área, seguida de uma investigação sobre
o incidente’’, afirmaram as Forças Armadas por meio de nota. Um dos
sobreviventes, Wayne Jackson, não constava inicialmente na lista divulgada de
passageiros da aeronave.
Disputa histórica
A posse de
Essequibo foi concedida em 1899 à Guiana, à época uma colônia inglesa, por meio
de arbitragem feita pelos Estados Unidos. A Venezuela questiona desde então a
decisão e, em 1966, chegou a firmar um acordo com a Inglaterra, que reconhecia
como nulo o Laudo Arbitral. Naquele mesmo ano. No entanto, a Guiana conquistou
a independência, o que na prática manteve o acordo em suspenso até hoje. Desde
então, a Venezuela considera o caso em aberto, à espera de uma solução.
A disputa
voltou a esquentar em 2015, quando foi descoberto petróleo na região de
Essequibo. Estima-se que na Guiana existam reservas de 11 bilhões de barris,
cuja parte mais significativa é “offshore”, ou seja, no mar. Por causa
das reservas fósseis, a Guiana tornou-se o país sul-americano que mais cresce
nos últimos anos, a uma taxa de 40% ao ano.
O
presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, do Partido Cívico Popular
Progressivo, classificou a ofensiva venezuelana como “provocativa, ilegal, nula
e sem efeito jurídico internacional”. Também acusou o líder venezuelano de
crime internacional ao tentar enfraquecer a integridade territorial do Estado
soberano da Guiana, violando a Carta da ONU (Organização das Nações Unidas).
O país
também defende o Tratado de Washington de 1897. “Durante mais de seis décadas,
a fronteira foi internacionalmente reconhecida, aceita e respeitada pela
Venezuela, pela Guiana e pela comunidade internacional como sendo a fronteira
terrestre entre os dois Estados”, disse o governo do país.
Brasil
Há uma
semana, na quinta-feira (30), houve uma tímida primeira manifestação do governo
brasileiro, por meio do Ministério da Defesa, informando que aumentou a
presença militar na região de fronteira no Norte do país, próximo a Venezuela e
Guiana de 60 para 120 militares. A notícia virou ‘’meme’’ e gozação nas redes
sociais.
Militares
do Exército Brasileiro
O
‘’reforço’’ atendeu um pedido do senador Hiran Gonçalves (PP-RR), que solicitou
reforço nas tropas em Pacaraima (RR), cidade na fronteira com Essequibo. Além
disso, a secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, diplomata Gisela
Maria Figueiredo Padovan, disse que o Brasil acompanha a questão com “atenção”
e mantém conversas de alto nível com ambos os países em “busca de uma solução
negociada”. Afirmou que o governo brasileiro considera o referendo como um
“assunto interno do país”.
Nicolás Maduro
O
presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, 60 anos, comanda um regime autocrático
e sem garantias de liberdades fundamentais. Mantém, por exemplo, pessoas presas
pelo que considera “crimes políticos”. O Brasil é seriamente impactado com a
imigração de milhares de venezuelanos que atravessam a fronteira entre os dois
países diariamente. Estima-se em 300 cidadãos venezuelanos cruzem a fronteira
para entrar no Brasil, todos os dias.
Há também
restrições descritas em relatórios da OEA (Organização dos Estados Americanos)
sobre a “nomeação ilegítima” do Conselho Nacional Eleitoral por uma Assembleia
Nacional ilegítima, e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (de
outubro de 2022, de novembro de 2022 e de março de 2023).
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente
do Blog do Zé Dudu em Brasília.