Os ratos
de bambu estão entre os animais selvagens criados para alimentação na China e
em outras partes da Ásia. Um membro da equipe da Organização Mundial de Saúde
que está investigando a pandemia do novo coronavírus disse que seu relatório
concluirá que essas fazendas de animais são provavelmente o local onde a
pandemia começou. Acima, um rato vivo está à venda em um mercado de alimentos
em Mianmar (Foto: Jerry Redfern/LightRocket Getty Images)
Brasília – A Organização
Mundial da Saúde (OMS) concluiu um estudo que investigou a exata origem do
SARS-CoV-2, a variante do novo coronavírus que se transformou na pandemia da
covid-19. O relatório completo só deve sair no final de março deste ano, mas um
membro da equipe, Peter Daszak, que participou da pesquisa, compartilhou uma
prévia dos resultados com um jornal estrangeiro.
Segundo o especialista, que viajou para a China, há
fortes evidências que confirmam hipóteses iniciais sobre as primeiras
contaminações. O novo coronavírus provavelmente nasceu a partir do consumo da
carne de animais que foram infectados por morcegos.
Os bichos em questão são animais silvestres que
vivem em fazendas legalizadas há ao menos duas décadas pelo governo da China,
possivelmente na região de Yunnan. Esses locais ajudaram a reduzir a pobreza na
região e costumam fornecer o que é vendido em mercados de frutos de mar como o
de Huanan, em Wuhan, epicentro da pandemia em humanos.
Origem
localizada
A China fechou essas fazendas de vida selvagem em
fevereiro de 2020, diz Peter Daszak, ecologista de doenças da EcoHealth
Alliance e membro da delegação da OMS que viajou à China este ano.
Durante essa viagem, diz Daszak, a equipe da OMS encontrou novas evidências de
que essas fazendas de vida selvagem forneciam animais aos vendedores do Mercado
Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, em Wuhan.
Daszak disse que o governo chinês pensava que essas
fazendas eram o caminho mais provável para um coronavírus em morcegos no sul da
China chegar aos humanos em Wuhan.
Tais fazendas de vida selvagem, incluindo aquelas
na região de Yunnan, são parte de um projeto único que o governo chinês vem
promovendo há 20 anos.
“Eles pegam animais exóticos, como civetas,
porcos-espinhos, pangolins, cachorros-guaxinins e ratos de bambu, e os criam em
cativeiro,” diz Daszak.
A agência deve divulgar as descobertas
investigativas da equipe nas próximas duas semanas. Nesse ínterim, Daszak
relatou o que a equipe descobriu.
Projeto
de combate a fome do governo chinês
“A China promoveu a criação de animais selvagens
como uma forma de aliviar as populações rurais da pobreza,” diz Daszak. As
fazendas ajudaram o governo a cumprir metas ambiciosas de acabar com a divisão
rural-urbana, conforme relatado pela imprensa estrangeira no ano passado.
“Foi muito bem-sucedido,” diz o ecologista. “Em
2016, eles tinham 14 milhões de pessoas empregadas em fazendas de vida selvagem
e era uma indústria de $70 bilhões”.
Então, em 24 de fevereiro de 2020, quando o surto
em Wuhan estava diminuindo, o governo chinês deu uma volta completa em relação
às fazendas.
Ratos
de bambu e outros bichos eram criados como comida e vendidos em mercados e
feiras
A pandemia faz com que a China proibisse a
reprodução de ratos de bambu e outros animais selvagens. “O que a China fez foi
muito importante,” diz Daszak. “Eles divulgaram uma declaração dizendo que
parariam de cultivar animais selvagens para se alimentar”.
O governo fechou as fazendas: “Eles enviaram
instruções aos fazendeiros sobre como descartar os animais com segurança –
enterrá-los, matá-los ou queimá-los – de uma forma que não propagasse doenças”.
Por que o governo faria isso? Porque, pensa Daszak,
essas fazendas poderiam ser o local de transbordamento, onde o coronavírus
saltou de um morcego para outro animal e depois para as pessoas. “Acho que o
SARS-CoV-2 atingiu as pessoas pela primeira vez no sul da China. É o que parece”.
Em primeiro lugar, muitas fazendas estão
localizadas ao redor de uma província do sul, Yunnan, onde os virologistas
encontraram um vírus de morcego que é geneticamente 96% semelhante ao
SARS-CoV-2, o coronavírus que causa a doença covid-19. Em segundo lugar, as
fazendas criam animais que são conhecidos por transportar coronavírus, como
gatos civetas e pangolins.
Finalmente, durante a missão da OMS na China,
Daszak disse que a equipe encontrou novas evidências de que essas fazendas
estavam abastecendo vendedores no Mercado Atacadista de Frutos do Mar Huanan em
Wuhan, onde ocorreu um surto precoce de COVID-19.
O mercado foi fechado durante a noite em 31 de
dezembro de 2019, após ter sido relacionado a casos do que foi descrito como
uma misteriosa doença semelhante à pneumonia.
“Havia uma transmissão massiva acontecendo naquele
mercado, com certeza,” diz Linfa Wang, virologista que estuda vírus de morcego
na Duke-NUS Medical School, em Cingapura. Ele também faz parte da equipe de
investigação da OMS. Wang diz que após o surto no mercado de Huanan, cientistas
chineses foram lá e procuraram o vírus.
“Na seção de animais vivos, eles tiveram muitas
amostras positivas,” disse Wang. “Eles ainda têm duas amostras das quais podem
isolar vírus vivos”.
E assim, Daszak e outros membros da equipe da OMS
acreditam que as fazendas de vida selvagem forneceram um canal perfeito entre
um morcego infectado com coronavírus em Yunnan (ou na vizinha Mianmar) e um
mercado de animais de Wuhan.
“A China fecha esse caminho por uma razão,” diz
Daszak. “A razão foi que, em fevereiro de 2020, eles acreditavam que esse era o
caminho mais provável [para o coronavírus se espalhar para Wuhan]. E quando o
relatório da OMS for publicado também acreditamos que seja o caminho mais
provável”.
O próximo passo, diz Daszak, é descobrir
especificamente qual animal carregava o vírus e em qual das muitas fazendas de
vida selvagem no Sul da China.
POR VAL-ANDRÉ MUTRAN – DE BRASÍLIA