Relatora das mudanças na Lei de Falência, a deputada federal Dani Cunha (UNIÃO-RJ) concede entrevista aos jornalistas que cobrem a Câmara dos Deputados (Foto: )
Brasília – Em vigor desde 2005,
a Lei n° 11.101/2005 – conhecida como Lei
de Falências – pode ser alterada nesta semana, na Câmara dos Deputados. A
relatora do projeto, deputada Dani Cunha (União-RJ), apresentou em Plenário seu
parecer sobre a proposta na última quinta-feira (21). Em seguida, o presidente
da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que, por acordo, a votação do texto
ocorrerá nesta terça-feira (26).
Cunha
afirmou que o sistema de falências brasileiro precisa mudar. “O Brasil urge por
uma mudança de um sistema ineficaz, alargado e absolutamente imoral,” disse.
Atualmente,
segundo a relatora, apenas 6% dos processos resultam em recuperação da massa
falida, além de existirem várias falências que perduram por décadas sem
solução. Um dos exemplos contundentes citados é o caso da massa falida da
empresa aérea Varig, que se arrasta até hoje nos tribunais, ocasionando
prejuízos incalculáveis para ex-empregados e credores.
O Projeto
de Lei nº 3/2024, encaminhado ao Congresso em regime de urgência, pretende
trazer celeridade à falência. No entanto, como as alterações propostas
modificam pilares em que se sustentam o processo falimentar, é imprescindível
maior aprofundamento dos debates. Dentre as alterações propostas, existem três
que exigem maior atenção.
A primeira
se refere à figura do gestor fiduciário, o qual será nomeado por deliberação
dos credores titulares da maioria do crédito, independentemente da classe, os
quais também definirão sua remuneração.
O gestor
irá substituir o administrador judicial, profissional cuja capacitação técnica
e responsabilidades são disciplinadas pela Lei nº 11.101/2005 (LRF) e que é
nomeado pelo juiz de forma imparcial. Lamentavelmente, a reforma é silente
sobre capacitação técnica mínima que deverá possuir esse gestor, destacam Paulo
Dias de Moura Ribeiro, Maria Rita Rebello Pinho Dias e Clarissa Somesom Tauk,
respectivamente, ministro do Superior Tribunal de Justiça, juíza titular da 3ª
Vara de Falências e Recuperações Judiciais (TJSP), juíza da 3ª Vara de
Falências e Recuperações Judiciais (TJSP), em recente artigo publicado.
Um ponto de
preocupação dessa nova sistemática são os potenciais conflitos de interesse
advindos do fato que as regras de condução da falência serão ditadas pelo
gestor fiduciário, escolhido pelos credores titulares de maior poder econômico,
e não mais por profissional nomeado pelo juiz. Essa nova conformação pode
contribuir para a criação de um ambiente de desconfiança no processo, sobretudo
diante de credores dissidentes e do falido, os quais poderão alegar a
ocorrência de abuso de direito de voto ou de posição dominante. Há, portanto,
risco de maior litigiosidade, o que retardará o processo.
Ainda de
acordo com o artigo assinado pelo ministro e pelas duas juízas, “mostra-se
preocupante também o risco de captura do gestor fiduciário pelos credores
titulares de maior poder econômico, sobretudo considerando a ausência de regra
do projeto que coíba expressamente essa prática”.
O artigo
prossegue, prevenindo que: “Não há no projeto de lei, por exemplo, regra que
coíba o gestor de apresentar plano de falência prevendo afastamento de
avaliação dos ativos permitindo sua aquisição – pelos credores ou terceiros –
por valor muito abaixo do valor de mercado ou mesmo contendo descontos
excessivos nos valores de créditos”.
Muito
embora o projeto tenha inserido o parágrafo 5º no artigo 22 da LRF, prevendo
que as disposições sobre a atuação do administrador judicial na falência se
apliquem também ao gestor fiduciário, não há clareza quanto às normas que
dispõem sobre sua responsabilidade. Ao contrário, o artigo 82-E, parágrafo
único, prevê a isenção de responsabilidade do gestor por praticar atos em
conformidade com o plano homologado pelo juiz. Esse dispositivo apenas
reforçará a necessidade de intenso controle de legalidade do juiz, uma vez que
o caput do artigo 82-D prevê a necessária homologação judicial do plano em caso
de ausência de oposição por credores com mais de 15% do valor do crédito.
A segunda
alteração que carece de atenção se refere à modificação proposta no parágrafo
único do artigo 124 da Lei nº 11.101/05. O caput do artigo 124 prevê que os
juros somente serão pagos após a adimplemento do valor do principal de todas as
classes, se houver sobras. A proposta cria exceção a essa regra geral,
permitindo que os juros sejam liquidados a quaisquer dos créditos do artigo 84
da mesma lei, ou seja, os créditos extraconcursais.
“Essa
inovação não é irrelevante,” diz trecho do artigo dos magistrados. “Veja-se,
por exemplo, no caso de recuperação judicial em que tenha havido um empréstimo
extraconcursal autorizado pelo juízo. Nessa situação, de acordo com a nova
sistemática, haverá fundado receio de que credores concursais vulneráveis, como
é o caso do trabalhista, não recebam seus créditos, visto que, no contexto
falimentar, improvável que existam ativos para pagar o principal e os juros dos
créditos extraconcursais e ainda remanesça valor para solver os demais credores
concursais”.
“Não se
desconhece a importância dos financiamentos realizados para empresas em
recuperação judicial. Sem o ingresso de capital novo, é possível que o
soerguimento delas seja inviável. Contudo, uma alteração tão substancial da
política legislativa para a tutela do crédito necessita de amplo debate pela
sociedade, o que é incompatível com a urgência conferida à tramitação do
projeto”, avaliam os magistrados.
Por fim,
também é preocupante a expectativa de celeridade que se espera aferir com a
reforma.
Além da
litigiosidade que certamente irá surgir em razão dos potenciais conflitos de
interesse, não se pode ignorar que as normas do projeto não trazem cronograma
mais curto para alienação de ativos. Enquanto a lei atual prevê prazo de 180
dias para isso, o projeto permite que o plano de falência afaste a observância
desse prazo.
“O texto do
projeto, portanto, ao contrário do que sugerem as razões de seu encaminhamento,
permite ampliação indefinida do prazo do processo, que passará a se submeter
exclusivamente ao critério e conveniência dos credores,” observam os
articulistas.
E concluem:
“Os três pontos acima evidenciam preocupações com relação ao incremento de
litigiosidade, de morosidade e de maior intervenção judicial que poderá advir à
falência em razão das alterações propostas pelo PL 3/2024”.
É de se
destacar que, em 24 de dezembro de 2020, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
foi alterada, após intenso debate legislativo e análogo com o Judiciário, trazendo
inovações ao processo de falência que foram bem recebidas pela comunidade
jurídica, entenderam que contribuíram para tramitação mais célere e eficiente
do processo. Por serem bem recentes, tais alterações ainda não foram sequer
objeto de estudo para apurar seu impacto no processo falimentar.
Nova
alteração do processo falimentar, portanto, sobretudo levando em conta a
recente reforma, deve ser precedida de amplo debate pela sociedade e dos
operadores do direito que atuam na área, para permitir o amadurecimento das
sugestões propostas e apresentar maior esclarecimento quanto às preocupações
apresentadas pelos magistrados.
O que diz o relatório?
Segundo o
texto, caberá à assembleia geral de credores escolher o gestor fiduciário, com
atribuições de elaborar o plano de falência e levar adiante a venda de bens
para satisfazer as despesas com o processo falimentar e pagar os credores
segundo suas classes de preferência. O administrador judicial da falência
somente atuará se a assembleia de credores não eleger um gestor.
O
substitutivo da relatora deputada Dani Cunha trouxe várias mudanças, como
centralizar apenas na vara falimentar a execução de créditos trabalhistas
apurados pela Justiça Trabalhista, que não poderá realizar atos de execução,
cobrança, penhora ou arresto de bens por parte da vara trabalhista.
Administrador judicial
Cunha
criticou os chamados administradores judiciais, nomeados pelo juiz de falência,
para administrar a massa falida. “Com vultosos números, as contas de um
processo de falência jamais são sanadas, já os bolsos dos administradores
judiciários, em contrapartida, são lotados,” afirmou.
Ela
reclamou ainda do fato de que, além do salário, os administradores recebem um
percentual do patrimônio administrado, passando na frente dos trabalhadores e
de outros credores na hora do recebimento.
“É
extremamente importante acelerar os processos de falência, desburocratizar e,
acima de tudo, moralizar uma caixa preta desfrutada por uma seleta classe que,
logicamente, mais se insurgiu contra o projeto,” concluiu a relatora.
Por Val-André Mutran – de Brasília