Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2024

Política
Publicada em 15/12/24 às 05:54h - 108 visualizações
Palestina do Pará: Suspeita de fraude nas eleições deste ano
Valciney Ferreira Gomes, candidato derrotado, está reunindo material a fim de provocar o Ministério Público Eleitoral

Jornal O Niquel

Palestina do Pará  (Foto: )


O Ministério Público Eleitoral (MPE), da comarca de São João do Araguaia, sudeste do Pará, deve ser provocado, nos próximos dias, para investigar a denúncia de possível fraude eleitoral no município de Palestina do Pará, cuja 057ª zona pertence a São João. O vencedor para prefeito foi o candidato Márcio Folha (PP), diplomado neste sábado (14), integrante da coligação PSDB, PSD, PRD, PDT, PSB, PP, e Cidadania. 

O outro concorrente à prefeitura, Valciney Ferreira Gomes (MDB), até então líder absoluto nas pesquisas divulgadas antes das eleições, “misteriosamente” sofreu revés nas urnas no final das apurações, na eleição majoritária do último dia 6 de outubro. Valciney está se municiando de provas para apresentar ao MPE, o que pode provocar nova eleição em Palestina. 

A Reportagem apurou, de acordo com o que foi colhido até o momento, que são fortes os indícios de que houve uma escancarada compra de votos, antes e depois do pleito municipal. A estratégia teria garantido a vitória de Folha, forte aliado do atual prefeito, Cláudio Robertino dos Santos, mais conhecido como “Claudio da Tetê”, por ter parentesco com a ex-deputada Tetê Santos. A compra de votos é um crime eleitoral, tipificado no art. 299 da lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965.

Mas não foi apenas a compra de votos que teria ajudado a eleger Márcio Folha. A Reportagem também apurou, com exclusividade, que eleitores “forasteiros” desembarcaram em Palestina do Pará, alguns dias antes das eleições, com a orientação de votarem maciçamente no candidato do atual prefeito. Um forte empresário de Parauapebas teria fretado ônibus para o transporte de funcionários de sua empresa, 50 ao todo, com essa finalidade. Até mesmo um time de futebol foi “importado” de Parauapebas, segundo áudios de WhatsApp vazados para a Reportagem. Todos com a finalidade de votar em Márcio Folha. O áudio não cita a que time de Parauapebas pertencem os jogadores. 

Essa “delegação” enviada da Capital do Minério teria ficado hospedada em duas casas em Palestina, também supostamente alugadas pelo empresário.  

Sobre a compra de votos, o próprio presidente do PDT no município, o ex-vereador e um dos coordenadores da campanha de Folha, Moacy Marques Ribeiro, foi preso em flagrante por uma equipe da Polícia Civil (PC) e conduzido para a delegacia local no dia da eleição. De acordo com denúncias que chegaram ao conhecimento da PC, Moacy estaria pessoalmente na frente dos locais de votação, aliciando eleitores em troca de dinheiro. O valor não foi  revelado. 

Aliás, o aliado de Cláudio da Tetê e Folha foi flagrado dentro de um dos locais de votação, exibindo uma cédula de R$ 50 e abraçado com um correligionário, a quem teria subornado. O sorriso de deboche de ambos, em comemoração, não apenas demonstra um atentado à democracia, mas também uma clara afronta às autoridades, tanto da Justiça Eleitoral quanto da Polícia Federal (PF). 



“Milagre da multiplicação”

Fato bastante intrigante, e que deve receber atenção especial por parte das autoridades competentes, é que o último pleito em Palestina do Pará tem revelado estar bastante atual à passagem bíblica do “filho pródigo”. A Reportagem fez levantamento, junto a dados nos sites do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e constatou o seguinte: pelo menos nas duas últimas eleições municipais (2020 e 2024), houve um aumento substancial de eleitores entre um pleito e outro; 856 ao todo. Até aí, nada demais.

Acontece que, nos dois últimos recenseamentos realizados pelo IBGE (2010/2022), num espaço de 12 anos aconteceu o êxodo de 590 moradores, pessoas que deixaram Palestina do Pará pelos mais diversos motivos, e para diferentes lugares. Para as eleições de 2024, 6.033 eleitores estavam aptos a votar na 057ª zona, demonstrando que, entre o último censo de 2022 até a última eleição, 852 pessoas aumentaram a população do município, 262 a mais das que haviam emigrado. Os dados falam de pessoas, não de famílias.

A Reportagem também conferiu os dados das últimas eleições, para equiparar os números. Dos 6.033 eleitores aptos a votar, 2.607 votos foram para Márcio Folha, 2.542 para Valciney, 125 votos foram anulados, além de um total de 745 abstenções (12,35%) do total. Ou seja, das 852 pessoas que supostamente decidiram viver em Palestina, apenas 107 se dispuseram a sair de suas casas para votar.

“É humanamente impossível isso acontecer. As pessoas que mudaram de Palestina é que foram em busca de novas oportunidades, outros atrativos, como bons empregos e estudos mais avançados. Aqui [em Palestina do Pará] não tem nada disso,” disse uma fonte, que prefere o anonimato. 

Analisando os números, se percebe que, enquanto a população diminuiu em 8%, o número de eleitores teve um crescimento de 16% – o dobro, em pequeno espaço de tempo.

Fenômeno

Esse “milagre da multiplicação” não é exclusividade apenas de Palestina do Pará. Pesquisando mais a fundo, a Reportagem descobriu que tais “fenômenos” atingiram também outros municípios do entorno. 

Em Brejo Grande do Araguaia, o censo de 2022 indicou uma população de 6.783 habitantes, enquanto em 2024, 7.214 eleitores estavam aptos a votar; 431 pessoas a mais do que indicava o IBGE há dois anos. São João do Araguaia não foi diferente: o censo de 2022 apresentou 13.664 habitantes, número que pulou para 13.769 nas últimas eleições. Um crescimento de 105 pessoas.

Fatos como esse, sugere uma fonte, acontecem também nas grandes cidades, onde é “comum” o fenômeno do “eleitor itinerante”. “Só que nas grandes cidades é mais difícil de perceber. Já em municípios menores, esse tipo de fraude acontece abertamente. É preciso providência das autoridades,” sugere a mesma fonte. Os números citados foram todos coletados nos sites do TSE e do IBGE.

Esquema suspeito    

A Reportagem dispõe de vários áudios de WhatsApp, obtidos com exclusividade, onde os interlocutores sugerem a possibilidade de “maracutaia” para beneficiar Márcio Folha. Uma das conversas evidencia que um forte empresário de Parauapebas teria aliciado funcionários para votar no candidato da coligação “Por Amor à Palestina”. Não apenas aliciado, mas também fretado ônibus para transportá-los.   

Logo após o final das apurações, uma das mensagens festeja a vitória de Folha. “Ainda bem que os dois ganharam, né, tá bom demais,” diz o indivíduo, se referindo a Márcio Folha e a uma candidata a vereadora.

Outra voz ressalta a participação de uma pessoa envolvida, relatando que “os votos do ‘empresário’ fizeram efeito, cumpadi… o caboco me disse aqui estou levando 45 votos, tá anotado aqui no caderno… tô levando aqui 45 votos pra votar lá no Porto da Balsa… e votou os 45 votos. O povo do ‘empresário’ fez a diferença, o povo dele fez a diferença”, se gaba o interlocutor.

Uma outra voz, também pelo WhatsApp, enfatiza que “só aqui do Peba aqui, foi mais de 50 pessoa cumpadi, foi dois ônibus”, dando a entender que, realmente, tal empresário fretou dois ônibus para conduzir seus funcionários de Parauapebas até Palestina, com a incumbência de votarem em Márcio Folha. 

Time joga bem

Outro diálogo pelo celular, não menos comprometedor, envolve uma pessoa que seria Kerlone, primo do atual prefeito, Cláudio da Tetê, e supostamente um dos operadores de frente da prática de compra de votos. A pessoa reconhece, segundo o áudio vazado, que a coligação “Por Amor à Palestina” já tinha dado como certa a derrota. Trecho da conversa ressalta que “nós tava perdendo, nós tava com essa política aí perdida, ‘Magrelo’ lá em cima e nós tomamo. O time do 45 joga bem demais”. Cita ainda que “O time do 45 parece o Barcelona jogando”. “Magrelo”, a que se refere, se trata da pessoa de Valciney Gomes; é como é chamado por seus correligionários.

O interlocutor, na troca de mensagens com a pessoa que seria, supostamente, Kerlone, chama-se Davi. “Não Davi, eu tava agorinha aqui falando com o Cláudio [que seria o atual prefeito], eu gosto de ver esse time do 45 [partido do atual prefeito, que compõe a coligação] trabalhar numa política, viu. Ele sabe é trabalhar. O time aprendeu a trabalhar mesmo… cada um sabe sua posição… dá gosto de ver um 45 desse trabalhando, ó,” finaliza o áudio. 

De acordo com informações coletadas pela Reportagem, a compra de votos em Palestina do Pará teria girado em torno de R$ 2 milhões, e sido supostamente patrocinado por empresários de Parauapebas e Marabá, que teriam interesse na permanência de aliados de Cláudio da Tetê na prefeitura. Só para um “cabo eleitoral” teriam sido destinados R$ 10 mil, via PIX, para ser empregado no aliciamento de eleitores.

Recorrente

Caso seja comprovada que a eleição de Márcio Folha tenha sido resultado de compra de votos, será mais um capítulo da história política de Palestina do Pará que se repete. 

A prática de crimes eleitorais no município não é novidade. Nas eleições de 2012, a candidata Maria Ribeiro, segunda colocada, de acordo com as pesquisas, superou o candidato Valciney Gomes, com uma pequena margem de votos. 

Diante da constatação de que a vitória de Ribeiro se deu através do abuso econômico praticado pelo grupo da então prefeita, que concorreu à reeleição, a Justiça Eleitoral anulou o pleito. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE/PA) determinou a realização de nova eleição, quando Valciney foi então eleito, com folga.

Retorno

A Reportagem buscou pronunciamento da coordenação da coligação “Por Amor à Palestina”, assim como também das demais pessoas citadas na matéria, mas não teve sucesso.

(Colaboração do jornalista Nilson Santos, de Marabá)



















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